Especialistas apontam violência da sociedade contra menores
As crianças e adolescentes são mais vítimas que autores de violência. A constatação é do secretário adjunto de Direit...
28/11/2000 - 15:36
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Especialistas apontam violência da sociedade contra menores As crianças e adolescentes são mais vítimas que autores de violência. A constatação é do secretário adjunto de Direitos Humanos da Secretaria de Estado da Justiça e de Direitos Humanos, José Francisco da Silva, que foi o primeiro expositor do painel sobre o tema "A criança e o adolescente: violência e segurança", no segundo dia do Seminário Legislativo "Dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: avanços, desafios e perspectivas", nesta terça-feira (28/11/2000). Na opinião de José Francisco, é preciso mudar a visão dominante na sociedade, refletida pela mídia, que aponta a criança e o adolescente como autores de violência e de atos infracionais. "Historicamente, a criança e o adolescente são vítimas do Poder Público, da família e da sociedade", assinalou. O secretário adjunto citou estatísticas da Academia de Polícia Civil (Acadepol) que revelam que 90% dos crimes são cometidos por adultos, bem como um crescimento de 28% dos casos de violência contra menores entre 1997 e 1998. Segundo ele, 50% dos casos de violência sexual acontecem no ambiente domiciliar, sendo que 57% têm como vítimas meninas entre 0 e 12 anos de idade. Os dados da Acadepol mostram, também, que em Minas Gerais houve, no ano passado, um aumento do número de homicídios, estupros e lesões corporais contra crianças e adolescentes. "A violência no âmbito familiar é um desafio a ser vencido, assim como o uso de menores no tráfico de drogas", ressaltou. José Francisco da Silva disse, ainda, que apesar das campanhas e iniciativas desenvolvidas por entidades governamentais e não-governamentais em defesa da criança e do adolescente, ainda há muito que fazer. Em Minas Gerais, apenas 4% dos municípios possuem Conselhos Tutelares, Fundos Municipais da Criança e do Adolescente e Conselhos da Criança e do Adolescente em funcionamento, como determina a legislação. "Há um longo caminho a percorrer", finalizou, rechaçando o discurso dominante de que é inviável a aplicação plena das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente. POSITIVAÇÃO DO DIREITO A professora de Direito Penal da UFMG e mestre em Ciências Penais Beatriz Vargas Gonçalves Rezende foi a segunda expositora do painel sobre violência e segurança. Segundo ela, o Estatuto "é uma lei boa", que, juntamente com a Constituição Federal de 1988, permitiu a consolidação de "um esquema de direitos e garantias que funciona como uma positivação de direitos humanos" que pode ser comemorada pela sociedade. Mas, na opinião de Beatriz Vargas, embora a positivação do direito seja uma fase necessária, isso não é suficiente. "É preciso concentrar esforços para não deixar que haja um retrocesso nas conquistas obtidas, uma vez que há uma grande distância entre a realidade social e o projeto que o Estatuto positivou", analisou. Para a professora, a realidade mostra que a criança e os jovens são as maiores vítimas de uma violência estrutural que existe na sociedade e que precisa ser revertida. Ela terminou sua exposição falando sobre o tratamento diferenciado que é dado aos atos infracionais cometidos por jovens, conforme a classe social a que pertencem. "Enquanto um jovem de classe média que usa droga é designado como usuário ou consumidor, o da classe pobre é taxado de traficante. Um balanço na jurisprudência revela claramente que a imensa maioria dos casos envolvem jovens pobres; a classe média busca resolver o problema em outras instâncias, como a família", concluiu. DESCONSTRUÇÃO DE MITOS Para o terceiro expositor do painel sobre violência e segurança, Mário Volpi, consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), é preciso desconstruir três mitos que impedem a sociedade de entender a prática de atos infracionais por menores de idade: o hiperdimensionamento do problema; a periculosidade do jovem; e a irresponsabilidade do jovem. Segundo ele, o tratamento dado pela mídia à questão da violência faz com que seja imputada aos adolescentes uma parcela de responsabilidade pelo problema muito maior que aquela que de fato lhes cabe; e inúmeros estudos mostram que a periculosidade dos menores infratores é superdimensionada, sendo a imensa maioria