Deputados discutem situação de sem-terra na Grande BH
A situação das 120 famílias de sem-terra acampadas
em Mário Campos e Sarzedo, na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, foi o tema da audiência pública da Comissão de Direitos
Humanos nesta quarta-feira (8/5/2002). Eles ocupam há 11 meses a
Fazenda Bela Vista, na divisa entre as duas cidades, e esperam a
desapropriação da terra em péssimas condições. Não há
infra-estrutura no acampamento e não há garantias de que a terra
será desapropriada ainda neste ano, por causa da falta de recursos
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da
oposição da prefeitura de Mário Campos, que prefere a criação de um
condomínio de luxo na região.
As 300 crianças que moram no acampamento têm que
caminhar três quilômetros para chegar à escola mais próxima, em
Mário Campos, cuja prefeitura diz não ter recursos para o transporte
dos alunos. Segundo a representante dos acampados que prestou
depoimento à comissão, Valéria Antônia da Silva, todas as famílias
inscreveram-se no programa de reforma agrária do Governo Federal,
que prometia entrevistar os interessados dentro de quatro meses.
Passados dez meses, ninguém obteve resposta.
A solução para o problema dos sem-terra pode
arrastar-se por mais tempo, pois o Incra não tem condições de
atender à demanda de assentamentos. "A situação dos acampados é
desumana, mas nossa capacidade operacional é limitadíssima, e não
temos como aumentá-la", explicou o superintendente do instituto em
Minas Gerais, Eloy Alves Filho. De acordo com Eloy, o Incra tem
capacidade para assentar 2 mil famílias por ano em Minas. Em todo o
Estado, existem 35 mil pessoas inscritas no programa de reforma
agrária, segundo dados do Ministério da Reforma Agrária.
Mas existem outros problemas que estão atrasando a
desapropriação da Fazenda Bela Vista. Cerca de 70% da área do futuro
assentamento ficam na Apa-Sul, área de proteção ambiental com mata
remanescente. Além disso, boa parte da área que os sem-terra
reivindicam fica em terreno montanhoso. Dos 631 hectares da fazenda
ocupada, apenas 110 poderão ser utilizados para a agricultura. "Essa
é uma área cara, pois fica próxima a Belo Horizonte. Uma mesa
técnica vai avaliar a viabilidade econômica e a relação
custo-benefício do assentamento. Temos que conseguir também o
licenciamento ambiental", explicou Eloy. O superintendente admitiu
que, se a área for inviabilizada, o Incra não vai poder fazer outra
vistoria para esse grupo de sem-terra em 2002.
Também presente à reunião, o representante do
Instituto de Terras de Minas Gerais (Iter-MG), Marcos Helênio Leone
Pena, criticou a demora do Incra e a morosidade da Justiça nas ações
de desapropriação de terras. Ele assegurou que o Iter vai fazer um
levantamento para saber se existem áreas devolutas na região de
Sarzedo e Mário Campos. "Não estou propondo nenhuma ocupação, mas a
questão dos latifúndios e das terras públicas e devolutas tem que
ser resolvida", afirmou. Segundo Helênio, as áreas devolutas ocupam
11 milhões dos 44 milhões de hectares de terras agricultáveis de
Minas Gerais.
O deputado João Leite (PSB) quis saber por que o
Incra não cumpriu o prazo estipulado para entrevistar os inscritos
no programa federal de reforma agrária. Para Eloy, a propaganda
oficial foi uma alternativa para democratizar o acesso à terra,
permitindo que pessoas sem ligação com movimentos organizados
pudessem inscrever-se. Ele disse que algumas famílias foram
assentadas em quatro meses, mas o Incra não tem condições de atender
toda a demanda por desapropriações. As inscrições para a reforma
agrária, que eram feitas nas agências dos correios, foram suspensas.
Este ano, o Incra pretende assentar 3 mil famílias em Minas Gerais,
graças ao reforço na equipe de dez agrônomos responsáveis pelas
avaliações dos acampamentos.
