Promotor diz que reclusão e socialização não combinam
Eustaquio Marques - ACS - 31-2907715 O Ciclo de Debates "Sistema de Execuções Penais" foi aberto na manhã desta segun...
27/03/2000 - 23:48Promotor diz que reclusão e socialização não combinam
Eustaquio Marques - ACS - 31-2907715 O Ciclo de Debates "Sistema de Execuções Penais" foi aberto na manhã desta segunda-feira (27/03/2000), mobilizando deputados, representantes de pastorais carcerárias, advogados, representantes do Ministério Público Estadual, servidores de presídios, policiais e familiares de detentos, envolvidos com as questões carcerárias da Capital e do interior do Estado. O conferencista foi o Procurador de Justiça de Minas Gerais, Carlos Augusto Cañedo Gonçalves da Silva, que também é professor de Direito Penal.O evento é promovido pela Assembléia Legislativa, com apoio do Conselho Estadual de Direitos Humanos; do Conselho Regional de Psicologia; da Coordenadoria Municipal de Direitos Humanos da prefeitura Municipal de Belo Horizonte; do Instituto de Ciências Penais; Ordem dos Advogados do Brasil - OAB-MG, Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Secretaria de Estado de Justiça e de Direitos Humanos
O Ciclo foi aberto pelo deputado Paulo Pettersen (PMDB), que presidiu os trabalhos. Ele afirmou em seu discurso que "a questão da segurança pública no País se emparelha hoje, em intensidade, com outros problemas de magnitude que afligem o povo brasileiro, como a fome, as enfermidades e o desemprego". Ele revelou que, na presente legislatura, a Assembléia vem demonstrando inegável conscientização quanto ao assunto com temas como o que se desenvolve, debates sobre segurança pública, unificação das polícias Civil e Militar, descentralização do Poder Judiciário. E que, entre projetos de lei, propostas de emendas à Constituição e vetos a proposições de lei, sobre esta matéria, tramitam hoje na Assembléia nada menos que 35 proposições
Pettersen disse que a questão das penas alternativas deriva da necessidade de humanização do processo de execução penal. Ao invés de lotar as prisões - prosseguiu - não importando o grau de gravidade do delito, melhor seria implementar a legislação existente para a cominação de penas alternativas. A prestação pecuniária, a perda de bens e valores, a interdição temporária de direitos e a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, serão, em muitos casos, mais positivas que o mero confinamento, concluiu o deputado.
Para a presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Maria Caiafa, "a questão carcerária é uma das chagas mais profundas em nossa sociedade, e que a palavra-chave para reverter essa situação é, tão-somente, vontade política". Já a secretária de Estado de Justiça, Ângela Pace revelou que Minas é o pior Estado em questões penitenciárias, e que o ciclo de debates é uma oportunidade para se discutir o assunto. Ela afirmou que o Governo está empenhado na questão e que sua Secretaria promoverá, nos dias 6 e 7 de abril, debates com juízes de Direito, representantes do Ministério Público e da sociedade civil para tratar das questões carcerárias e da delinqüência.
Para o secretário-adjunto de Direitos Humanos, José Francisco da Silva, "o atual modelo penitenciário brasileiro precisa ser repensado. Um modelo que tem como troféu a tortura, e 87% de reincidência, merece uma extensa reflexão", disse. O representante do Tribunal de Justiça, desembargador Gudesteu Biber Sampaio defendeu o fim do ódio ao delinqüente, que, no seu entender, precisa de compreensão. Citou a falta de emprego e de vontade política da administração pública como as razões crescentes do crime no País.
A corrupção e a tortura em presídios foram lembradas pelo ouvidor de Polícia do Estado, José Roberto Rezende. Ele revelou que em todos os sistemas penitenciários são comuns a prática de torturas e impera a corrupção. Mas que é possível se ter um sistema penal que funcione e recupere presos, hoje tratados em condições inferiores a animais..
EXECUÇÃO PENAL
O conferencista Carlos Augusto Cañedo Gonçalves da Silva fez um histórico sobre as penas de execução, discorrendo sobre os primeiros castigos, a justiça punitiva da guilhotina na França dos reis, na Inglaterra, onde as punições em praça pública mostravam a força dos soberanos. Ele mencionou as mudanças do sistema de punições, com a substituição do suplício pela prisão, a troca do castigo corporal pela repressão da alma, até o atual sistema, que pune o detento, pretensamente em busca de sua recuperação para o reingresso na sociedade.
Abordando também as relações de trabalho nas prisões, o procurador assinalou os momentos em que os criminosos foram usados para reforçar o exército, como na França, no século XVIII, depois usados como força de trabalho na construção de estradas e obras públicas, até a criação das casas de correção, de administração privada, dentro da tese de uso do trabalho como reeducação social dos infratores. Hoje, salientou, o discurso da pena se contradiz. Se vamos excluir os infratores da sociedade, por intermédio da reclusão, vamos parar de falar em ressocialização. Cañedo disse que o Código Penal considera diversos crimes que não precisariam de uma abordagem repressiva.
Sobre as penas alternativas, Cañedo disse que ainda são pouco utilizadas, e como exemplo mostrou que a prisão aberta, em Belo Horizonte, tem apenas 50 vagas. Além disso, ela foi desvirtuada, pois transformou-se em prisão domiciliar, sem qualquer fiscalização, apontou. Ele considera um avanço da Lei de Execuções Penais a divisão da responsabilidade entre o Estado e as comunidades. "A visão de exclusão deve ser substituída por uma visão de agregação", assinalou.
Declarando-se contra a privatização do sistema penitenciário, o procurador disse que ainda há muito o que fazer pela melhoria do sistema em Minas Gerais, Estado em que, segundo ele, 30% dos condenados estão fora do sistema penitenciário, mantidos em delegacias. Em seguida à exposição, os presentes participaram de debate respondendo a diversas questões da platéia.
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