Laboratórios estão enganando os consumidores

O Brasil tem dado respostas técnicas competentes em relação à produção e comercialização de "medicamentos problemas",...

23/05/2001 - 18:35

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Laboratórios estão enganando os consumidores

O Brasil tem dado respostas técnicas competentes em relação à produção e comercialização de "medicamentos problemas", mas são respostas que não têm um impacto efetivo neste enfrentamento, que é muito mais de ordem política e econômica. Essa é a opinião do diretor do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais e secretário-geral do Senafar, Rilke Novato Públio, que participou nessa quarta-feira (23/5/2001) da reunião conjunta das Comissões de Saúde e de Defesa do Consumidor para discutir o uso de medicamentos que causam riscos à saúde e lesam os direitos do consumidor.

Para dar uma idéia da dimensão econômica do setor farmacêutico no Brasil, Rilke Públio apresentou os dados de faturamento das 40 empresas que dominam mais de 80% do mercado nacional, referentes à década de 90. No primeiro ano, o setor registrou um faturamento de R$ 3, 4 bilhões, correspondendo a 1,5 milhão de unidades vendidas, a um preço médio de US$ 2,3. Oito anos depois, em 1998, essa indústria já faturava US$ 10,3 bilhões, com a venda de 1,6 milhão de unidades a um preço médio de US$ 6,4.

"Esses números mostram de forma bastante clara os interesses comerciais que permeiam essa atividade" - afirmou o diretor do Conselho Regional de Farmácia, citando ainda uma lista de medicamentos mais vendidos no Brasil, onde se destacam, nos três primeiros lugares, medicamentos polêmicos, de uso restrito na maioria dos países: Cataflan, Novalgina e Voltaren. A própria publicação do Ministério da Saúde, com a Relação dos Medicamentos Essenciais, já excluiu, na sua última edição, os medicamentos a base de dicofenaco, como o Voltaren. "Mas essa iniciativa não é suficiente para conter a comercialização do produto no mercado brasileiro, que faz uso indiscriminado desse medicamento" - ponderou.

Rilke Públio listou ainda alguns dos 77 medicamentos que tiveram sua produção e comercialização limitada ou proibida no Brasil, há menos de dois meses, detalhando o histórico desses produtos no mercado mundial e seus principais efeitos. Entre eles, o diretor do CRF/MG citou os remédios à base de dixfenfluramina, utilizados como inibidor de apetite e que foi liberado no Brasil para comercialização em 1986, antes mesmo de ser autorizado no mercado americano. Durante dez anos, esse medicamento foi vendido no Brasil sem restrição e, só recentemente, foi colocado nos Estados Unidos para, em menos de um ano, ser recolhido e proibido pelos efeitos colaterais que provoca. Em 1997, depois de consumada essa decisão, o medicamento foi proibido no Brasil. "Esse é um exemplo claro de como os países menos desenvolvidos são usados como cobaia pelos laboratórios estrangeiros" - denunciou.

Consumidores estão sendo enganados

O professor de Farmacologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Márcio Coelho, questionou os critérios utilizados pelo Ministério da Saúde para liberar o registro de medicamentos no Brasil e a atuação dos profissionais envolvidos com a Saúde que, mesmo cientes dos riscos e da ineficácia de alguns medicamentos, continuam manipulando essas substâncias ou receitando-as a seus pacientes. "A responsabilidade é de todos nós" - frisou o professor.

Os chamados "remédios problemas" estão distribuídos em cinco principais grupos e, em todos eles, o consumidor está sendo enganado, quando se vê induzido ou quando decide, por sua própria conta, tomar tal medicamento. Conforme classificação apresentada pelo professor Márcio Coelho, o primeiro grupo reúne os produtos perigosos, que são aqueles que já foram retirados do mercado nos países desenvolvidos, ou têm aplicação restrita, mas continuam a ser vendidos indiscriminadamente no Brasil. Esse é o caso dos remédios à base de zipeprol, um antitussígeno que provocou mais óbitos por overdose no Brasil, nos últimos anos, do que qualquer outra droga. Esse medicamento já está proibido em vários países e provoca parada cardiorrespiratória.

No segundo grupo, estão os produtos ineficazes, que não trazem risco, mas não servem para aquilo a que se propõem. As diversas vitaminas que estão sendo vendidas no mercado são um exemplo, pois prometem rejuvenescimento, controle da gripe e outros milagres nunca comprovados cientificamente. "A planta porangaba, que está sendo utilizada em tratamentos de combate à obesidade, também está neste grupo" - afirmou o professor. O terceiro grupo reúne os medicamentos com combinações irracionais, como os antigripais, que trazem na sua fórmula produtos expectorantes, para facilitar a liberação do muco produzido nos processos gripais, mas, ao mesmo tempo, incluem anti-histamínicos, que inibem a expectoração.

