Ex-perseguidos dizem que luta pela Anistia não acabou

A anistia política de 1979 foi parcial para os opositores do regime militar e ampla, geral e irrestrita para os tortu...

31/08/1999 - 23:15

Ex-perseguidos dizem que luta pela Anistia não acabou

A anistia política de 1979 foi parcial para os opositores do regime militar e ampla, geral e irrestrita para os torturadores e membros da repressão. A avaliação é de participantes da luta pela Anistia e representantes de entidades que lidam com a questão dos direitos humanos que participaram, nesta segunda-feira (30/8/99), no Plenário da Assembléia Legislativa, de debate em comemoração aos 20 anos de promulgação da Lei 6.683, de 28/8/79.

"A luta pela anistia não acabou. Até hoje os mortos e desaparecidos, assim como militares que não participaram da repressão, ainda não foram anistiados", disse o deputado federal Nilmário Miranda (PT/MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Segundo ele, a lei aprovada há 20 anos foi limitada, e excluiu também os que morreram em confrontos e os que foram levados ao suicídio, como no caso de Frei Tito, "que só conseguiu libertar-se das lembranças das torturas sofridas com o suicídio". Nilmário Miranda afirmou, ainda, que a comissão que analisou as responsabilidades do Estado pelas mortes e desaparecimentos durante o período da ditadura militar deixou de fora dezenas de vítimas do regime autoritário.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Até hoje, o Estado brasileiro admitiu sua culpa em apenas 148 mortes e 132 desaparecimentos, num total de 280 casos. Mas, mesmo nestes casos, os familiares tiveram, eles próprios, que providenciar os atestados de mortes presumidas. Nilmário Miranda lembrou, também, que na campanha eleitoral de 1994 todos os candidatos a presidente, inclusive Fernando Henrique Cardoso, assumiram o compromisso de dar uma solução para o caso dos mortos e desaparecidos e de abrir os arquivos dos órgãos de segurança com informações sobre os opositores da ditadura. "Até hoje isso não foi feito", criticou, acrescentando que, também em Minas Gerais, os arquivos do antigo Dops não são acessíveis, pois não estão indexados.

Amélia Telles, do Comitê de Familiares dos Mortos e Desaparecidos (CBA/SP), que foi perseguida e presa juntamente com o pai, o marido e os filhos de apenas 4 e 5 anos de idade, cobrou do Governo Federal uma solução para o caso dos participantes da Guerrilha do Araguaia, que aconteceu entre 1972 e 1974. Ela disse que há 17 anos o Comitê mantém, sem sucesso, ações no Judiciário exigindo que o Estado dê informações e localize onde estão enterrados os mortos do Araguaia. "Em 1982 tivemos uma ação aceita mas o STF negou o seu mérito sob a alegação que a Guerrilha do Araguaia não tinha existido. Isso, apesar de o Exército, a Marinha e a Aeronáutica terem mobilizado cerca de 20 mil homens para combater os guerrilheiros na região", relatou Amélia Telles. "Até hoje, os familiares dos mortos não tiveram o direito de saber onde estão os corpos de seus entes queridos e de enterrá-los dignamente", frisou.

O ouvidor de Polícia de Minas Gerais, José Roberto Resende, ex-preso político de 1971 a 1979, falou sobre o terror nas cadeias e Doi-Codis, "verdadeiras oficinas onde as torturas eram praticadas cientificamente, utilizando-se de experiências adquiridas pelos norte-americanos no Vietnã". Ele lembrou que a luta pela Anistia deu-se nas ruas, não no Parlamento, e que, na época, a Assembléia de Minas não era um espaço democrático. Para ele, os 20 anos da Anistia devem ser motivos de reflexão; e é preciso que a sociedade fique alerta, "pois muitas vezes o ditador pode vir disfarçado de São Francisco". "Derrotamos a ditadura militar mas continuamos submetidos à ditadura econômica, que continua espoliando as pessoas. É preciso continuar a luta pela conquista plena da Anistia e da democracia", completou.

