Debate sobre endividamento conclui fórum na Assembléia

Críticas generalizadas à política econômica do governo federal, com a apresentação de diversos números sobre o cresci...

03/09/2001 - 10:15


 Debate sobre endividamento conclui fórum na Assembléia

 

Críticas generalizadas à política econômica do governo federal, com a apresentação de diversos números sobre o crescimento da dívida brasileira e sobre a concentração de renda no País, marcaram o terceiro e último dia do Fórum "Minas por um Outro Mundo". As eleições de 2002 foram abordadas, nesse contexto, como um momento-chave para o Brasil. "Precisamos de um projeto nacional de desenvolvimento, de uma auditoria das dívidas interna e externa, da revisão das privatizações, de uma política fiscal e tributária progressista e de uma política de reforma agrária autêntica", enfatizou o economista e coordenador de Políticas Alternativas para o Cone Sul, Marcos Arruda, que participou do evento, nesta sexta-feira (31/8/2001), no Plenário da Assembléia mineira.

Marcos Arruda abriu a conferência da manhã, que abordou o tema "As dívidas e os orçamentos públicos", juntamente com a ex-procuradora-geral do Estado e professora da UFMG, Misabel Derzi; e o professor de Economia da UFRJ, Reinaldo Gonçalves. A proposta de uma auditoria das dívidas interna e externa reforçada por Marcos Arruda está formalizada em um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional, paralisado há um ano. Segundo a presidente do Unifisco Sindical de Belo Horizonte, Maria Lúcia Fattorelli, representante do Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial, será encaminhada, em audiência no dia 13 de setembro, carta ao presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal Aécio Neves, reivindicando a análise da matéria. O Fórum "Minas por um Outro Mundo" é promovido pelo Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial, com o apoio da Assembléia de Minas e da Prefeitura de Belo Horizonte.

CAPITAL ESPECULTAIVO

Marcos Arruda apresentou, em sua exposição, diversos números para demonstrar que a transição da acumulação do capital, antes fundada em espaço local e agora em espaço internacional, e a transposição da economia real em virtual foram os principais fatores que, desde os anos 80, vêm precipitando a crise do mundo do trabalho. Números também foram apresentados para demonstrar, segundo o economista, que o Brasil é um País falido, sustentado por recursos especulativos do exterior. "A cada vez que um país emergente espirra lá fora, o Brasil tem uma pneumonia aqui dentro", enfatizou. Os investimentos estrangeiros no período do governo Fernando Henrique Cardoso, informou, passaram de 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto), em 1994, para 3,5% do PIB, em 1999. Entre 1994 e 2000, foram US$ 63,4 bilhões em lucros remetidos para o exterior e dividendos para os investidores. Outro dado informado é que, até 1999, o povo brasileiro tinha pago R$ 367 bilhões aos detentores de títulos e bônus da dívida interna - entre os maiores beneficiados, estavam bancos estrangeiros no Brasil.

Segundo Arruda, entre os anos de 1973 e 1999, o comércio internacional cresceu 13 vezes, enquanto as transações financeiras, 74 vezes. Noventa e oito por cento dos recursos que circulam nos mercados financeiros circulam especulativamente, acrescentou, sem investimento na economia real. "São oito grandes praças financeiras nas mãos de 200 agentes especuladores", disse.

ENDIVIDAMENTO BRASILEIRO

O endividamento brasileiro foi alvo de comentários tanto de Marcos Arruda, quanto do professor da UFRJ e também economista, Reinaldo Gonçalves. De acordo com Arruda, a opção dos governos brasileiros, desde os anos 80, foi de priorizar o pagamento das dívidas, sendo esse o ponto de partida para a definição de como aplicar os recursos produzidos pela nação brasileira. Para se ter uma idéia do grau de priorização, sabe-se que, em 2000, o orçamento federal dedicou 62,2% das receitas para amortização, juros e rolagem das dívidas interna e externa. As sobras é que foram aplicadas em infra-estrutura e investimentos sociais.

Marcos Arruda também fez referência a dados divulgados por Celso Furtado, mostrando que, entre 1650 e 1850, Portugal tirou, em ouro, do Brasil o equivalente a US$ 1,2 bilhão. Entre 1998 e 2000, US$ 1 bilhão foram transferidos, por semana, pelo Brasil para os bancos. No transcorrer do Plano Real, complementou o economista Marcos Arruda, US$ 254,5 bilhões foram gastos na amortização e juros da dívida externa, sendo US$ 84,5 bilhões somente em juros. "O esforço de ajuste parou nos cofres dos bancos internacionais", disse, acrescentando que o superávit de R$ 15,5 bilhões da Previdência Social, em 2000, alimentou o superávit fiscal, ao invés de pagar aposentadorias. "É a Previdência que viabiliza o pagamento das dívidas brasileiras, às custas da saúde e da segurança da população", finalizou.

