Abertura de Seminário aborda Plano Nacional de Educação

Foi aberto nesta segunda-feira (18/10/1999) o Seminário Legislativo "Construindo a Política de Educação Pública em Mi...

25/10/1999 - 16:53

Abertura de Seminário aborda Plano Nacional de Educação

Foi aberto nesta segunda-feira (18/10/1999) o Seminário Legislativo "Construindo a Política de Educação Pública em Minas Gerais", promovido pela Assembléia Legislativa, com a presença do secretário de Estado da Educação, Murílio Hingel. O presidente da Assembléia, deputado Anderson Adauto (PMDB), ressaltou, na abertura dos trabalhos, que educar é promover o desenvolvimento humano. Nessa área, lembrou, o Brasil tem muito a evoluir, uma vez que é o 79º país da escala mundial, com o índice constrangedor de 20 milhões de analfabetos. O presidente destacou que o Seminário representa um avanço da Assembléia, pois é resultado de um intenso processo de interiorização, com a participação da sociedade civil em reuniões regionais promovidas em 10 municípios-pólo.

Cerca de 50 entidades participaram da preparação do Seminário Legislativo, em três meses de trabalho. Foram formadas seis Comissões Técnicas Interinstitucionais (CTIs) que elaboraram documentos sobre temas como financiamento da educação, avaliação das reformas da educação em Minas Gerais, valorização do trabalhador em educação e gestão democrática. As propostas iniciais foram discutidas no interior do Estado e as propostas apresentadas foram agregadas aos documentos que serão debatidos durante o Seminário.

O presidente ressaltou que várias regiões mineiras tiveram participação efetiva, numa discussão importante para a construção da cidadania. Falou, ainda, do projeto de "Educação para a Cidadania", desenvolvido pela Escola do Legislativo, que será oferecido pela internet, na homepage da Assembléia (www.almg.gov.br). São 16 aulas, divididas em quatro módulos, que pretendem estimular a reflexão sobre a sociedade em que vivemos. Para participar das aulas, é só visitar o "site".

Os trabalhos foram coordenados pelo deputado Edson Rezende (PSB), um dos autores do requerimento que deu origem ao evento. Também compuseram a mesa o deputado Rogério Correia (PT) - que também pediu a realização do Seminário; a deputada federal Maria Elvira (PMDB/MG) - presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e o deputado federal Gilmar Machado (PT/MG) - integrante da Comissão.

EDUCAÇÃO E MERCADO
O descompasso entre o Plano Nacional de Educação desejado pela sociedade e aquele proposto pelo Governo Federal foi exposto pelo primeiro palestrante, o professor Miguel Arroyo, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele ressaltou que, enquanto o Governo pretende despolitizar a educação, a sociedade defende que ela seja uma questão eminentemente política, sem deixá-la à mercê do mercado, das demandas da produção e da informática - como pretende o neoliberalismo. O grande embate entre o plano do governo e da sociedade é que, enquanto o primeiro pretende dar conta das demandas do mercado, o segundo quer garantir a dignidade humana da infância, da adolescência e da juventude.

O professor defendeu, ainda, que a educação não pode ser equacionada como se fosse uma realidade estática. Segundo ele, os planos de educação são iguais ao do final do império, contido na proposta elaborada em 1822 por Rui Barbosa, que já abordava a educação tendo como questão estruturante as demandas do mercado. "Esse eixo é pobre, ultrapassado, não dá conta dos avanços da Educação", criticou. Segundo ele, o plano do Governo esquece até mesmo da LDB, que, no seu artigo 2º, estabelece que o objetivo da educação deve ser o pleno desenvolvimento do ser humano. "O lamentável é que a sociedade só permite que alguns atinjam esse direito de viver plenamente como seres humanos", disse.

Outro alerta feito por Miguel Arroyo é que não se pode discutir um Plano Nacional de Educação tendo como base a escola. Para ele, essa fórmula está gasta, e o foco deve ser um diagnóstico da própria sociedade. Ele contestou a informação do Governo Federal, de que 98% dos jovens e crianças brasileiros estão na escola. "Crianças e jovens estão, sim, pensando em sair para sobreviver", contrapôs. Ele ressaltou, ainda, que uma boa escola depende, também, das condições materiais - dependências físicas, se tem biblioteca, sala de professores, banheiros limpos. "O ser humano é o meio onde vive", lembrou. "Que infâncias temos em Minas Gerais? Quem tem o direito a viver a infância e a adolescência em Minas? Ou a Escola se redefine a partir da infância que temos ou não adianta discutir, nem sequer participativamente", questionou. Para Arroyo, outro aspecto que deve ser considerado pelo Plano Nacional de Educação é a realidade do educador, sua jornada real de trabalho, seu acesso à cultura e à informação.

ATRASO
A secretária de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino (CNTE), Maria Tereza Leitão de Melo, disse que o Plano Nacional de Educação está chegando à sociedade brasileira com 10 anos de atraso, pois estava previsto na Constituição Federal de 1988. Esse atraso reflete-se no conteúdo do próprio plano, devido às reformas constitucionais, em especial da Emenda 14, que inverte a lógica do direito à educação como direito de cidadania. Segundo ela, a emenda estabelece que a educação - definida na Constituição Federal de 1988 como direito de todos e dever do Estado - passa a ser uma questão de oferta. Só é obrigatório o oferecimento do ensino fundamental, os outros níveis seguem a lógica do mercado, obedecem os ditames da política econômica.