Os entraves para o assentamento não param por aí. A
prefeitura de Mário Campos é contra a desapropriação da Fazenda Bela
Vista. O procurador do município, Fernando Pereira Bromonschemkel,
revelou que está em estudo a construção de um condomínio de luxo na
região, e enumerou vários motivos contrários ao assentamento. Para o
procurador, a reforma agrária vai trazer mais gastos para a
administração municipal, que não pode extrapolar os limites impostos
pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Além disso, segundo ele, a distribuição da terra
pode comprometer os mananciais de água da região, e a extensão
territorial do município - 35 quilômetros quadrados - é pequena
demais para a criação do assentamento. Bromonschemkel alegou que a
área reivindicada pelos sem-terra não pertence a Mário Campos, mas
disse que a Câmara dos Vereadores local já aprovou uma proposição de
lei que autoriza a expansão urbana até a Fazenda Bela Vista. A
representante do Instituto de Geociências Aplicadas, Paula Adriana
Massara Cocolus, garantiu que a fazenda ocupa os territórios de
Mário Campos e Sarzedo. O secretário de Governo de Sarzedo, José
Patrocínio Zezito, disse que a administração local apóia os
sem-terra, e foi aplaudido pelos acampados que lotavam o
Auditório.
Antes de serem assentadas, as famílias que ocupam a
Fazenda Bela Vista não receberão ajuda do Incra. O fornecimento de
cestas básicas foi interrompido porque não foi renovado o contrato
com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). "Neste ano, os
recursos para a compra de cestas básicas são restritos, e nós só
vamos poder atender as famílias despejadas", justificou Eloy. A
representante da Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência
Social, Criança e Adolescente (Setascad), Tereza de Lamare, disse
que vai acompanhar a situação dos acampados. "Vamos ver o que se
pode fazer de maneira emergencial", garantiu. O deputado João Leite
disse que vai pedir a responsabilização da prefeitura de Mário
Campos pela precária situação dos sem-terra.
Policiais - Os membros da
Comissão ouviram também a denúncia do inspetor de polícia José
Alfredo Vieira, que teria sido vítima de perseguição por parte de
membros da Polícia Civil. José disse que denunciou irregularidades
envolvendo delegados e o atual secretário-adjunto de Segurança
Pública, José Antônio Morais, e por isso foi alvo de cinco
inquéritos falsos. "Não tenho como recorrer e vou acabar na cadeia",
afirmou. O deputado João Leite disse que a Comissão vai acompanhar
os processos movidos contra o inspetor.
Requerimentos aprovados
Os deputados aprovaram três proposições. Uma pede
ao secretário de Estado de Segurança Pública e ao comandante-geral
da Polícia Militar que tomem providências para resolverem eventuais
problemas envolvendo membros das duas corporações. Outra pede que
seja enviada correspondência parabenizando o presidente da
Venezuela, Hugo Chaves, pela volta do país à normalidade
democrática. E a terceira para cumprimentar o presidente Fernando
Henrique Cardoso e o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer,
pelo apoio a Hugo Chaves.
Foram aprovados requerimentos dos deputados João
Leite (PSB), para que fossem ouvidos os convidados da audiência;
Marcelo Gonçalves (PDT), parabenizando o presidente do Tribunal
Regional Eleitoral de Minas Gerais, desembargador Orlando Adão de
Carvalho; Elbe Brandão (PSDB), pedindo a realização de audiência
pública para discutir a criminalidade em Montes Claros; Durval
Ângelo (PT), solicitando audiência para debater possíveis violações
de direitos humanos na administração da Rodoviária de Belo Horizonte
e que seja convidado o ex-procurador-geral de Justiça do Estado,
Márcio Decat, para esclarecer a notícia veiculada pelo jornal "Hoje
em Dia" de 8/5/2002, sobre os motivos de seu afastamento do
Ministério Público em 2000.
Presenças - Estiveram
presentes os deputados Márcio Kangussu (PPS) - presidente da
Comissão, Marcelo Gonçalves (PDT), Edson Rezende (PT), Elbe Brandão
(PSDB), João Leite (PSB) e Durval Ângelo (PT).
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