Ciclo de Debates abre comemorações dos 500 anos
"Não se trata de celebrar nada de 500 anos, mas de aproveitar esta oportunidade para fazer um balanço histórico e ava...
22/03/2000 - 06:09Ciclo de Debates abre comemorações dos 500 anos
"Não se trata de celebrar nada de 500 anos, mas de aproveitar esta oportunidade para fazer um balanço histórico e avaliar as perspectivas deste País". A opinião é do historiador e cientista político José Murilo de Carvalho, que abriu o painel "A formação do Brasil Nação", na segunda etapa do Ciclo de Debates "Repensando o Brasil 500 anos depois".José Murilo de Carvalho lembrou que José Bonifácio via a escravidão como obstáculo à construção da nação brasileira. Hoje, disse o historiador, o que impede a formação da nação brasileira é a desigualdade. "Em 500 anos a desigualdade permanece. O Brasil cresce e o quadro não se altera", disse o professor.
O historiador apresentou vários dados para mostrar a desigualdade no País. O PIB brasileiro é o oitavo do mundo, mas quando se considera o PIB per capita, o país cai para o 34º lugar. O índice de desigualdade social no Brasil é o mais alto do mundo, e o percentual de pobreza no País, pelos critérios da Organização Mundial de Saúde, aponta 39% de pobres na região Sudeste e 80% na região Nordeste, "o que mostra também a desigualdade interna", disse José Murilo. O índice de analfabetismo, outro indicador da desigualdade, chega a 9% no Sudeste e 29% no Nordeste.
Pecados capitais
Do ponto de vista histórico, José Murilo vê quatro "pecados capitais" que ajudam a entender a persistência da desigualdade. São a escravidão, o latifúndio, o patriarcalismo e o patrimonialismo. No século XIX a riqueza do País se fundava na existência de quatro milhões de escravos. O latifúndio tem origem numa forma de colonização comercial. Hoje, isto se traduz nas terras públicas não cadastradas e na grilagem. "É uma vergonha para o Brasil termos trabalhadores lutando por um pedaço de terra". O patriarcalismo nega à mulher salário igual por trabalho igual ao do homem. É a negação de direitos civis. E, por fim, aponta José Murilo de Carvalho, o patrimonialismo, isto é, situação em que o bem público é usado privativamente. O patriarcalismo é outra característica da nossa formação que persiste ainda hoje, na forma de nepotismo político, de corporativismo, e na discussão de "tetos duplex e outros tetos", exemplificou o historiador.
O historiador disse que, ao lado de um quadro de agravamento de situações como a violência urbana, com suas estatísticas de guerra civil, e do empobrecimento da população, o Brasil tem conseguido avanços, como no caso da educação fundamental.
José Murilo de Carvalho concluiu sua exposição dizendo que "se essa democracia não eliminar a desigualdade, este obstáculo à construção desta Nação, a própria democracia estará em risco".
MITOS NACIONALISTAS
Professor de história e deputado estadual pelo PT do Rio de Janeiro, Chico Alencar foi o segundo expositor do tema "A Formação do Brasil Nação". Ele defendeu que o único mérito das comemorações dos 500 anos do Brasil está na oportunidade de relembrar a história da construção da Nação brasileira para desmontar o discurso formador do imaginário nacional. Segundo ele, há alguns temas fundamentais que foram mitificados e que merecem uma reflexão crítica para que a história do País seja compreendida na sua verdadeira amplitude e complexidade.
Sob essa ótica, Chico Alencar enumerou cinco "mitos" históricos que, na sua avaliação, têm de ser derrubados. O primeiro, o mito da perenidade das nações, que leva ao culto da brasilidade e ao ufanismo nacionalista. O segundo, o mito do descobrimento, uma idéia equivocada e porque o que houve foi o "cobrimento e o encobrimento do Brasil". Para Chico Alencar, o que é chamado de descobrimento marca, na verdade, o início da conquista territorial promovida pela associação do Estado absolutista com a burguesia mercantilista.
