Comissão debate traumas decorrentes de violência
"A incidência de traumas, atualmente, pode ser considerada uma epidemia e não mais uma fatalidade". A afirmação é da ...
25/05/2001 - 10:31
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Comissão debate traumas decorrentes de violência "A incidência de traumas, atualmente, pode ser considerada uma epidemia e não mais uma fatalidade". A afirmação é da médica Betty Kopit Lembi Carvalho, diretora do Hospital João XXIII (Hospital de Pronto-Socorro de Belo Horizonte), que participou de reunião da Comissão de Saúde da Assembléia, nesta quinta-feira (24/5/2001), quando foi debatido o índice de traumas em decorrência de acidentes de trânsito e da violência urbana. Betty Koppit ressaltou que esse índice é tão alto que fez com que o conceito de trauma mudasse nos últimos anos. "O que era uma coisa episódica passou a ser problema de saúde pública", disse ela. A reunião foi realizada a requerimento do deputado Pastor George (PL) e contou ainda com a participação do capitão Felipe José Aidar Martins, do 1º Batalhão de Bombeiros Militares, e Nádia Lúcia Barbosa Santana e Sandra Carmo Maria dos Santos, vítimas de acidente de trânsito. Segundo o deputado Pastor George, os dados oficiais mostram que os acidentes de trânsito são a principal causa de morte de pessoas na faixa entre 5 e 49 anos, sendo que 92% dos acidentes acontecem por falha humana e, em 35% desses casos, o motorista fez uso de bebida alcóolica. Nos atropelamentos, 40% das vítimas e 25% dos motoristas estavam alcoolizados. Ainda de acordo com as estatísticas, cerca de 88% dos acidentes acontecem nas cidades; e, a cada 10 acidentes, duas vítimas ficam gravemente feridas, com lesões complexas e seqüelas de difícil tratamento. O deputado ressaltou a importância das vítimas de acidente serem socorridas adequada e rapidamente, sendo que, para os politraumatizados, a primeira hora seguinte ao acidente é decisiva para a sua sobrevivência e, para isso, é preciso haver hospitais e pessoal capacitados. O Hospital João XXIII atende "no limite de suas capacidades", lembrou o deputado, afirmando que todas as possibilidades de espaço, de tempo e de recursos humanos e materiais do hospital são utilizadas ao máximo. Pastor George destacou a importância da abertura definitiva do Hospital de Pronto-Socorro de Venda Nova, o que foi anunciado pelo governo do Estado para acontecer no próximo mês de setembro. ACIDENTES DE TRÂNSITO MATAM MAIS QUE GUERRA DO VIETNÃ Betty Kopit defendeu a ampliação e massificação das campanhas de prevenção de todo tipo de acidentes e apresentou alguns dados que exemplificam sua afirmação de que "o trauma hoje é uma epidemia". Lembrando a Guerra do Vietnã, a diretora do Hospital João XXIII afirmou que, durante os sete anos da guerra, morreram cerca de 57 mil soldados americanos e outros 153 mil ficaram feridos. No Brasil, entre 1998 e 2000, cerca de 182 mil pessoas ficaram feridas e outras 20 mil morreram em decorrência de acidentes de trânsito, apenas nas rodovias federais. Ela falou também sobre as estatísticas de atendimento no João XXIII, em 2000: foram atendidas 9,90% de vítimas de atropelamentos; 6,29% de agressões (armas branca, de fogo e outras); 38,25%, vítimas de outros acidentes (com cortes, sem cortes, quedas); 4,49%, vítimas de intoxicações; 1,84%, vítimas de queimaduras; o atendimento clínico foi responsável por 24,03% dos casos e 15,20% foram outros atendimentos diversos. Betty Kopit ressaltou que, nos finais de semana, 50% dos traumas estão relacionados ao consumo de bebida alcóolica. ATENDIMENTO NÃO PODE SER USADO POLITICAMENTE Representando o 1º Batalhão de Bombeiros Militares, o capitão Felipe José Aidar Martins afirmou que, muitas vezes, as rotinas de atendimentos de urgência e emergência ficam comprometidas devido a conflitos administrativos e políticos. Ele destacou quatro pontos fundamentais para o investimento público: prevenção, atendimento pré-hospitalar, atendimento hospitalar e reabilitação. "Nenhum desses pontos pode ser negligenciado, pois implicará o aumento do