Expositores questionam sentido dos 500 anos
O sociólogo Ronald de Oliveira Rocha foi o primeiro conferencista do painel "Os diferentes olhares sobre 1500", que a...
22/03/2000 - 06:09Expositores questionam sentido dos 500 anos
O sociólogo Ronald de Oliveira Rocha foi o primeiro conferencista do painel "Os diferentes olhares sobre 1500", que abriu o Ciclo de Debates "Repensando o Brasil 500 anos depois", iniciado nesta quinta-feira (16/03/2000), no Plenário. O Ciclo é uma promoção da Assembléia Legislativa, com apoio com apoio do Centro Universiário de Belo Horizonte (UNI-BH). Ronald Rocha questionou as teses apresentadas, implicitamente ou explicitamente, pela campanha "500 anos do Brasil".O Ciclo foi aberto pelo presidente da Assembléia, deputado Anderson Adauto (PMDB), para quem "o que define o Brasil não é o acaso, mas a vontade política da conquista, do desbravamento, da busca da riqueza, da decisão de construir a Nação". Adauto criticou o Governo Federal, "que facilita o saqueio das riquezas do País, depois de nossos antepassados lutarem e morrerem para expulsar daqui os bucaneiros que nos assaltavam". O presidente da Assembléia concluiu dizendo que "devemos nos orgulhar do nosso passado, que não foi fácil, e devemos cuidar de nosso presente, que nos parece ainda mais difícil".
ANTÍTESES
O sociólogo e editor da Revista Praxis e membro da Fundação Perseu Abramo, Ronald de Oliveira Rocha, disse que as teses que sustentam a campanha "500 anos do Brasil" são "a) o Brasil, como porção territorial, foi descoberto pela frota portuguesa comandada por Cabral; b) o "descobrimento" representou o início ou o nascimento do Brasil, que estaria completando 500 anos; c) o processo de colonização se confunde conceitualmente com o fato nacional; e d) nossa história tem sido um processo meramente evolutivo e linear".
A essas teses o sociólogo contrapõe quatro antíteses. Refuta a tese do descobrimento, considerando que estas terras eram habitadas por cerca de cinco milhões de indivíduos, espalhados por mil etnias e vários troncos lingüísticos. Refuta a tese do nascimento do Brasil em 1500, afirmando que naquele ano teve início a colonização portuguesa e ponto de partida para o genocídio e a escravidão. Ronald Rocha afirma, na terceira antítese, que o marco da configuração do Brasil enquanto Estado-nação deve ser assinalado em 1822 e não em 1500, o que apaga todo um processo de disputas, dissensos e rupturas ocorrido na sociedade. Na quarta antítese, ele mostra que a colonização e a formação do Brasil como país não formam um processo evolutivo e linear, mas marcado pelas rupturas e alteridades políticas e sociais. Para Ronald, "é importante repensar esses 500 anos, os 40 mil anos da América e os 200 anos do Brasil, extraindo dessa história conclusões que potencializem os vários segmentos da sociedade brasileira, os indígenas, os afro-brasileiros que lutaram para constituir essa Nação".
PASSADO E FUTURO
O cônsul de Portugal, Silvino Ferreira Leite, disse que em Portugal a vinda de Cabral ao Brasil é tratada como viagem intencional, por isso lá não se fala em descobrimento ou achamento. Já havia conhecimento da existência destas terras. O Brasil sempre foi importante para Portugal, disse o cônsul, mas não a figura de Cabral, que nunca foi tomado como herói ou figura de relevo.
Silvino Leite disse que a história de Portugal, como a de todos os povos, é marcada por grandezas e misérias, sendo que no caso da colonização do Brasil foram trágicas a dizimação das populações indígenas e a escravatura. No processo de colonização, segundo o cônsul, Portugal encontrou culturas em estágios mais avançados, como na Ásia.
Ele salientou que hoje seu país recebe influência brasileira, país que é bem mais conhecido no mundo que Portugal. E que Portugal também está mais aberto para o mundo. O país está entre os que mais investem no Brasil. O cônsul Silvino Ferreira Leite encerrou sua exposição dizendo que "não é possível fazer uma reflexão sobre o Brasil sem falar de Portugal, porque temos um passado comum e espero que tenhamos um futuro lado a lado".
