Assembléia cobra acordo entre Cemig e atingidos por
Irapé
Os deputados que participaram, nesta terça-feira
(26/2/2002), da reunião da Comissão de Direitos Humanos conclamaram
os participantes - representantes da Companhia Energética de Minas
Gerais (Cemig) e das entidades representativas das comunidades
atingidas pelas obras de construção da Usina de Irapé - a entrarem
em entendimento para viabilizar o início da construção da
hidrelétrica. O consenso entre os parlamentares é de que a Usina de
Irapé é fundamental para o desenvolvimento do Norte de Minas e do
Vale do Jequitinhonha e suas obras devem ser iniciadas o quanto
antes, para permitir a "redenção" dos municípios ali localizados,
até hoje condenados à miséria.
Mas eles reconhecem que as obras não podem ser
iniciadas sem uma garantia de que os direitos das populações
instaladas às margens do Rio Jequitinhonha serão respeitados. São 5
mil pessoas, reunidas em 850 famílias de 47 diferentes comunidades.
A construção da Usina de Irapé, entre os municípios de Berilo e Grão
Mogol, vai representar um investimento da ordem de R$ 600 milhões.
Irapé terá uma potência de 360 megawatts, suficientes para atender a
uma população de 1 milhão de habitantes, e o seu reservatório, de
137 km2 de área, vai atingir terras dos municípios de Berilo,
Botumirim, Cristália, Grão Mogol, José Gonçalves de Minas, Leme do
Prado e Turmalina. A entrada em operação da usina está prevista para
2005.
A construção da barragem de Irapé, além de gerar
energia, vai permitir a regularização do rio Jequitinhonha no
período de secas e, ainda, possibilitar o uso do lago para programas
de turismo e lazer. Estudos iniciais elaborados pela Cemig apontam
para a criação de 5 mil 100 empregos na região, com a instalação de
empreendimentos industriais nos municípios, como um pólo moveleiro,
alimentado pelas áreas de reflorestamento.
Direitos dos atingidos - O
representante da organização não-governamental (ONG) Campo Vale, que
assessora a Associação das Populações Atingidas pela Construção da
Usina Irapé, Richarles Rios, não questionou os benefícios que a
usina traz para a região, mas a situação das comunidades atingidas.
Não foi cumprida a maioria das garantias oferecidas pela Cemig às
famílias que deverão ser deslocadas, e que estão detalhadas no Plano
de Controle Ambiental (PCA), necessário para obtenção da Licença
Prévia, concedida pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
"Das 47 condicionantes que dizem respeito ao ambiente
sócio-econômico, listadas no PCA, a maioria está pendente", criticou
Rios.
Segundo Richarles Rios, ainda não foi elaborado o
cadastro da mão-de-obra disponível na região para possíveis
contratações no período das obras; não foi apresentada a comprovação
da aquisição de áreas para implantação do empreendimento e nem o
lay-out das comunidades para onde as famílias serão levadas.
Enfim, a Cemig apresentou um projeto de assentamento em linhas bem
gerais, sem entrar em minúcias onde estariam explicitados o
compromisso da empresa com as famílias atingidas.
O representante da Associação das Populações
Atingidas, José Antônio, queixou-se também da falta de informação
para as comunidades, que estão sendo alimentadas com notícias que
chegam de terceiros, gerando muita expectativa e ansiedade junto às
famílias e insegurança sobre o futuro que está a elas reservado. O
temor de todos é de que, com as obras, eles fiquem sem condições de
manter as atividades de plantio, que hoje garantem a subsistência
das 850 famílias ali instaladas, e do garimpo manual, que é uma
atividade alternativa nos períodos de seca.
"Enquanto essas garantias não estiverem
asseguradas, defendemos que não seja concedida à empresa a Licença
de Instalação, necessária para o início das obras. Reivindicamos
também que a Cemig retire, no prazo de um mês, a ação judicial
contra a Fundação Palmares, que tem feito a defesa da comunidade
negra rural Porto Coris", afirmou José Antônio. O prefeito de Grão
Mogol, Jeferson Figueiredo, apesar de defender a urgência da
construção da usina, manifestou também a preocupação dos municípios
da região com as populações atingidas, temendo que elas fiquem sem
os seus direitos garantidos e transfiram a solução de seus problemas
para as administrações municipais, que já lutam com dificuldades
para viabilizar os recursos dos programas rotineiros.
Carta de alforria - Os
deputados que participaram da reunião, representantes do Norte de
Minas e do Vale Jequitinhonha, reconheceram a legitimidade da luta
das famílias atingidas, mas chamaram a atenção para a importância da
implantação da Usina de Irapé, como forma de garantir o acesso da
região a projetos de desenvolvimento e, assim, romper o círculo
vicioso de miséria que marca a história daqueles municípios. Eles
convidaram os representantes das famílias atingidas e da Cemig a
buscarem, com afinco, um diálogo mais próximo, que conduza a um
entendimento, permitindo o início das obras num prazo mais
rápido.
