Fórum critica a Rodada do Milênio

O encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), a ser realizado em novembro, em Seattle, foi o tema da palestra ...

04/10/1999 - 19:26

Fórum critica a Rodada do Milênio

O encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), a ser realizado em novembro, em Seattle, foi o tema da palestra de Bernard Cassen, diretor do Le Monde Diplomatique, nesta sexta-feira (01/10/1999), no quarto evento do Fórum de Políticas Macroeconômicas Alternativas para o Brasil, promovido pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais em conjunto com o Governo de Minas, Fundação João Pinheiro e BDMG. Segundo Cassen, a "Rodada Mundial" procura uma solução em que tudo pode ser vendido, inclusive serviços essenciais como educação e saúde.

Cassen ressaltou que, no encontro da OMC, serão discutidos três pontos: agricultura, serviços e a propriedade intelectual. Na agricultura, a intenção é entregar a segurança alimentar ao mercado. "Como resultado - alerta - países com vantagens na produção agrícola, como Estados Unidos, a União Européia, Austrália Argentina e até o Brasil, poderão inundar o resto do planeta, tornando impossível manter a agricultura local." Ele defendeu que cada país deve ser auto-suficiente no ponto de vista alimentar. "O povo não pode depender do mercado para se alimentar", observou.

SAÚDE E EDUCAÇÃO
Na área de serviços, Cassen disse que a intenção da Comissão Européia e dos Estados Unidos é ampliar o acordo de livre comércio, abrangendo mais 160 setores, como comércio, atacado e varejo, engenharia, arquitetura, serviços bancários, comunicação, telecomunicação, turismo e, inclusive, saúde e educação. Segundo ele, é inadmissível para os Estados Unidos o oferecimento de serviços públicos de saúde e educação, como é atualmente nos países europeus - há uma vontade das empresas americanas e francesas de entrar nessas áreas. Ele relatou que, na França, a saúde é totalmente gratuita, mantida com contribuições da população, enquanto nos EUA, além de existir um serviço mais caro, há 40 milhões de cidadãos sem qualquer cobertura médica. "As instituições financeiras ficam 'doentes' de ver essas áreas geridas por instituições públicas", afirmou.

PROPRIEDADE INTELECTUAL
A propriedade intelectual também é visada por países europeus e Estados Unidos. A OMC pretende possibilitar a criação de patentes para bens comuns da humanidade, como animais, vegetais e gens. Segundo ele, isso afeta principalmente países tropicais, como Brasil e países africanos, que têm grande diversidade biológica. "Estão querendo patentear o que gerações e gerações de camponeses já usam. Assim, eles teriam que comprar o direito de usar uma planta que passaria a pertencer a uma multinacional", comentou. Cassen disse que os Estados Unidos têm grande interesse no acordo sobre florestas, com interesse de explorar até as já protegidas.

Bernard Cassen defendeu que países como Brasil e França promovam um grande debate nacional antes da Rodada do Milênio porque os acordos, uma vez assinados, serão obrigatórios. Para ele, não deveria haver uma ampliação de temas, mas sim um balanço dos cinco anos de liberalização do comércio. "As organizações não governamentais querem uma moratória das negociações para examinar o funcionamento da OMC", afirmou.

Segundo ele, a Europa está sendo obrigada a pagar US$ 110 milhões como sanção por não querer comprar carne dos EUA - produzida com hormônio. Há 10 anos é proibida, na Europa, a produção de carne com hormônios, por não serem conhecidos os efeitos desse consumo sobre a saúde. Outro exemplo é o governo do Canadá, que foi obrigado a pagar a uma firma multinacional pelos prejuízos que ela terá com alterações na legislação sobre meio ambiente.

Em Seattle, a negociação será feita pela Comissão Européia, em nome de 15 governos europeus. Segundo Cassen, a entidade é ultra-liberal, como os Estados Unidos - que, só para esse encontro, terá 600 mil especialistas - ou lobistas - ligados a multinacionais. "A Comissão Européia e os EUA estarão ultra- representados, enquanto certos governos nem têm representantes na OMC", alerto. Para ele, a Organização Mundial do Comércio não é um fórum democrático, porque a capacidade de negociação dos países é diferenciada - Canadá, Japão, EUA e a Comunidade Européia têm peso, enquanto o resto "é figuração" - afirmou.

REQUIÃO CRITICA DEPENDÊNCIA
O segundo palestrante foi o senador Roberto Requião (PMDB/PR). Ele apresentou um panorama da história de países como Inglaterra, Rússia, Japão, China e Estados Unidos, para mostrar que nenhum deles alcançou o desenvolvimento adotando a teoria liberal. Todos atuam na proteção do mercado interno e na ampliação das exportações, muitas vezes depredando o meio ambiente e, agora, cobrando dos países em desenvolvimento a preservação. "O liberalismo econômico não é praticado em lugar algum", concluiu.

