Assembléia debate "auditoria cidadã da dívida"
A Assembléia Legislativa de Minas Gerais promoveu,
nesta sexta-feira (19/4/2002), o Ciclo de Debates "Auditoria cidadã
da dívida", coordenada pelo 2º-vice-presidente da Assembléia,
deputado Ivo José (PT). O evento teve o objetivo, segundo o
deputado, de discutir não só a questão da dívida externa, mas também
as condições de vida de milhares de brasileiros, dando continuidade
aos debates do Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre. A
mesa foi composta pela auditora fiscal da Receita Federal e
presidente da Unafisco Sindical, Maria Lúcia Fatorelli; pelo
professor de Economia da Universidade de Brasília, Dércio Garcia
Munhoz; pelo socioeconomista Marco Arrudas, do Pólo de Socioeconomia
Solidária, pelo secretário de Direitos Humanos e Sistema
Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, João Luiz Pinaud, e pelos
deputados federais Sérgio Miranda (PCdoB/MG), membro da Comissão de
Orçamento e de Finanças e tributação da Câmara dos Deputados; e
Vivaldo Barbosa (PDT/RJ), membro das comissões de Trabalho e de
Ciências e Tecnologia da Câmara dos Deputados.
"O ministro da Fazenda anunciou que no dia 18 de
junho o governo vai aumentar a alíquota da CPMF, tributo que deixou
de ser provisório para ser permanente, com o objetivo de pagar as
finanças do País." A afirmação é do deputado Ivo José (PT), que
abriu os debates criticando a ação do Governo Federal com relação ao
aumento de impostos para cobrir o déficit do País. O deputado
Geraldo Rezende (PMDB) parabenizou o deputado Ivo José pela
iniciativa de dar continuidade às discussões do Fórum Social
Mundial. "Vamos debater a questão da dívida para oferecer uma
proposta que possa melhorar o mundo", disse.
O professor de Economia da Universidade de
Brasília, Dércio Garcia Munhoz, disse que os países produtores de
petróleo, como é o caso do Brasil, endividaram-se externamente
depois da "crise dos anos 70". Nos anos 80, segundo ele, surgiu a
proposta do implantação da política neoliberal como alternativa para
a melhoria das condições de vida da população. "A promessa era de
construirmos um mundo melhor a partir da abertura do comércio e do
sistema financeiro. Mas o resultado foi o enfraquecimento da
política e da economia dos países explorados", disse. De acordo com
o professor, a partir daí o Brasil vem sofrendo um processo de
enfraquecimento e endividamento econômico constante. "A questão da
dívida externa não é abstrata, está mexendo com o nosso dia-a-dia .
Os salários não acompanham o preço dos produtos, o que está causando
o empobrecimento da população. Nós vamos privatizar nossas empresas
porque não teremos dinheiro para mantê-las", afirmou.
ELEIÇÕES E EFETIVAÇÃO DA AUDITORIA
O "divisor de águas" que pode representar a eleição
de 2002 para o debate e a tomada de decisões sobre o endividamento
interno e externo brasileiro foi um tema recorrente entre
expositores do Ciclo de Debates "Auditoria Cidadã da Dívida",
promovido pela Assembléia nesta sexta-feira (19/4/2002). A
importância de eventos desse tipo para a conscientização e a
mobilização social também foi ressaltada, bem como o esforço do
movimento da Auditoria Cidadã para aprofundar os estudos sobre o
tema e tornar públicos documentos que mostrem quais são, de fato, os
valores da dívida e do serviço da dívida. "Temos que perguntar aos
candidatos à Presidência da República se eles apóiam a Auditoria
Cidadã da Dívida", cobrou a presidente da Unafisco Sindical e
auditora fiscal da Receita Federal, Maria Lúcia Fattorelli, que
falou para um Plenário lotado, com a presença destacada de
estudantes.
Maria Lúcia Fattorelli lembrou que o artigo 26 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da
Constituição Federal (de 1988) já fazia menção à Auditoria. O artigo
estabelece que, em um ano a contar da promulgação da Constituição, o
Congresso promoverá, através de comissão mista, exame analítico e
pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo
brasileiro. A comissão terá a força legal de comissão parlamentar de
inquérito para os fins de requisição e convocação e atuará com o
auxílio do Tribunal de Contas da União. Apurada irregularidade, o
Congresso Nacional proporá ao Executivo a declaração de nulidade do
ato e encaminhará o processo ao Ministério Público Federal, que
formalizará, em 60 dias, a ação cabível.
Os números da dívida também foram rememorados. A
dívida externa brasileira, que, em dezembro de 1994, era de US$ 148
bilhões, em novembro de 2001 estava em US$ 217 bilhões. Já a dívida
interna pulou de R$ 60 bilhões para R$ 675 bilhões, nesse período.
Sessenta e três por cento do Orçamento Federal hoje são destinados
ao serviço da dívida (pagamento e rolagem). Essa prioridade foi
definida por acordo com credores internos e externos, acrescentaram
os expositores. Para Maria Lúcia Fattorelli, a dívida e a má
distribuição de renda são as principais razões das injustiças
sociais no País. Entre elas, a existência de 53 milhões de
miseráveis e de 28 milhões de famintos.