O deputado Luiz Tadeu Leite (PMDB), que conduziu os
trabalhos na primeira fase da reunião, ponderou que não é possível
fazer uma obra do porte da Usina de Irapé sem atingir direitos
privados. "Mas, nesse momento, deve prevalecer o interesse público,
garantindo aos atingidos as indenizações justas", afirmou. O
deputado Carlos Pimenta (PDT), depois de fazer um histórico da
discussão da obra, que já se estende por quase duas décadas,
defendeu "que haja, das duas partes, uma disponibilidade maior para
o diálogo, permitindo o avanço das negociações".
O deputado Gil Pereira (PPB) afirmou que a Usina de
Irapé será a redenção do Norte de Minas. "É a carta de alforria da
região, mas está faltando entrosamento entre a Cemig e as famílias
atingidas para que essa obra se realize", ponderou o deputado.
Respondendo àqueles que questionam a obra porque ela vai promover o
deslocamento de famílias inteiras da região, o deputado José Braga
(PMDB) lembrou que "as populações do Norte de Minas e do Vale
Jequitinhonha estão, histórica e compulsoriamente, condenadas a
esses deslocamentos como única alternativa para garantir o sustento
de suas famílias, já que as duas regiões são as mais pobres do País
e não oferecem oportunidades de trabalho para todos". Ele defendeu
que seja restabelecido o diálogo entre as famílias atingidas e a
empresa, fazendo prevalecer o interesse público e viabilizando um
projeto de desenvolvimento para a região.
O QUE DIZ A CEMIG
O representante da Cemig, Guilherme Gomide,
reafirmou o compromisso da empresa de não ferir os direitos das
famílias atingidas, garantindo a todas elas o atendimento necessário
para que retomem seus projetos de vida com as menores perdas
possíveis. Guilherme Gomide esclareceu à Comissão, presidida pelo
deputado Edson Resende (PT), que a Ordem de Serviço anunciada pelo
governador Itamar Franco diz respeito à construção da estrada que,
futuramente, irá dar acesso à usina e não às obras de implantação de
Irapé.
Ele adiantou ainda que as negociações poderão se
estender mesmo depois de iniciadas as obras da usina, sem o risco
dessas se darem sob pressão, considerando que o projeto estaria numa
fase já irreversível. "Essa obra só se consolidará com o desvio do
rio. Até lá, nada é irrevogável e as negociações poderão se dar sem
grandes traumas", comentou. Respondendo aos questionamentos dos
deputados e dos representantes das famílias atingidas, Guilherme
Gomide reafirmou o compromisso da Cemig de manter as reuniões com as
comunidades.
Informou ainda que já foram identificadas várias
áreas na região com intenção de venda e que poderão abrigar as
famílias deslocadas. Aquelas que optaram pela indenização terão seus
terrenos avaliados por peritos e, se o valor apurado não for de
consenso das duas partes, será reavaliado até se chegar a um valor
justo. Nos assentamentos, Guilherme Gomide garantiu que "todas as
benfeitorias serão realizadas: os plantios, os currais, as casas,
inclusive a disposição espacial da comunidade."
Com relação ao pedido de adiamento da liberação da
Licença de Instalação, o representante da empresa disse que essa
decisão é de responsabilidade da Feam e do Conselho de Política
Ambiental (Copam). Gomide esclareceu ainda que a ação na Justiça
contra a Fundação Cultural Palmares é uma forma de preservar a
Cemig, já que obra é regulada também por leis federais e
procedimentos determinados pela Aneel (Agência Nacional de Energia
Elétrica) e muitas das exigências da Comunidade Quilombo
contrariavam essas regras, expondo a empresa.
Acompanhamento - O
presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Edson Resende,
informou aos participantes que, no encontro recente que teve com o
presidente da Cemig, Djalma Morais, todos os compromissos da empresa
foram reafirmados. "O presidente garantiu que vai responder a todos
os questionamentos que estão sendo feitos em relação à obra da Usina
de Irapé e se dispôs a participar de reunião dessa Comissão, que
abriga o Fórum em Defesa das Famílias Atingidas, para esclarecer as
dúvidas e buscar o entendimento".
Durante a reunião, foi aprovado ainda requerimento
do deputado Ermano Batista (PSDB) solicitando ao presidente da
Assembléia a liberação de um advogado, entre os procuradores da
Casa, para acompanhar o processo de remoção e atendimento às pessoas
e comunidades atingidas, com vistas à garantia dos direitos dos
envolvidos, sem prejuízo do imediato início e execução das obras de
Irapé.
Presenças - Também
manifestaram o seu apoio à Usina de Irapé e à busca do entendimento
entre as partes envolvidas a deputada Elbe Brandão (PSDB) e o
deputado Dimas Rodrigues (PMDB); e o representante do Instituto da
Terra (Iter), Marcos Helênio. Participaram ainda da reunião os
deputados Márcio Kangussu (PPS) e Eduardo Hermeto (PFL).
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