Propostas - O economista e professor da UFRJ, Reinaldo Gonçalves, seguiu a mesma linha de raciocínio de Arruda, classificando o governo Fernando Henrique Cardoso como "anão" e "perdedor", ao se referir à taxa de 2,4% de crescimento anual real da renda no País. Ele repetiu os números divulgados por Arruda referentes à dívida interna - que, nos governos FHC, aumentou de R$ 60 bilhões para R$ 600 bilhões. "A dívida interna não é um problema simples, como diz o governo, mas uma trava fundamental ao desenvolvimento econômico, social, político e institucional brasileiro", enfatizou Gonçalves. O professor da UFRJ defendeu, como propostas de soluções para o endividamento brasileiro, o crescimento da economia; a rolagem da dívida em prazos maiores e não em prazos curtos, como ocorre hoje; a redução das taxas de juros reais, que, no Brasil, são as maiores do mundo; e a derrubada da idéia de superávit a qualquer custo.

EX-PROCURADORA-GERAL FAZ ANÁLISE JURÍDICA

A advogada, professora da UFMG e ex-procuradora-geral do Estado, Misabel Derzi, "amarrou" as falas dos economistas Marcos Arruda e Reinaldo Gonçalves sob a ótica jurídica, enfatizando que a própria Constituição Federal de 1988 condena qualquer projeto político-econômico recessivo e antidesenvolvimentista que acentue a concentração de renda, a miséria, a desigualdade entre grupos e regiões. "A Constituição não criou só retórica; ela definiu instrumentos tributários para implementar os direitos sociais, criando contribuições sociais para investimentos em áreas como previdência, saúde e educação", exemplificou. Misabel Derzi lembrou, ainda, que a Constituição de 1988 já previa o planejamento das contas públicas, além de reforçar o federalismo, determinando maior poder financeiro para Estados e Municípios.

Contraditoriamente, segundo ela, hoje os recursos estão concentrados nas mãos da União, bem como o poder - uma realidade que era anterior a 1988. A advogada citou, como exemplo dessa situação, a criação de fundos como o de Estabilização Fiscal, que transfere recursos dos Estados e Municípios para a União. Comentou, ainda, o conteúdo da Emenda 27/2000, que permite, acrescentou, a redução de instrumentos tributários para custear a área social, desviando 20% da arrecadação de impostos e contribuições sociais.

Responsabilidade Fiscal - Misabel Derzi fez, ainda, duras críticas à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000). De acordo com ela, muitos políticos e administradores públicos têm medo de criticar a lei, tida como de combate à sonegação fiscal e à corrupção. "Há, no entanto, uma desinformação grande com relação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Apesar de ela ter pontos positivos, sua preocupação é com a relação despesa e receita, para assegurar aos credores que temos condições de honrar nossos compromissos. A lei estabelece limites para a despesa com pessoal, a seguridade social e a concessão de garantias. Só não há limites para despesas financeiras", questionou. Em contrapartida, acrescentou, não há no Brasil uma Lei de Responsabilidade Social.

DEPUTADOS ENFATIZAM A IMPORTÂNCIA DO FÓRUM

O deputado Anderson Adauto (PMDB), que presidiu inicialmente a reunião, enfatizou a importância da presença dos jovens no Fórum "Minas por um Outro Mundo". A intenção da Assembléia mineira, acrescentou, é apoiar e respaldar movimentos que conscientizem a sociedade sobre o momento delicado que o País vive hoje. A deputada Maria José Haueisen (PT), que coordenou a reunião em um segundo momento, destacou que a indignação quanto aos problemas pelos quais o Brasil passa atualmente deve provocar, também, reação da sociedade. A coordenação dos debates coube à presidente do Unafisco Sindical, Maria Lúcia Fattorelli, representante do Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial. Compuseram, ainda, a Mesa o deputado federal Nilmário Miranda (PT/MG) e o secretário-adjunto de Recursos Humanos e Administração, Paulo Edgard Alves, representando o governador Itamar Franco.

Como ter acesso ao conteúdo dos debates - A deputada Maria José Haueisen (PT) informou, durante a palestra da manhã, que as atas do Fórum "Minas por um Outro Mundo", com a transcrição das exposições e dos debates, serão publicadas no Minas Gerais/Diário do Legislativo em 19 de setembro. O evento será, ainda, reprisado pela TV Assembléia (canal 11 do sistema a cabo, em Belo Horizonte) nas seguintes datas e horários: sábado (1º/9), às 18 horas, será reprisada a abertura do fórum; domingo (2/9), às 18 horas, serão reprisadas as atividades do segundo dia do evento (30/8); e segunda-feira, às 13 horas, é a vez da reprise das atividades do terceiro e último dia (31/8).

 

 

 

 

 

 

 

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