PATAXÓ
O terceiro expositor foi Wilson Pataxó, liderança Pataxó Hã-Hã-Hãe. Ele disse que os índios nada têm a comemorar, porque são os 500 anos da chegada de Cabral, com "morte, fome e ganância". Para eles, o 22 de abril de 1500 representa o início de uma "longa e dolorosa história" de extermínio e invasão de terras. Segundo Wilson Pataxó eram 970 povos diferentes, com seis milhões de pessoas. "Hoje somos 215 povos, falando 180 idiomas, com 360 mil pessoas", enumerou a liderança Pataxó.
O que está sendo comemorado, para Wilson Pataxó, são os 500 anos de extermínio de índios e desmatamento. "Para nós, nós somos os heróis porque resistimos e estamos aqui para lutar por novos tempos", disse Pataxó, lembrando o índio Galdino José dos Santos, queimado vivo em Brasília, e outros índios que foram assassinados, sem que ninguém tenha sido preso por estes crimes.
Wilson Pataxó anunciou que os índios irão marchar por todo o País em protesto contra a comemoração dos 500 anos. No mês de abril, estarão em Brasília, protestando no Congresso Nacional, e depois irão para a Bahia, protestar no Monte Pascoal.
DISCRIMINAÇÃO
"São 360 anos de trabalho escravo no Brasil e 190 anos de trabalho escravo na província de Minas Gerais. Estes são os marcos de uma história que retirou à força os negros de Angola, Congo, Guiné, Moçambique e outras etnias e tratou de suprimir as identidades e homogeneizar a todas elas." As palavras são da secretária municipal de Assuntos da Comunidade Negra, Diva Moreira. Assinalando que em 1776 80% da população de Minas Gerais era formada de negros e mestiços, e que a mineração não assimilava toda a mão-de-obra, Diva Moreira mostrou como se construiu um discurso para desclassificar o negro na sociedade colonial, criando uma imagem negativa que ainda hoje permanece no País. "Ignorância, vícios, indolência e cor de pele são os elementos característicos desse processo, e que podem ser encontrados nos registros das instituições da Colônia, nos autos do Santo Ofício e nos relatos de viajantes", analisou.
Diva Moreira lembrou que a abolição, ocorrida em 1888, foi feita sem medidas para integrar o negro na sociedade. A abolição aconteceu quando as teorias de superioridade racial do europeu eram vitoriosas. A secretária lembrou o gesto de José Bonifácio de Andrada e Silva, que defendia a reforma agrária para que os negros pudessem trabalhar e se integrar à sociedade. De outro lado, segundo Diva Moreira, surgia o mito do mau trabalhador, para excluir os negros do mercado de trabalho. "Foram os que construíram as igrejas e cidades que hoje são patrimônio da humanidade, que de uma hora para outra viram maus trabalhadores", assinalou Diva Moreira. A secretária lembrou, ainda, a legislação que tinha o objetivo de atingir as populações negras, como a proibição da capoeiragem, da vadiagem e da mendicância, prevista no Código Penal de 1890.
Ao final de sua exposição, Diva Moreira que a situação de discriminação contra os negros e os brancos pobres persiste, agravada pela submissão do País ao neoliberalismo. Ela acrescentou que a violência urbana e o narcotráfico são intrínsecos a estas políticas de submissão ao capital estrangeiro.
COMPOSIÇÃO DA MESA
Compuseram a Mesa juntamente com o deputado Anderson Adauto, o representante da Secretaria de Estado da Fazenda, Cláudio Gontijo; os debatedores Sílvio Ferreira Leite, cônsul de Portugal em Belo Horizonte; Wilson Pataxó, liderança Pataxó Hã-Hã-Hãe; a secretária municipal de Assuntos da Comunidade Negra, Diva Moreira; o sociólogo Ronald de Oliveira Rocha; o representante da comunidade indígena de Minas Gerais, Waldemar Krenak; o cacique da tribo Pataxó, índio Bayara; o vice-cacique Kaxixó Jerry e o coordenador dos debates, deputado João leite (PSDB).
Responsável pela informação: Eustaquio Marques - ACS - 31-2907715