Debatedores apontam dificuldades para cumprimento da lei
Minas Gerais tem 12.028 presos sob a guarda da Polícia Civil, sendo que 6.685 deles (56%) já foram condenados e dever...
28/03/2000 - 23:48Debatedores apontam dificuldades para cumprimento da lei
Minas Gerais tem 12.028 presos sob a guarda da Polícia Civil, sendo que 6.685 deles (56%) já foram condenados e deveriam estar cumprindo penas sob responsabilidade da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, como determina a Lei de Execuções Penais. O número de presos sob guarda da Secretaria de Justiça, em penitenciárias, presídios, cadeias públicas, casas de detenção, colônias agrícolas e casas de albergados é de 4.024. Os dados são do superintendente geral de Polícia da Secretaria de Estado da Segurança Pública, Nilton Ribeiro Carvalho, que participou, na tarde desta segunda-feira (27/3/00), na Assembléia Legislativa, do Ciclo de Debates "Sistema de Execução das Penas", discutindo o tema "Diagnóstico do Sistema Carcerário".Nilton Ribeiro citou estudos da Pastoral Carcerária que revelam que, em 1998, o Brasil tinha uma população carcerária de 170 mil presos, abrigados em 512 prisões e milhares de delegacias. Segundo ele, a proporção de 108 presos para cada 100 mil habitantes é inferior à de outros países da América Latina e também dos Estados Unidos, país que, ao lado da China e da Rússia, conta com mais de um milhão de encarcerados. O déficit de vagas nos presídios brasileiros passou de 50 mil, em 1990, para 96 mil, em 1997. Dados de 1994, do Ministério da Justiça, estimavam em 275 mil o número de mandados de prisão pendentes de cumprimento no País.
O superintendente disse que a legislação brasileira dá uma série de garantias e direitos aos presos, visando mais a reeducação e ressocialização que a punição. Ele avalia, no entanto, que falta infra-estrutura para o cumprimento a Lei de Execuções Penais, e que a superlotação é o problema mais crônico do sistema penal brasileiro. "Ela aumenta a tensão e propicia atos de violência e rebeliões", analisou. Nilton Ribeiro criticou, ainda, a presença de presos condenados em delegacias, o que prejudica que a Polícia Civil cumpra com maior eficiência o papel de polícia judiciária. "No Estado há 8.614 policiais civis, o que significa uma média de 1,39 presos por policial", concluiu.
SISTEMA ANACRÔNICO EMPERRA PROCESSOS
Outro participante do Ciclo de Debates, o juiz de Direito Cássio Salomé, da Vara de Execuções Penais de Belo Horizonte, refutou as críticas que são feitas ao Poder Judiciário por causa da lentidão da Justiça. Segundo ele, o Poder Judiciário como um todo, e o setor de Execuções Penais, em particular, têm sido relegados a segundo plano e carecem de maior dotação orçamentária. "Enquanto o Rio de Janeiro gasta anualmente R$ 68,00 por cidadão com o Judiciário, e no Rio Grande do Sul os gastos chegam a R$ 82,00/cidadão/ano, em Minas Gerais o orçamento do Judiciário é de apenas R$ 29,00/cidadão/ano", declarou.
Cássio Salomé também responsabilizou o sistema de comunicação entre o Judiciário e as secretarias de Justiça e de Segurança Pública, dizendo que ele "é anacrônico e emperra o andamento dos processos". "O Estado não investiu na ressocialização dos presos. Na última década, foram criadas apenas 1,5 mil novas vagas em penitenciárias, e quase nada foi investido em treinamento de pessoal", continuou.
Na opinião do juiz, o Estado carece de uma nova política penitenciária, que dê ênfase à reeducação dos condenados. Ele defende, também, a volta do Fundo Penitenciário, com um Conselho Gestor mais dinâmico e com participação da Magistratura; a implantação do trabalho e do estudo obrigatórios em todas as unidades prisionais; e a efetiva participação da sociedade em todo o sistema de ressocialização, "como único meio de evitar a reincidência no crime".
FALTAM RECURSOS PARA TRANSFERÊNCIA DE PRESOS
Outro debatedor, Roberto Gonçalves Pereira, diretor de Produção da Secretaria de Justiça, falou sobre as dificuldades para a implementação das determinações da Lei 12.985/98, que transfere para a Secretaria de Justiça a administração das cadeias e presídios do Estado. Segundo ele, a lei prevê a transferência dos presos da Secretaria de Segurança Pública para a de Justiça, mas não prevê a transferência de recursos financeiros e orçamentários. De acordo com Roberto Pereira, cada preso sob a guarda da Secretaria de Justiça custa, ao Estado, R$ 1,2 mil por mês.