das infrações atos cometidos contra o patrimônio. Volpi também refuta o mito da irresponsabilidade lembrando que no Brasil grande parte dos jovens estudam à noite e trabalham durante o dia, ajudando no sustento da família, e, desta forma, não podem ser considerados irresponsáveis. De acordo com o consultor do Unicef, há um impasse analítico, na compreensão do problema da violência praticada por crianças e adolescentes; e um impasse metodológico, na definição de como abordar o problema. Do ponto de vista analítico, ele separa a questão em duas visões distintas. A primeira, com foco no social, vê o delito como fruto da pobreza, da miséria, da exclusão. A segunda, focalizada no indivíduo, tende a ver a prática de delitos como uma questão de índole, de tendência individual. Essas visões, por sua vez, embasariam dois modelos, também distintos, de atendimento básico: um, de prática assistencialista; e outro, repressivo e convencional, que poderia ser representado por instituições como a Febem. "Essas duas visões geram uma perspectiva de seqüestro social. As pessoas acham que a sociedade funciona bem e que o problema está no menor infrator, justificando, assim, a necessidade de retirá-lo do convívio social, de confiná-lo", explicou. Mário Volpi defende uma ruptura com essas duas visões históricas, com a sociedade passando a tratar o adolescente como sujeito de direitos, como pessoa que toma decisões e conduz a própria vida mas, ao mesmo tempo, é impulsionado por condições de vida pelas quais a sociedade é responsável. "A adolescência é uma fase importantíssima para se promover mudanças nas pessoas. A sociedade não pode fugir de suas responsabilidades, e deve agir sob a ótica do educador. É necessário administrar os conflitos de forma não violenta", finalizou. PRIORIDADE ABSOLUTA PARA MENORES A Constituição da República manda que a família, a sociedade e o Estado assegurem, "com absoluta prioridade", os direitos da criança e do adolescente à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Os termos do artigo 227 da Carta de 1988 foram lembrados pelo quarto e último expositor do painel sobre violência e segurança, Geraldo Claret Arantes, juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Capital, que criticou o descumprimento das leis e, em especial, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Geraldo Claret, que iniciou sua palestra lendo os nomes de 40 adolescentes mortos este ano em Belo Horizonte, argumentou que no Brasil há uma tradição de se aplicarem apenas as leis de comando negativo, que tratam de proibições e vedações, ignorando-se as leis de comando positivo, que asseguram direitos e que demandam políticas de inclusão social. O juiz discordou daqueles que dizem que o Estatuto precisa ser revisto por ser inaplicável num País com as características do Brasil. "Por que a sociedade brasileira pode ser de Primeiro Mundo no que se refere às telecomunicações, à informática, à indústria automobilística, mas não pode ser considerada de Primeiro Mundo quando se trata de direitos da criança e do adolescente?", indagou. Segundo Claret, a sociedade precisa ficar atenta às falsas idéias subliminares que tentam impor, como as de que o Estatuto fala mais de direitos do que de deveres, ou de que a pobreza não propicia a marginalidade. "Isso é uma forma de formar falsos conceitos que justifiquem a omissão do Estado", sentenciou. Para ele, o Brasil "é uma das sociedades mais perversas da Terra no século XX", e descumpre, impunemente, diversas normas da ONU e diretrizes e tratados internacionais. Ao exemplificar a falta de prioridade para a questão do menor infrator, Geraldo Claret lembrou que enquanto o Juizado da Infância e da Juventude de Belo Horizonte luta há tempos para conseguir recursos para construção de um centro para abrigar menores, em Brasília está sendo construída uma árvore de Natal orçada em R$ 1 milhão. O juiz terminou sua exposição conclamando os mineiros a não permitirem a redução da idade penal de 18 para 16 anos, como está sendo discutido no Congresso Nacional; e condenando a forma desigual como os menores pobres e ricos são tratados nas questões relacionadas à violência e ao tráfico de drogas. O painel sobre violência e segurança, na manhã do segundo dia do Seminário Legislativo, foi coordenado pelo deputado Adelmo Carneiro Leão (PT).
Responsável pela informação - Jorge Pôssa - ACS - 31-32907715 |
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