O senador lembrou que o presidente Fernando Henrique Cardoso citava como exemplos de sucesso países como México, Argentina, Venezuela, Coréia e Tailândia - todos eles arrasados pela política econômica da dependência externa. Requião lembrou que FHC é partidário da dependência econômica - tendo sido co-autor do livro "Dependência e desenvolvimento na América Latina". Isto porque, segundo o senador, Fernando Henrique acha que as elites brasileiras são medíocres e incapazes de promover o desenvolvimento. "FHC se transformou em um entreguista convicto porque não confia nos brasileiros", afirmou. O senador lembrou que a Dívida Mobiliária Interna, quando FHC assumiu o governo, era de R$ 52 milhões. "O presidente vendeu tudo, e agora a dívida é de R$ 490 milhões", criticou.

Segundo ele, isso ocorreu porque o governo federal passou a buscar dinheiro emprestado no mercado internacional, com juros de 50,56%, para fazer reserva cambial e segurar a estabilidade do Real. Enquanto isso, aplicava os recursos no mercado internacional com juros de 5,6% ao ano. Para o senador, isso tem gerado o caos, o desemprego e a submissão ao capital estrangeiro. A solução seria mudar a política econômica, apostar no mercado interno e parar de emprestar dinheiro público para a privatização de estatais e a empresas que, no dia seguinte, passam a enviar os lucros para o exterior. Além disso, defendeu a reforma tributária, o alongamento do perfil da dívida interna e a redução dos juros internos.

DEBATEDORES
O ex-secretário de Estado da Fazenda de Minas Gerais Alexandre Dupeyrat disse que, ao assumir o governo de Minas, a política financeira do Estado já estava comprometida com os interesses apontados por Cassen e Requião. Em 1998, o governo federal exigiu que o governo mineiro começasse a pagar a dívida de R$11,5 bilhões, que estava sendo rolada há vários anos. Antes, disse o ex- secretário, com a rolagem, o Estado pagava cerca de R$ 5 milhões por mês e, a partir de janeiro de 1999, foi exigido que pagasse R$ 70 milhões - o que incluía, além dos juros, amortizações do principal da dívida. Isso exigia que o Estado fosse enxugado, mas 90% dos recursos já eram gastos em três áreas: educação, saúde e segurança. "O que se quer é acabar com delegacias, escolas e postos públicos de saúde", acrescentou, referindo-se ao modelo de enxugamento de Estado proposto pelo governo federal.

O ex-secretário lembrou também que, quando o governador Itamar Franco era presidente, havia pressões para a privatização do setor hidrelétrico, que foram rechaçadas por ele. "Esperaram então o governo seguinte para nova investida e conseguiram coisas como a venda de parte das ações da Cemig sem que o comprador desembolsasse qualquer recurso. Na compra das ações, 50% do valor foram financiados pelo BNDES com os juros mais baixos do mundo, e outra parte facilitada pelo governo de Minas. De um patrimônio que vale em torno de R$ 8,5 bilhões, um terço foi vendido por R% 1,1 bilhão", afirmou Dupeyrat.

O professor José Maria Alves da Silva, da Universidade de Viçosa (UFV), disse que os grandes problemas econômicos de hoje podem ser resumidos na concentração da renda mundial, em que poucos países detêm 70% do PIB mundial; e na imposição de barreiras tarifárias, que impedem o desenvolvimento de pequenas economias, mantendo-as submissas aos interesses das grandes potências. O professor de Viçosa disse que as barreiras tarifárias têm sido um mecanismo eficaz de pressão sobre os países. Ele disse que o Brasil, que não erradicou nem a fome nem a anemia, está importando obesidade dos Estados Unidos, através da Coca-Cola, da Pizza Hut e do MacDonald's. Para fazer frente a esse poder, lembrou José Maria, há somente o poder do dinheiro.

Antônio Martins, da Attac-Brasil (a entidade dirigida por Bernard Cassen e que propõe a taxação dos capitais flutuantes), disse que algumas entidades estão se mobilizando para forçar o governo brasileiro a debater, com a sociedade, as propostas do País para a Rodada do Milênio. Ele denunciou que uma das propostas que o Brasil apoiaria seria a do fim da agricultura familiar, proposta pelos grandes países.

O coordenador dos trabalhos, deputado Rogério Correia (PT), disse que é vital lutar contra o que chamou de "Roubada do Milênio" e as intenções nefastas dos principais governos mundiais nela contidas.


Responsável pela informação: Fabiola Farage - ACS - 31-2907715