TORTURAS NAS DELEGACIAS
A ex-banida Carmela Pezutti disse que a luta pela Anistia foi a esperança do caminho de volta para os brasileiros que estavam no exílio; e lamentou que, ainda hoje, a tortura continue a ser uma prática comum nas cadeias e delegacias do País. A seguir, recitou um poema do ex-preso político Alex Polari: "Algumas marcas desaparecem / outras ficam por uns tempos / aquele gosto / aquele cheiro / aqueles gritos / estes permanecem / calados lá dentro / colados numa memória essencial / sem intervalos possíveis / vale dizer, definitivos". Carmela Pezutti terminou seu pronunciamento lembrando uma frase de seu filho Ângelo, morto em acidente quando ainda estava no exílio: "Sempre haverá alguém que terá coragem de empurrar a história para a frente".

Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, destacou o papel das mulheres na luta pela Anistia e criticou o atual Governo Federal, dizendo que Fernando Henrique Cardoso "tem sido o pior presidente com relação às questões da anistia". Fazendo coro com outros debatedores, ela cobrou das autoridades a abertura dos arquivos secretos dos órgãos de repressão da ditadura, e falou que os arquivos do Rio de Janeiro e de São Paulo "foram mexidos" antes de serem entregues. Ela condenou, também, o fato de torturadores da época do regime militar ocuparem hoje cargos de confiança nos Governos Estaduais e no Governo Federal. "É preciso dizer um não ao esquecimento e um não à impunidade", ressaltou.

Heloisa Greco, do Movimento Tortura Nunca Mais/MG e do CBA/MG, também disse que o palco da luta pela Anistia foi a rua, não o Parlamento. Ela repudiou o fato de a Câmara Municipal de Ipatinga ter concedido o título de cidadão honorário "a um notório torturador", e defendeu a erradicação das torturas nas delegacias de polícia. "A tortura não atinge apenas os indivíduos, atinge toda a sociedade. Por isso, é um crime contra a humanidade, que não pode prescrever", declarou.

MÃES DA PRAÇA DE MAIO
Duas representantes da Associação "Mães da Praça de Maio", da Argentina, também participaram do debate: Evel de Petrini e Mercedes de Meroño. Elas condenaram o terrorismo de Estado e responsabilizaram o governo norte- americano pelo incentivo e conivência com a prática de torturas nos países latinoamericanos. Elas reafirmaram o compromisso da Associação com a luta pela punição dos torturadores e responsáveis por desaparecimentos, dizendo que eles praticaram crimes de lesa-humanidade, e que "a vida não tem preço".

PRESENÇAS
Participaram do debate, coordenado pelo deputado João Leite (PSDB), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, deputado federal Nilmário Miranda (PT/MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados; Amélia Telles, do Comitê de Familiares dos Mortos e Desaparecidos - CBA/SP; Heloisa Greco, do CBA/MG; José Roberto Rezende, ouvidor de Polícia de Minas Gerais e ex-preso político; Evel de Petrini e Mercedes de Meroño, da Associação "Mães da Praça de Maio", da Argentina; Carmella Pezutti, ex-banida; e Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais - RJ. Também fizeram parte da Mesa Ênio Bohnemberg, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); e a deputada Maria José Haueisen (PT), autora da lei sobre indenização a presos políticos e torturados. Estiveram presentes, ainda, os deputados Adelmo Carneiro Leão (PT), Maria Tereza Lara (PT), Márcio Kangussu (PSDB), Dalmo Ribeiro Silva (PSD), Wanderley Ávila (PSDB), João Paulo (PSD), Edson Rezende (PSB), Gil Pereira (PPB), Doutor Viana (PDT), Antônio Júlio (PMDB), Dimas Rodrigues (PMDB), Mauro Lobo (PSDB), Aílton Vilela (PSDB) e Marco Régis (PPS).


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