Privatização de Furnas é tema de debate na Assembléia
A política de privatização nunca foi realmente discutida com profundidade no País, afirmou o secretário de Estado de ...
29/10/1999 - 10:49Privatização de Furnas é tema de debate na Assembléia
A política de privatização nunca foi realmente discutida com profundidade no País, afirmou o secretário de Estado de Minas e Energia, Paulino Cícero, que questionou o processo de privatização de Furnas em reunião conjunta das Comissões de Administração Pública e Meio Ambiente, nesta quinta-feira (28/10/1999). A audiência pública, que lotou o Auditório da Assembléia, teve a finalidade de tratar da privatização das centrais elétricas e dos recursos hídricos nacionais, além de mostrar o resultado a que chegou a Comissão de Estudos Avançados sobre a questão de Furnas e dos Recursos Hídricos e a posição do governo estadual contra a privatização.O deputado Jorge Eduardo de Oliveira (PMDB), que presidiu a reunião, afirmou que os recursos hídricos constituem o bem mais importante da face da Terra e que Furnas deve ser tirada do programa de privatização do governo federal. O secretário de Estado de Minas e Energia, Paulino Cícero, concordou com o deputado e disse que a posição do governo estadual é clara: opõe-se a qualquer privatização dos recursos hídricos. "Se isso ocorrer, o canibalismo empresarial que acontece na Usiminas estará presente também em Furnas", comparou o secretário. Para ele, o que o governo federal está tentando fazer vai afetar a vida de toda sociedade mineira.
Paulino Cícero lembrou do seu encontro com o presidente Fernando Henrique Cardoso em Ipatinga, onde participava de solenidade na Usiminas. O secretário posicionou-se a favor da privatização do setor siderúrgico e do ferroviário, mas contrário à possibilidade de entregar ao capital estrangeiro o patrimônio hídrico do País. "Nós estamos nos precipitando demais com a introdução de modelos de privatização de outras nações", falou o secretário.
"O Estado não pode fazer tudo para a sociedade, mas defender a água, um bem do povo, é seu dever", acrescentou a relatora da Comissão Especial de Estudos Avançados e Constitucionais e Legais sobre a Privatização do Sistema Hidrelétrico, Carmem Lúcia Antunes. Ela fez menção a Rui Barbosa e afirmou que o ex-senador já denunciava a entrega do patrimônio hídrico aos estrangeiros. "Uma coisa é o neoliberalismo e a globalização em países ricos. Outra coisa são os efeitos causados em países com Estados pobres como o nosso", argumentou. Carmem Lúcia explicou a diferença entre bens públicos e bens privados e disse que a obrigação do governo é zelar pelo que pertence ao povo. "Somos o quarto ou quinto País com a maior porção de água potável do planeta", ressaltou a relatora. A secretária-adjunta de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Lúcia Aquino, ponderou ainda que a água é um bem essencial para a vida, mas corre risco de escassez.
INCONSTITUCIONALIDADE DA PRIVATIZAÇÃO
Carmem Lúcia Antunes afirmou que a pretensão de privatização de Furnas é inconstitucional. Segundo ela, a Federação está estruturada de tal maneira, que, com relação à energia elétrica, a União só poderá deliberar sobre o uso da água se houver uma articulação entre ela e os Estados que detêm os recursos naturais. Para ela, a água passou a ser objeto de interesse econômico internacional. "Ou nos impomos agora ou então entregamos aos estrangeiros o que é nosso", destacou.
A relatora da Comissão Especial de Estudos Avançados criticou ainda o excesso de emendas à Constituição brasileira. "Nós fizemos 29 emendas em 11 anos, enquanto que os Estados Unidos têm apenas 27 em toda sua história", argumentou. Falou também sobre a "Macdonalização da administração pública", em que, segundo ela, "tudo funciona como se fosse uma lanchonete Macdonald's: só entra quem pode consumir e só consome quem pode pagar". Completou dizendo que "nós não somos clientes do Estado e sim fazemos parte dele", referindo-se à administração pública.
QUESTÃO AMBIENTAL
"Para nós o governo federal é um dos piores em administração da área ambiental", disse o diretor da Amda (Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente) Josué Seroa Sobrinho. Ele afirmou que 75% das águas utilizadas no Brasil são direcionadas à irrigação. "A privatização de Furnas não é apenas um problema econômico e sim uma questão ecológica", defendeu.
O deputado Alberto Pinto Coelho (PPB), integrante da Frente Parlamentar Jorge Hannas, disse que a água é um bem necessário à administração pública e que o governo tem o dever de satisfazer o bem-estar dos cidadãos. A deputada Maria José Haueisen (PT) ressaltou que a privatização de Furnas terá reflexos no meio ambiente e que a sociedade precisa ser melhor informada sobre o processo. Segundo ela, não é possível privatizar a energia sem privatizar a matéria-prima. "Estão enganando o povo. O fluxo das águas será controlado de acordo com a demanda e o consumo", alertou a deputada. Segundo Carmem Lúcia Antunes, há uma concentração de poder, terra, riqueza e mídia, que não deixa a população saber o que está acontecendo.
A deputada Maria Tereza Lara (PT) disse que uma solução seria criar alternativas de comunicação, e o deputado Ivo José (PT) apontou a "necessidade de se estimular um sentimento mais nacionalista, para que a sociedade resista a esse tipo de atitude do governo". O deputado Fábio Avelar (PPS) defendeu uma grande mobilização da sociedade. "Serei sempre contra as privatizações", ressaltou.
QUESTÃO ECONÔMICA
Para o presidente do Conselho de Engenharia e Arquitetura (Crea/MG), Augusto Drummond, implementar a privatização de Furnas sem que haja uma discussão ampla, democrática, técnica e política é um rumo equivocado que o presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador Antônio Carlos Magalhães estão tomando. Ele acredita que o desvio de rios como reação à proposta - como sugeriu o governador Itamar Franco - não seria uma solução e só iria desperdiçar recursos. Vê, por outro lado, a posição do governo de Minas como uma postura corajosa que, apesar de trazer desgastes para o Estado, é necessária.
O diretor da Fiemg Olavo Machado Júnior comparou o processo de privatização implantado no País a uma colonização feita através do capital especulativo. "Somos a favor da privatização, mas aquela que traz crescimento, desenvolvimento e progresso, o que não está acontecendo", afirma o diretor. "É um processo de recolonização. Estamos repetindo a história, ao tomar dos pobres para dar aos ricos", observou o diretor da OAB/MG, Marcelo Leonardo. "Se antes resistimos para manter o ouro amarelo, devemos agora lutar pelo ouro azul", concluiu o diretor.
PRESENÇAS
Participaram da reunião o secretário de Estado de Minas e Energia, Paulino Cícero de Vasconcelos; a relatora da Comissão Especial de Estudos Avançados e Constitucionais e Legais sobre a Privatização do Sistema Hidrelétrico, Carmem Lúcia Antunes Rocha; a secretária-adjunta de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Lúcia Aquino; o diretor da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) Olavo Machado; o diretor da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda) Josué Seroa de Motta; o presidente do Crea/MG, Augusto Celso Franco Drummond; o deputado Alberto Pinto Coelho (PPB), representando a Frente Parlamentar Jorge Hannas; o presidente da OAB/Seção Minas Gerais, Marcelo Leonardo; além dos deputados Fábio Avelar (PPS), Arlen Santiago (PTB), Maria José Haueisen (PT), Maria Tereza Lara (PT), Doutor Viana (PDT), Ivo José (PT) e Marco Régis (PPS).
Responsável pela informação: Renata Ramos - ACS - 31-2907715