Citando estudos feitos pela Fundação João Pinheiro, ele informou que para que a transferência dos presos seja efetivada são necessários recursos da ordem de R$ 134 milhões no primeiro ano e R$ 86 milhões nos demais. A diferença, de R$ 48 milhões, refere-se à construção de novas unidades prisionais, reforma e adaptação de cadeias e presídios já existentes e treinamento de pessoal; e os R$ 86 milhões são gastos com manutenção de unidades e sustento dos presos.
VONTADE POLÍTICA
O último debatedor do painel sobre "Diagnóstico do Sistema Carcerário" foi o advogado Fábio Alves dos Santos, orientador do Serviço de Assistência Jurídica da PUC/MG, que apontou a falta de vontade política como empecilho ao cumprimento da Lei 12.985/98. "Há unanimidade na constatação do caos no sistema penitenciário. Então, por que nenhuma providência efetiva é tomada para que os presos sejam transferidos, conforme determina a lei? Só pode ser porque há uma determinação política de não transferí-los", analisou.
Fábio Alves dos Santos frisou, também, que em todos os países pode-se constatar que a pena restritiva de liberdade não é solução, que ela não recupera o delinqüente para a vida social. "Estamos marchando contra a realidade ao insistir no sistema atual", observou. O advogado fez, ainda, críticas ao titular da Vara de Execuções Penais da Capital, que, segundo ele, não estaria demonstrando boa vontade para cumprimento de convênio celebrado pela Assembléia Legislativa, PUC/MG, Arquidiocese e Belo Horizonte e entidades que lidam com a questão carcerária, para melhorar a assistência judiciária aos detentos.
O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NA EXECUÇÃO PENAL
O professor de Direito Constitucional da UFMG, José Luiz Quadros de Magalhães, afirmou que, no Brasil, existe uma forte tendência de se priorizar as regras em detrimento dos princípios constitucionais que são superiores e de observância obrigatória. Segundo ele, esta inversão é conseqüência da tradição autoritária do País.
O professor frisou também que a implantação e a aplicação da lei devem ser de acordo com o sistema constitucional, assegurando a criação de uma norma justa para cada caso concreto. Além disso, fez considerações relativas à forma de interpretação dos textos constitucionais, que são alterados conforme os valores da sociedade da época. Finalizando, considerou ser de grande importância a valorização e preparação da defensoria pública na efetivação da ampla defesa.
A expositora Ana Carolina, defensora pública, afirmou que há uma constante violação do princípio do contraditório no processo de execução penal, onde, para ela, a justiça realmente se realiza. O princípio, que garante a defesa sem restrições do sentenciado promovendo a igualdade entre as partes envolvidas, não encontra lugar na prática executória. A quantidade insuficiente de defensores públicos e a falta de estrutura das varas de execuções criminais contribuem para essa realidade. Para exemplificar, a defensora citou a Vara de Execuções Criminais de Belo Horizonte que, apesar de receber 200 pessoas por semana, conta apenas com dois juízes, quatro promotores e três defensores públicos, o que dificulta uma efetiva defesa e assistência ao sentenciado.
O professor de Direito Penal Marcos Afonso de Souza acredita que, para se garantir o princípio do contraditório e a ampla defesa, é necessária uma preparação dos juízes, defensores públicos e promotores que atuam no processo de execução das penas. Ele afirma que apesar da falta de condições materiais que caracteriza todo o sistema judiciário, a preparação dos agentes é ainda muito pragmática e improvisada, e que "eles devem ter conhecimentos mais amplos em todas as áreas que influenciam na execução da pena, como por exemplo, a psicologia".
Destacou, também, a importância de reconhecer o sentenciado como cidadão, com direito à ressocialização e reintegração à sociedade. Para tanto, frisou a importância da participação da comunidade, que atualmente prefere acompanhar de longe o problema, no processo de execução penal.
Participaram também da mesa, o deputado federal João Magalhães (PMDB), a presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Maria Caiafa e o deputado Paulo Pettersen (PMDB), que coordenou os debates.
Responsável pela informação: Jorge Possa - ACS - 31-2907715