Propostas apresentadas -
Entre as propostas apresentadas durante o Ciclo de Debates, estão as
seguintes: anulação da dívida total de países mais pobres e
endividados; auditoria da dívida de países emergentes (como Brasil,
Argentina e México); rompimento de acordo com o FMI, que prioriza as
políticas de ajuste fiscal; redefinição das prioridades dos
Orçamentos Federal e Estaduais; instituição de reforma tributária
progressiva e redistributiva e de reforma agrária participativa e
redistributiva. Maria Lúcia Fattorelli lembrou, ainda, que tramita
no Congresso Nacional a Proposta de Fiscalização e Controle (PFC)
64/2001. Ela propõe que a Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional da Câmara dos Deputados fiscalize os atos, os
procedimentos e as possíveis omissões do Ministério da Fazenda e do
Banco Central quanto ao endividamento externo brasileiro.
EXPOSITORES FAZEM CRÍTICAS AO GOVERNO FHC
O socioeconomista Marcos Arruda, do Pólo de
Socioeconomia Solidária, classificou o momento eleitoral como uma
nova oportunidade de escolher entre dois modelos de desenvolvimento:
aquele patrocinado e dependente da poupança externa trazida sob a
forma de empréstimos e investimentos estrangeiros e multiplicado
para o exterior; ou aquele em que o desenvolvimento econômico seja
um meio de construir as bases do desenvolvimento social e humano. "É
um risco classificar o problema da dívida como financeiro",
acrescentou. As críticas aos dois governos do presidente Fernando
Henrique Cardoso também foram recorrentes no Ciclo de Debates. "É
preciso ressaltar que estamos discutindo, aqui, a dívida relacionada
à política econômica implantada a partir de 1994", enfatizou o
deputado federal Sérgio Miranda (PCdoB/MG), integrante da Comissão
de Orçamento e de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. "O
Brasil não tem soberania nas definições econômicas", acrescentou,
fazendo um histórico do crescimento da dívida no governo FHC e do
conseqüente desmonte do Estado.
O secretário de Direitos Humanos e Sistema
Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, João Luiz Pinaud,
referiu-se à dívida como um mega-estelionato e chamou atenção também
para a omissão da mídia e a alienação do povo, sinônimos de
cumplicidade em relação a esse contexto. Ele se referiu a análise da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre a dívida externa, na
década de 90, e afirmou ser preciso fazer gestão também junto à
entidade, para que sejam implementadas outras ações. O professor
Marcos Arruda lembrou que, no início do governo Vargas, em 1931,
aconteceu uma Auditoria da Dívida. A renegociação que se seguiu teve
como ponto de partida o fato de que metade do valor pago à
Inglaterra, principal credor à época, não correspondia a contrato
escrito. Após a renegociação, a dívida e os juros caíram pela metade
e teve início, acrescentou Arruda, nova era no País, com a
transformação da economia até então rural em industrial.
Comissões no Congresso Nacional - Os expositores também relataram o trabalho desenvolvido por
comissões do Congresso Nacional que, na década de 80, analisaram o
problema da dívida. Maria Lúcia Fattorelli comentou documento
elaborado pelo então senador Fernando Henrique Cardoso, relator da
Comissão Especial formada em 1987 para analisar a moratória
decretada pelo governo brasileiro. No relatório, ele afirma que "a
crise da dívida externa do Terceiro Mundo envolve a
co-responsabilidade dos devedores e dos credores" e que "um quarto
(1/4) da dívida externa brasileira refere-se a juros sobre juros,
sem qualquer contrapartida real de bens e serviços para o País." Em
1989, houve outra comissão encarregada da auditoria prevista na
Constituição, cujo relatório ressaltou a possibilidade de reduzir o
montante da dívida externa, deduzindo-se do principal consignado
pelos bancos que emprestaram, a juros flutuantes, o excedente em
relação às taxas praticadas, quando da contratação desses
empréstimos.
DIA DOS POVOS INDÍGENAS E MASSACRE DE ELDORADO DOS
CARAJÁS
O Dia dos Povos Indígenas, comemorado em 19 de
abril, também foi lembrado no Ciclo de Debates. Maria Lúcia
Fattorelli, da Unafisco Sindical, entregou placa alusiva à data aos
representantes da nação indígena do Norte de Minas, os Xacriabás,
presentes à reunião. O Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará,
que completou seis anos em 17 de abril, também foi lembrado, desta
vez pelo professor Marcos Arruda. O Plenário fez um minuto de
silêncio para marcar a data e reivindicar a punição dos responsáveis
pelas dezenas de mortos.
VIVALDO BARBOSA COBRA AUDITORIA
O deputado federal Vivaldo Barbosa (PDT/RJ) relatou
vários momentos históricos da dívida externa no Brasil para retratar
a situação atual. "No início da República, o País estava sufocado,
então Campos Sales saiu pelo mundo dizendo: ou o Brasil deixa de
pagar a dívida, ou a República não vai sobreviver. Com isso, ele
conseguiu 65 anos para pagar a dívida e 13 anos de carência. Já o
Brasil da década de 80, mandou para seus credores praticamente US$
100 milhões para pagar prestação da dívida e juros.
De acordo com Vivaldo Barbosa, a política econômica
executada e praticada pelo governo FHC agravou a situação brasileira
e deve ser investigada, pois a atual dívida foi contraída contra o
interesse da população. "Queremos nos realizar como nação. Queremos
educação, alimento, economia desenvolvida, reforma agrária e
analisar, junto com o povo, o pagamento da dívida. Temos que fazer
uma auditoria para nos libertamos deste sufoco que paira sobre a
economia brasileira e sobre a América Latina," declarou.
Durante o debate, estudantes, professores e
representantes sindicais puderam esclarecer dúvidas a respeito do
assunto por meio de perguntas. Vários temas relacionados à questão
da dívida foram abordados, como moratória, plebiscito da dívida
externa, política do governo FHC, proposta do FMI e criação da
Alca.
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