No quarto grupo, estão os novos produtos, lançados no mercado como inovações da indústria farmacêutica, mas que, se comparados com outros medicamentos tradicionais, não trazem nenhuma novidade, a não ser o preço, duas ou três vezes maior, conforme denunciou o professor da UFMG. Márcio Coelho citou no último grupo os produtos impróprios ou desnecessários, que são comercializados no mercado brasileiro, como os tônicos, anti-stress e coquetéis de emagrecimento.

Segundo Márcio Coelho, a lista dos medicamentos essenciais da Organização Mundial de Saúde inclui apenas 300 nomes. Nos Estados Unidos, são registrados perto de 4 mil produtos. "No Brasil - observou o professor - não temos sequer esse controle. Alguns dizem que são 20 mil, outros, 40 mil. De qualquer forma, é um número muito grande e um exemplo são os medicamentos à base de dicofenaplo. Enquanto no Brasil são registrados mais de 50 produtos, nos Estados Unidos existem apenas dois registros" - citou o professor, cobrando maior controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e responsabilidade dos profissionais da área de Saúde.

Falta fiscalização, não leis

O representante do Procon Municipal de Belo Horizonte, Alneir Maia, garantiu que o Código de Defesa do Consumidor é suficiente para embasar qualquer ação contra os medicamentos problemas, pois é clara a inobservância da lei quando laboratórios e drogarias comercializam remédios inócuos ou que causam dano ao consumidor. O advogado sugeriu que órgãos como o Ministério Público e a própria Assembléia Legislativa, ou mesmo o consumidor, levantem essas denúncias e as encaminhe para o Procon, que teria os instrumentos adequados para acionar a Justiça e suspender a venda desses produtos no mercado brasileiro.

O procurador da República do Ministério Público Federal, Fernando de Almeida Martins, informou aos deputados que, no início do último mês de abril, foi instalado um procedimento administrativo no âmbito do Ministério Público Federal, respondendo às denúncias encaminhadas pelo Conselho Regional de Farmácia e outras entidades profissionais, para suspender a comercialização de uma lista de medicamentos. "A partir daí, encaminhamos uma série de questionamentos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária e, agora, aguardamos o retorno dessa correspondência para darmos continuidade às nossas ações" - explicou Fernando Martins.

Ainda durante a reunião, a empresária Gláucia Bráulio de Melo Matos relatou a sua trajetória na Justiça, desde que resolveu questionar judicialmente o laboratório fabricante do Voltaren. Há cinco anos, a empresária recebeu uma injeção desse medicamento, que provocou uma necrose muscular no seu braço esquerdo, exigindo um tratamento de mais de um ano, no valor de R$ 110 mil. A Justiça, apesar de ter dado ganho à empresária, fixando a indenização em R$ 30 mil, condenou-a em outra ação, por difamação, impetrada pelo laboratório, que resultou na sua prisão domiciliar. "As ações foram decididas só recentemente, depois que minha vida toda se desmontou. Perdi a minha empresa, o apartamento, carro e tudo mais e, agora, terei meus bens restantes leiloados para pagar as multas deste último processo. Essa é a nossa Justiça" - concluiu ela, descrente de novos recursos.

Deputados querem acompanhar o caso

O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) manifestou o seu apoio à empresária e sugeriu às Comissões de Saúde e de Defesa do Consumidor que acompanhem esse caso na Justiça, de forma a reverter as decisões já tomadas e fazer prevalecer os direitos de cidadã da empresária. A deputada Maria José Haueisen (PT), presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, e o deputado Marco Régis (PPS), presidente da Comissão da Saúde, também manifestaram apoio à empresária e se comprometeram a acompanhar esse processo na Justiça, questionando a decisão já anunciada.

O deputado João Paulo (PSD) criticou a relação de subserviência do Brasil com as indústrias do setor farmacêutico, transformando o mercado nacional em cobaia dos laboratórios estrangeiros, para o teste de novos medicamentos. "A talidomida é só mais um exemplo dessa prática" - denunciou o deputado. João Paulo defendeu também que o Brasil não precisa de mais leis para enfrentar essa situação. O Código de Defesa do Consumidor é um instrumento eficaz nesse enfrentamento e, para ele, cabe ao Ministério Público Federal e Estadual, às secretarias de Saúde e todos os órgãos envolvidos nesse processo, da produção à comercialização dos medicamentos, a denúncia dessas irregularidades, para que os responsáveis sejam penalizados.

Presenças - Participaram da reunião, a deputada Maria José Haueisen (PT), que a presidiu, e os deputados João Paulo (PSD), Marco Régis (PPS) e Adelmo Carneiro Leão (PT).

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