custo de outro, e quem paga a conta é o contribuinte", afirmou o militar, ressaltando ainda que as medidas políticas de investimento no setor devem ser tomadas visando ao "melhor, mais rápido e igualitário atendimento possível das vítimas". Com uma população de 2,5 milhões de habitantes, Belo Horizonte dispõe de apenas sete unidades de atendimento pré-hospitalar - o chamado "resgate" - , quando deveria haver entre 25 e 50 unidades de resgate. Isso faz com que exista apenas uma ambulância para atender cada 320 mil habitantes, sendo que as sete unidades de Belo Horizonte atendem também a Região Metropolitana da capital. Nos países escandinavos, a média é de uma ambulância de resgate para cada 10 mil habitantes; nos Estados Unidos, uma para cada 50 mil habitantes e, no Brasil, o ideal seria, dentro das condições do País, que houvesse, pelo menos, uma unidade para cada 100 mil habitantes, o que não acontece. Em Belo Horizonte, a média é de 30 mil atendimentos de resgate por ano. O capitão Felipe José afirmou que, em 1999, o Ministério da Saúde liberou verba para Minas Gerais para que fossem compradas 19 outras unidades de resgate, sendo 13 para Belo Horizonte e seis para Contagem, mas que as unidades não foram recebidas pelo Corpo de Bombeiros, "não se sabe por quê". "Além da precariedade de condições, enfrentamos ainda a dificuldade de acesso à vítima, o que compromete a sua sobrevivência". Em todo o mundo, 92,8% dos atendimentos pré-hospitalares das vítimas de acidentes são feitos pelo Corpo de Bombeiros, que "está preparado e sabe o que fazer", disse o capitão. VÍTIMAS SÃO PREJUDICADAS As duas vítimas de acidentes de trânsito presentes à reunião relataram os dramas que estão vivendo. Nádia Lúcia Barbosa Santana estava num ônibus da Viação Carneirinho quando o motorista bateu num outro veículo, parado, num acidente que aconteceu em Belo Horizonte, em 16 de outubro do ano passado, no bairro São Cristóvão, próximo ao conjunto do IAPI. O acidente foi em torno de 15 horas, e ela só foi socorrida às 20 horas, no Hospital Municipal Odilon Behrens que, naquele dia, estava sobrecarregado atendendo às vítimas de um outro acidente grave. Nádia ficou com a face completamente desfigurada em virtude de fratura da mandíbula e do nariz, teve uma lesão na coluna e, atualmente, ainda sofre diversas seqüelas físicas do acidente: fala com dificuldade, não movimenta o pescoço, tem desmaios e dores de cabeça com freqüência e está desempregada. As seqüelas morais e emocionais do acidente, segundo ela, são incalculáveis. "Pensei em tirar minha própria vida por duas vezes, tamanho o meu desespero", disse ela, emocionada, durante a reunião. Nádia Lúcia afirmou ainda que, no dia seguinte ao do acidente, o motorista responsável, que nada sofreu, estava trabalhando normalmente. Ela não recebeu nenhum apoio ou indenização da empresa de ônibus e disse que todas as vezes em que procurou a empresa em busca de ajuda foi humilhada moralmente. "A fé em Deus e o apoio da igreja me ajudaram a recuperar a vontade de viver", disse ela. Sandra do Carmo Maria dos Santos foi vítima de acidente em 1996, quando, ao subir num ônibus da Viação Cruzeiro, no centro de Belo Horizonte, a porta do veículo foi fechada antes que ela entrasse e seu braço direito ficou preso. O ônibus saiu em movimento e ela foi arrastada por quase um quarteirão, com o braço preso e o corpo do lado de fora, mesmo com um passageiro gritando para que o motorista parasse o veículo, o que, segundo ela, só aconteceu porque o sinal de trânsito fechou. Sandra disse que os gritos do passageiro, que posteriormente testemunhou a seu favor num processo criminal, mantiveram-na acordada e, quando o ônibus parou, ela acusou o motorista de tentar matá-la. "Em vez de conduzir o ônibus para um hospital, para que eu fosse socorrida, o motorista continuou o trajeto normal e me levou para uma delegacia, pois disse que eu estava acusando-o de um crime que ele não cometera". A empresa foi condenada criminalmente, mas o processo ainda está correndo. Sandra do Carmo fez uma denúncia: os peritos que trabalham elaborando laudos para o Poder Judiciário não estão devidamente capacitados. Ela é terapeuta ocupacional, com doutorado em prova muscular e, segundo ela, o laudo de seu processo está errado do ponto de vista técnico e médico. "Os peritos não são fiéis aos fatos e ao estado dos pacientes", disse ela, que ficou com sua vida profissional totalmente comprometida depois do acidente. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Betty Kopit falou ainda sobre a crescente violência contra a mulher, afirmando que a legislação específica sobre o assunto ainda é muito tímida, com resquícios de um modelo patriarcal de sociedade e que as condições para a mulher buscar apoio legal ainda são pouco favoráveis. A diretora do João XXIII criticou a aplicação de penas alternativas para os responsáveis por agressões físicas. "As mulheres têm medo de denunciar; quando o fazem, muitas vezes o culpado é punido com, por exemplo, distribuição de cestas básicas, o que minimiza a gravidade do crime e incentiva que a agressão aconteça novamente", disse ela. Na maioria dos processos de espancamentos, os agressores são absolvidos. Segundo os especialistas, os casos de violência contra mulher que são denunciados no Brasil correspondem a apenas 15% da realidade. "A mulher ainda tem grande dependência econômica e emocional do homem e foi educada para obedecer à figura masculina, seja o pai, o marido, o irmão ou até mesmo o patrão", disse. A violência contra a mulher faz 80% de vítimas entre a camada mais baixa da população e 20% estão entre as classes média e alta. A diretora do HPS apresentou ainda diversos outros dados relevantes: uma a cada cinco ausências das mulheres no trabalho é decorrente da violência doméstica; nos Estados Unidos, cerca de US$ 10 bilhões são gastos anualmente com atendimento médico e para resolver problemas de queda de produtividade em decorrência de violências contra a mulher; no Chile, cerca de 2% do PIB são gastos para socorrer mulheres vítimas de violência. Segundo ela, calcula-se que no Brasil o índice seja o mesmo do Chile. Betty Kopit fez sérias críticas às manifestações culturais - músicas e danças - que estimulam ou minimizam os atos de violência contra a mulher, como no caso da música "Um tapinha não dói", e também ao ditado popular "em briga de marido e mulher não se mete a colher". Ela disse que, muitas vezes, família, amigos e vizinhos sabem que a mulher está sendo agredida e não tomam nenhuma atitude. "Muitas vezes, a briga acaba em morte", lembrou a médica, defendendo que as pessoas se envolvam e estimulem a mulher a denunciar o agressor. IMPORTÂNCIA DA DE NORMATIZAÇÃO A diretora do Hospital João XXIII, Betty Kopit, defendeu a importância da normatização dos procedimentos de atendimento de urgência e emergência, citando o Fórum de Urgência da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que já atua nesse sentido. "É preciso que a normatização saia do papel, para que cada vez mais haja mais profissionais capacitados e os procedimentos sejam racionalizados". Ela sugeriu que a Comissão de Saúde faça um debate sobre o assunto. O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) sugeriu que a Comissão acompanhe o desenrolar dos casos das duas vítimas que compareceram à reunião, para que os deputados conheçam de perto os problemas que as vítimas de acidentes de trânsito enfrentam na Justiça. "Infelizmente, muitas vezes o Poder Judiciário no Brasil ainda favorece as elites, envolvendo-se numa rede de equívocos", afirmou o deputado, referindo-se ao caso da terapeuta Sandra do Carmo. REQUERIMENTO APROVADO Durante a reunião, foi aprovado requerimento do deputado Edson Rezende (PSB), solicitando audiência pública para tratar de problemas encontrados pelos doentes renais para seu tratamento médico. A data da reunião será definida posteriormente. PRESENÇAS Participaram da reunião os deputados Marco Régis (PPS), presidente da Comissão; Adelmo carneiro Leão (PT), Carlos Pimenta (PSDB) e Pastor George (PL), além dos convidados citados.
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