Outro mito a ser questionado e derrubado é o da formação do povo brasileiro a partir da miscigenação de raças. "A idéia de que o Brasil é um 'cadinho de raças' é falsa, pois não houve homogeneidade na mistura", disse Chico Alencar. "A conquista do território brasileiro foi feita às custas do genocídio dos índios e a economia cresceu com a escravidão dos negros. Como falar numa mistura de raças?", criticou. Além disso, ele destacou que a formação social brasileira é fruto de uma colonização machista, masculinista e patriarcal, aspectos que resultaram na construção de uma sociedade excludente e discriminatória.
A idéia de ordem e progresso é também um mito a ser questionado e derrubado. "É uma idéia positivista, na qual a ordem é dirigida aos integrantes da classe baixa e o progresso beneficia os da classe alta", disse Alencar. Por último, ele criticou o mito do "povo chinfrim", que marca a crença de que a formação do povo brasileiro foi feita pela pior mistura de raças, o que Chico Alencar considera "uma bobagem racista a ser superada". "É o embate entre a idéia de quem coloniza em contraponto à de como foi a colonização que, na verdade, é o que define a construção da sociedade", disse, concluindo que a idéia de um projeto coletivo de nação está em crise.
NAÇÃO E CIDADANIA
A cientista política e diretora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich-UFMG), Vera Alice Cardoso Silva, falou sobre a formação do Brasil Nação de acordo com a perspectiva da Ciência Política. Segundo ela, o Estado tem estruturas fundamentais para a vida social, define os direitos e deveres dos cidadãos, e nação está relacionada à construção da cidadania.
De acordo com a diretora, desde o período republicano, registra-se no Brasil um avanço da cidadania com o surgimento de novas leis que garantem os direitos do povo. Porém, segundo a análise de Vera Alice Cardoso, as leis não são aplicadas como deveriam. Para a diretora, a nação só vai se constituir se as instituições brasileiras tiverem mais força. "Temos que ter mais instituições e mais participação", cobrou.
O último expositor, o professor de história da UFMG, José Carlos Reis, falou das duas versões sobre a formação do Brasil Nação - a de "extrema direita", defendida pelo alemão Karl Von Martius e pelo historiador do século XIX, Francisco de Vernhagen; e a "democrata radical", articulada pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda. De acordo com o professor, a interpretação da direita é ultraconservadora e elitista, considera o mestiço geneticamente inferior, doente e incapaz de fazer história. "Sob influência alemã, o pensamento histórico brasileiro começou racista, autoritaríssimo, violento e excludente. A terra do Brasil era legitimamente a ação portuguesa, oficial ou particular, era justa e civilizadora", afirmou.
A outra versão apresentada por Reis, a do historiador Sérgio Buarque de Holanda, retruca as idéias de Vernhagen. Enquanto os da extrema direita propunham que a Nação não incluísse indígenas, negros e mestiços, Holanda questiona em que pontos os portugueses seriam melhores do que eles. "Os brasileiros precisam esquecer as suas raízes ibéricas e o melhor modo de superá-las é conhecê-las em toda sua precariedade como projeto social. Nossa anarquia vem de lá, nossa desordem é tradicional", disse.
DEBATES
Respondendo a questionamentos na fase de debates, o professor José Carlos Reis afirmou que as elites brasileiras jamais aceitaram o povo deste País. Segundo ele, o desemprego é uma das conseqüências da postura da elite. Reis ressaltou a falta de movimentos populares no Brasil. Para ele, nem mesmo os partidos de esquerda apresentam projetos revolucionários. "É preciso agir, fazer, tomar alguma iniciativa política", cobrou. Durante a fase de debates, a diretora da Fafich, Vera Alice Cardoso Silva, voltou a afirmar que a cidadania se constrói no mundo moderno por meio das leis. "Precisamos de leis que ultrapassem a simbologia", disse.
COORDENAÇÃO
O 2º-vice-presidente da Assembléia Legislativa, deputado Durval Ângelo (PT) e o líder do governo, deputado Alberto Pinto Coelho (PPB), coordenaram os trabalhos.
Responsável pela informação: Cristiane Pereira - ACs - 31-2907715