Debatedores analisam perspectivas para o País
O Brasil tem perspectivas positivas para os próximos 500 anos. A análise é do professor de economia do Centro de Dese...
22/03/2000 - 06:09Debatedores analisam perspectivas para o País
O Brasil tem perspectivas positivas para os próximos 500 anos. A análise é do professor de economia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar), João Antônio de Paula, o primeiro expositor do tema "Brasil 2000: Realidades e Perspectivas", painel apresentado na parte da tarde desta sexta- feira (17/3/00), no Ciclo de Debates "Repensando o Brasil 500 anos depois". De acordo com o professor, seu otimismo quanto o futuro do Brasil não é ingênuo, mas fundado em todos os potenciais do País. Ele ressaltou o tamanho do território brasileiro, seus recursos naturais, a ausência de problemas étnicos e religiosos.Segundo o professor, 78% da população brasileira vive em cidades, o País é relativamente industrializado e moderno, mas é pobre. "Somos modernos, industrializados, urbanizados e pobres. Continuamos presos a certas mazelas medievais que nos impedem de darmos o passo que temos que dar", afirmou. De acordo com João Antônio, o divórcio entre a sociedade e Estado, e a ausência de reformas de distribuição de rendas, riqueza, poder e informação, são as causas do bloqueio do País.
ESTADO BRASILEIRO RESGUARDA PRIVILÉGIOS
João Antônio de Paula afirmou que o Estado é uma instituição pouco permeável aos interesses populares. Seu objetivo, segundo o professor, é resguardar privilégios, e não distribuir direitos. "O Estado é um instrumento de defesa de interesses privados. A defesa do bem comum vai muito além", disse. Já a distribuição de renda no Brasil, de acordo com o economista, é a mais injusta do mundo. Segundo ele, a concentração da riqueza nas mãos de poucos impede o desenvolvimento de um mercado interno forte. De acordo com João Antônio de Paula, cerca de 120 milhões de brasileiros ficam às margens do mercado.
Na opinião do professor e pesquisador do Cedeplar, o futuro do Brasil depende da capacidade de ter raízes e antenas, além de envolver a população. Para ele, as raízes representam a distribuição de renda mais aprofundada; e as antenas, o desenvolvimento da ciência e tecnologia. "O Brasil tem perspectivas que dependem de reformas para distribuir renda", finalizou.
IMPORTÂNCIA DOS NEGROS É SUBESTIMADA
O segundo expositor, o professor Marcos Rodrigues da Silva, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirmou que o momento não é para comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, mas sim para repensar muita coisa. "É preciso repensar esta população que está dentro dos 160 milhões de habitantes", disse. Silva defendeu uma mudança da velha imagem dos negros, construída ao longo desses 500 anos.
Marcos Rodrigues da Silva ressaltou a necessidade de se colocar um fim na idealização da escravidão no País, para começar a trabalhar a memória histórica do negro de outra forma que não a partir da senzala e do pelourinho. Para ele, este modo de ver a história, que ainda hoje alimenta a literatura, está casado com a lógica da conquista e da dominação. "Se não superarmos esta lógica vamos continuar como estamos", analisou. O professor Marcos Silva disse, também, que o negro na história da sociedade brasileira é mantido numa espécie de invisibilidade. "Em Santa Catarina, afirma-se muito a presença dos imigrantes alemães, italianos e austríacos, mas a contribuição do negro não é lembrada". A própria imagem do escravo mostrada ainda hoje, segundo Marcos Silva, é a de um sujeito indolente e boçal, quando, na verdade, eles foram trazidos da África para cá porque detinham novas tecnologias para a agricultura. "Possuíam técnicas de trabalho que o dono da terra não dominava", assinalou.
A questão que deve ser colocada hoje, segundo o professor, é o que significa ser negro no Brasil. "Temos uma tradição de resistência, fundada no quilombismo, mas hoje precisamos tratar nossas questões em outras frentes", na medida em que a hegemonia do capital se amplia. Ele enfatizou também que a sociedade brasileira não valoriza a história coletiva e a história oral, com primazia do registro escrito.
