Debate enfoca ética e trabalho comunitário
"A ética está ligada aos conceitos fundamentais que seriam o bem, a lei e a felicidade, no entanto a eticidade humana...
04/04/2000 - 23:48Debate enfoca ética e trabalho comunitário
"A ética está ligada aos conceitos fundamentais que seriam o bem, a lei e a felicidade, no entanto a eticidade humana não existe sem liberdade." A explanação é do filósofo José de Anchieta Correia, que participou, nesta terça-feira (28/03/2000), na Assembléia Legislativa, do Ciclo de Debates sobre "Sistema de Execução das Penas". Durante sua exposição, o filósofo apresentou numa breve aula de filosofia sobre o processo ético da sociedade e ressaltou as origens históricas da ética social e da moral. Para ele, a execução das penas está diretamente relacionada ao processo de humanização, consistindo esse processo em tornar um sujeito infrator perante a lei em um sujeito ético ou, em suas palavras, "afável aos hábitos sociais".ORIGEM DA ÉTICA SOCIAL
O filósofo ressaltou que "a ética (éthos) vem do grego, sendo seu conceito surgido em 400 a.C. trabalhado por Aristóteles. "Sua origem consiste no cuidado de si e do social", disse. José de Anchieta lembrou os significados da ética aristotélica: "o primeiro seria o da raiz, da morada, depois a ética ligada ao comportamento, ao caráter e ao costume, e o terceiro corresponderia à felicidade". Ele chamou a atenção para a moral, que estaria presente nos tratados, nos documentos jurídicos, e que coloca os deveres dos cidadãos, mas não exerce a ética e cidadania das pessoas.
Segundo José de Anchieta, não existe vida humana sem a negação. "A estruturação da vida humana se dá pela composição do real, do simbólico e do imaginário, mas também através do não da linguagem, do não da cultura gerando a transformação, do não à morte, que edifica a sociedade, e do não do desejo, submetendo o ser humano às regras e ao compromisso do papel social", discursou. Ele ressaltou, em sua conclusão, que "se a prisão é o lugar onde o preso se submete ao silêncio, servindo para calar àqueles que cumprem pena, não existe processo de humanização e muito menos de integração à sociedade".
ATUAÇÃO DA APAC
O juiz Paulo Antônio de Carvalho, que atua no Centro de Reintegração de Itaúna, defendeu a atuação das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac). Segundo ele, a instituição usa um método que auxilia os prisioneiros na reintegração social. Ao falar sobre a história da penitenciária do município, ele ressaltou seu contato com a Apac. "Antes da inauguração do Centro, houve uma rebelião, quando cerca de 70 detentos fugiram. O acontecimento deu origem ao Movimento SOS Cidadania, articulado pela comunidade da região, com apoio da prefeitura. A sociedade se mobilizou e, a partir daí, a Apac começou a atuar coordenando o Centro de Reintegração", contou.
De acordo com Paulo Antônio de Carvalho, o Centro de Itaúna vem atraindo representantes do sistema carcerário em busca de um novo modelo que controle o índice de criminalidade nas penitenciárias e, o mais importante, que auxilie os detentos na reintegração com a sociedade. O juiz informou que o método aplicado é simples e factível, seguindo as normas da ONU, que dispõem que o preso não deve ser retirado de sua comarca e de seu meio social. Ele criticou o atual sistema penitenciário brasileiro que, com algumas exceções, degenera o preso. "A forma de devolver a dignidade a esses detentos é trabalhar na adaptação de cadeias e penitenciárias, com o apoio da comunidade", salientou.
Segundo o juiz, a Apac prega a dignidade humana através da religião, tendo como objetivo "matar o criminoso e salvar o cidadão". Em dados apresentados, ele informou sobre o índice de reincidência na cidade: "menos de 15% retornam à criminalidade".
DISCRIMINAÇÃO DA SOCIEDADE
O presidente do Conselho da Comunidade, Odilon Pereira de Souza, lembrou o problema da discriminação social, e disse que o preso não é uma pessoa diferente das demais. Segundo ele, deve existir uma discussão entre representantes da comunidade e integrantes de penitenciárias, para mudar a visão da sociedade com relação aos que cumprem pena. "Todos têm direitos, eles não votam, são excluídos como cidadãos que recolhemos na lixeira", falou. Odilon Pereira defendeu como política alternativa para o cumprimento da pena a participação integrada da sociedade para que o sistema carcerário ofereça condições dignas.