Maria Tereza alertou que, apesar de o Plano ainda estar em discussão, o Ministério da Educação está tirando do parlamento o direito de legislar e da sociedade, o direito de intervir, porque muito do seu conteúdo já está em prática por meio de decretos ou de programas especiais, que não precisam passar pelas casas legislativas. Ela criticou a LDB, dizendo que a lei se detém muito mais na questão do ensino que da educação, o que é aprofundado pelo Plano Nacional de Educação que está em debate no Congresso Nacional. Termina nesta terça-feira (19/10/1999) o prazo para apresentação de emendas pelos parlamentares. "É preciso que as assembléias legislativas, sindicatos e associações exijam um outro momento de debate", defendeu.

Segundo Maria Tereza, há uma contradição no relatório do deputado federal Nelson Marchezan (PSDB/RS), relator do Plano Nacional de Educação na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Segundo ela, o relatório faz um diagnóstico da situação, mas não aponta o que fazer para superar o atual quadro nem como construir uma educação de qualidade. Não há propostas para valorizar o profissional - embora seja reconhecido que, sem ele, não há educação de qualidade -; e ainda propõe a definição de pisos setoriais, quando a reivindicação da categoria é um piso nacional.

Ela também criticou a falta de propostas para erradicar o analfabetismo entre adultos. "Talvez em 2002 alcancemos os índices que a Argentina tinha em 1990", disse. Sobre o financiamento da Educação, segundo Maria Tereza o relatório faz a apologia do Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), insinua que ele não é suficiente, mas não assume a proposta de criação do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico). Também é tímida, para ela, a previsão de aumento dos recursos aplicados em Educação - dos atuais 5% do PIB para 7% em 10 anos. Segundo ela, a percentagem atual considera como gastos na área os recursos de precatórios e os repassados para a iniciativa privada. Sem isso, o cálculo da CNTE é de que o gasto com educação seja de apenas 3,7% do PIB.

O deputado federal Gilmar Machado (PT/MG), integrante da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, também falou do relatório de Nelson Marchezan (PSDB/RS), dizendo que o PT vai apresentar um substitutivo. Segundo o deputado, o relatório traz um diagnóstico completo da situação da Educação em Minas, mas está errado na forma de resolver os problemas. Machado questionou as metas apresentadas, que não prevêem a universalização do ensino médio, não definem recursos para a educação infantil e não prevêem a continuidade do ensino para quem for alfabetizado. O relatório prevê o atendimento de 40% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, nos próximos 10 anos, e propõe uma parceria com os Estados para esse atendimento. "Os estados estão com dificuldade para atender o ensino médio e fundamental, como vão fazer parceria para o ensino superior?", questionou.

DEBATES
Na fase de debates, professores, diretores de escolas públicas e representantes de entidades fizeram perguntas orais e por escrito aos expositores. O professor Miguel Arroyo disse que o parecer do relator do projeto de Plano Nacional de Educação, deputado federal Nelson Marchezan, não percebeu que os tempos mudaram na área da educação. Para o professor, o PNE pode ficar muito aquém da educação que já é praticada hoje no País e não atender a reivindicações que são feitas há 20 anos. Ele também afirmou ser contra a reprovação de alunos e favorável à aprovação, respondendo pergunta sobre possível fraude pedagógica cometida pelo governo anterior, ao acabar com a forma seriada de ensino.

O deputado Gilmar Machado chamou a atenção para a necessidade de o Governo Federal investir mais em educação de terceiro grau. Segundo ele, a última universidade federal foi criada no Brasil em 1979, a Universidade de Uberlândia. Desde então, afirmou, a estratégia tem sido apoiar o desenvolvimento dos universidades pagas e, ultimamente, alavancar a criação de mais vagas privadas por meio do apoio à criação delas, através de financiamentos, com juros baixos, para a construção de grandes centros. Ele ressaltou que os municípios nada recebem para investirem na educação universitária.

Já Maria Tereza Leitão de Melo afirmou ser crescente em todo o País o número de contratações de servidores para a área de educação por meio de designação, como em Minas Gerais. Segundo o Sind-UTE (MG), mais de 50% dos trabalhadores em educação são designados, e o Estado não realiza concurso para preencher as vagas existentes.

NÚMEROS CHOCANTES
A deputada Maria Elvira disse ter ficado chocada com os números apresentados, no PNE, sobre a formação dos professores de diversos níveis, no País. O projeto, disse, aponta que 35.267 professores da educação infantil não têm formação do ensino médio. Maria Elvira afirmou que a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, presidida por ela, já promoveu diversas discussões nos últimos seis meses sobre o Plano. A deputada também informou que termina nesta terça-feira (19/10/1999) o prazo para a apresentação de emendas ao projeto do governo federal.

O professor Miguel Arroyo, comentando essas afirmações da deputada, disse que, mais graves do que os números sobre a formação de professores, são a baixa remuneração e a falta de uma política de carreira para os trabalhadores em educação. Ele disse ser impossível que um professor designado há quase 20 anos volte para estudar quatro anos a fim de concluir o ensino médio.

Arroyo afirmou esperar que o plano mineiro voltado para a educação, em discussão durante o seminário, incorpore os avanços já existentes em Minas vivenciados pelas escolas. Já o deputado Edson Rezende (PSB) desejou a todos os participantes que a experiência deles e a vontade de fazer o melhor resultem num plano estadual de educação para Minas Gerais.


Responsável pela informação: Fabiola Faragen - ACS - 31-2907715