Marcos Rodrigues da Silva lembrou dos projetos montados na década de 80, caracterizada por ele como sendo o momento das grandes realizações, com lutas e conquistas, que se contrapõe ao discurso capitalista de que aquela foi uma "década perdida". Na sua opinião, o desafio fundamental dos brasileiros, e principalmente dos negros, hoje, é lutar com o discurso da democracia. A democracia nos deu plena liberdade, mas encobre questões que temos que aprender de que modo abordar, pois podemos ser chamados mesmo de racistas, quando lutamos por nossos direitos. Ele falou, ainda, sobre "coisas emergentes" como os movimentos xenófobos e racistas. "Há uma estrutura de violência xenófoba na qual temos que pensar com muito cuidado", afirmou.
PROJETO DE LONGO PRAZO
O terceiro palestrante do painel "Brasil 2000: realidades e perspectivas" foi Lincoln Gonçalves Fernandes, presidente do Conselho de Política Econômica e Social da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). De acordo com ele, a inserção do Brasil dentre os países desenvolvidos, do ponto de vista econômico e social, é projeto que não pode ser concretizado num prazo de cinco ou dez anos, mas "é projeto para, no mínimo, uma geração".
Lincoln Fernandes centrou sua análise nas transformações da economia nas últimas décadas e no papel a ser desempenhado pelo Estado no mundo atual. Ele lembrou que desde a década de 70 o Brasil conseguiu se colocar entre as economias mais desenvolvidas, mas as distorções existentes continuam grandes. Segundo o representante da Fiemg, a excessiva ênfase dada ao mercado interno, nos anos 70, fez com que o País perdesse competitividade em escala internacional.
Na década de 90, disse, a necessidade de uma reestruturação econômica ficou evidente. Mas ele fez críticas à forma como se deu a abertura econômica, que teria ocorrido de modo unilateral, sem negociação com o empresariado brasileiro. "O resultado foi a concorrência predatória dos produtos internacionais, causando sérias dificuldades ao setor produtivo nacional", declarou. De acordo com Lincoln Fernandes, a estabilidade da moeda também deixou mais evidentes os problemas causados pelo chamado "custo Brasil". Mas, por outro lado, a maior competitividade da indústria nacional permite um prognóstico otimista com relação ao futuro do País, na virada do século, embora outros países vizinhos estejam demonstrando maior capacidade de adequação às mudanças que marcam o mundo moderno.
Lincoln Gonçalves Fernandes disse que é preciso repensar o papel do Estado, enfatizando seu papel de regulador das relações sociais e de promotor da cidadania, e cobrou uma política de apoio às micro e pequenas empresas.
RECUPERAÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA
Para o diretor executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rafael Freire, que foi o quarto expositor a participar do debate sobre as realidades e perspectivas do Brasil, é preciso recuperar a memória coletiva da Nação brasileira, sem o que não é possível pensar o País como um todo, sonhar com o futuro e construir projetos alternativos que levem a uma situação de maior igualdade, desenvolvimento e bem-estar social. "Queremos mudar a realidade deste País, mudar a ordem econômica perversa e excludente, que marginaliza grande parte da população", assinalou.
O dirigente da CUT avaliou que, apesar das dificuldades vividas pelo movimento sindical nos dias de hoje, com a flexibilização de direitos trabalhistas e o aumento do desemprego, é possível construir movimentos coletivos que permitam a construção de um novo tipo de sociedade. Rafael Freire condenou a forma como é contada a história do Brasil, que refletiria apenas o ponto de vista de uma minoria elitista. "Qual foi a história que contaram sobre as Ligas Camponesas? Qual a história que contaram sobre a organização dos negros deste País?", indagou.
Perspectivas em disputa - Rafael Freire também fez críticas à ideologia neoliberal, que prega a supremacia do individual sobre o coletivo. Ele ressaltou que, ao se pensar sobre o futuro do País, é preciso ter em mente que as perspectivas não estão dadas previamente, mas, sim, estão em disputa. "Há pensamentos diferentes, interesses divergentes, que levam a perspectivas e projetos diferentes para o Brasil", acentuou.
Na opinião do sindicalista da CUT, é preciso pensar o Brasil na ótica de um projeto que tenha como objetivo a melhoria da distribuição de renda e das condições de vida da maioria da população, de um Estado que seja voltado para as questões sociais ao invés de servir a uma elite, de uma economia que preserve o emprego das pessoas. "Vamos construir um novo País a partir de uma visão crítica de nossa história", finalizou.
Responsável pela informação: Carolina Braga - ACS - 31-2907715