A exposição do tema "As experiências de Participação da Comunidade na Execução das Penas" também contou com a participação do Conselho Regional de Psicologia (CRP). O representante do Conselho, Sebastião Maurício Raydan, salientou o papel dos profissionais de psicologia na Penitenciária José Maria Alkmim. De acordo com Raydan, os psicólogos ouvem os relatos dos presos e os auxiliam em sua reintegração. O representante do CRP ressaltou o trabalho que vem sendo feito na penitenciária, que tenta alcançar o status de penitenciária modelo. "Os trabalhos realizados pelos presos são quase que uma atividade terapêutica, eles trabalham em diversas atividades", assegurou. Ele defendeu, ainda, que a integração do preso se dá através do contato com a sociedade e com o trabalho.
A professora de Filosofia do Direito da UFMG, Miracy Barbosa Gustin, abordou de um lado a penalização dos marginalizados pela sociedade tratados através de medidas gerais, com apoio do Conselho Estadual de Direitos Humanos e Apacs e, de outro lado, as medidas socio-educativas que são tratadas como penas. Para a professora da UFMG, a pedagogia serve para valorizar o preso e torná-lo um cidadão digno. Ela citou como exemplo o presídio de Humaitá, em São José dos Campos (SP), que iniciou trabalho com a Apac. "Os condenados realizam todo trabalho dentro do presídio e, em 23 anos, nunca houve uma rebelião; lá todos trabalham e estudam e cerca de 97% alimentam projetos futuros", ressaltou. Ao contrário dos presos da maioria das penitenciárias, os de Humaitá têm certeza da inserção na vida social.
Miracy Gustin é sub-coordenadora do Projeto Pólos, reprodutor de cidadania que atua em diversas frentes, sendo uma delas a de população de rua e de vilas e favelas. "Essa frente atua buscando a inserção desses excluídos no convívio social e faz com que eles tenham consciência da cidadania e se sintam como pessoas dignas", concluiu.
DEBATE - Durante os debates, a professora Miracy Barbosa, respondendo a perguntas, considerou a solidariedade componente fundamental na ressocialização do sentenciado, considerando que isolá-lo significa marginalizá-lo e distanciá-lo das noções de sociedade e de respeito ao próximo. Além disso, discordou da proposta de algumas correntes que defendem a redução da maioridade penal; considerando que "se nosso sistema penitenciário é uma escola para o crime, por que ingressar nossos jovens cada vez mais cedo, nesse meio?".
Indagado sobre a ineficiência da pena privativa de liberdade, o juiz Paulo Antônio de Carvalho alegou que, sempre que possível, os juizes afastam a pena de prisão baseando-se em uma realidade onde a norma penal é direcionada contra os marginalizados. "A norma penal é injusta na origem e na aplicação", considerou. Respondendo a outra pergunta, o juiz frisou a urgência na criação de novas varas de execução penal e usou como exemplo Belo Horizonte, que tem apenas uma insuficiente e sobrecarregada vara de execução.
O advogado Odilon Pereira de Souza, respondendo ao participante que perguntou sobre quem e o que contribui para o atual caos no sistema judiciário, disse que "a culpa é coletiva e de responsabilidade global", porém frisou que não vale a pena discutir quem são os culpados e sim iniciar o processo de transformação e melhora do sistema atual.
Abordando a importância da família na execução penal, o advogado Guilherme José defendeu a exigência da família junto ao preso, considerando que, mais que um apoio, ela corresponde à ligação do sentenciado com o mundo, é o referencial que ele tem de valores que irão ajudar na sua recuperação.
Finalizando o Ciclo de Debates, o representante do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Guilherme José, fez um balanço positivo das reuniões e agradeceu à Assembléia o apoio e efetivo empenho na realização do evento. O debate foi coordenado pelo deputado Antônio Andrade (PMDB).
Responsável pela informação: Janaina - ACS - 31-2907715