Professor diz que globalização prejudica países mais pobres

O processo de globalização, na forma como se dá, tem prejudicado os países mais pobres. A afirmação é do professor ex...

10/08/1999 - 23:45

Professor diz que globalização prejudica países mais pobres

O processo de globalização, na forma como se dá, tem prejudicado os países mais pobres. A afirmação é do professor ex-catedrático de Direito Constitucional, de Direito Administrativo e de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, Friedrich Müller, que participou, na manhã de terça-feira (10/08/99), na Assembléia Legislativa, de um debate sobre o tema "Democracia e Exclusão Social". Participaram deputados, advogados, professores e alunos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG).

O debate foi uma continuidade do "Fórum de Políticas Macroeconômicas Alternativas para o Brasil", promovido pela Assembléia Legislativa, com apoio da PUC/MG, Fundação João Pinheiro, BDMG e Governo do Estado. Ao abrir o debate, o 2°-vice-presidente da Assembléia, deputado Durval Ângelo (PT), afirmou que o mapa da exclusão social em nosso país mostra a existência de toda uma legião de brasileiros à margem da dignidade e do bem-estar material. "São os sem-teto, os sem-terra, os desempregados, os enfermos desassistidos, os menores abandonados, os ocupantes de prisões, a velhice negligenciada, enfim, esses milhões de patrícios para quem a cidadania é figura retórica, e para quem o desenvolvimento humano caminha a passos lentos ou se acha estagnado", disse o deputado.

Para o professor alemão, o sistema democrático deveria firmar-se na soberania do povo, com direito a decidir com base na vontade da maioria. Segundo ele, a legitimidade pretendida está ligada ao processo da vontade do povo na sua totalidade e não através da vontade de grupos, porque, em termos políticos, todos devem ter direitos iguais. "Onde existe um sistema democrático, essa democracia não se pode justificar apenas entre as pessoas ativas. A democracia não pode apenas operar entre os poderes constituídos, mas deve servir todos os destinatários, deve servir para toda sociedade constituída", defendeu.

Entende o professor que a discriminação maciça e a exclusão são nocivas ao povo, e impedem que ele possa se engajar politicamente e exercer influências nas políticas sociais, na previdência e na assistência social. Ainda no aspecto da democracia, Friedrich Müller acredita que "quando o povo governa e domina, tem-se a democracia", e que "a concepção de democracia precisa ser reformulada, porque não basta a ação do povo ativo, do povo destinatário que recebe atenção do Estado". Para ele, uma nova proposta democrática deve ser levada em conta, como uma democracia mais avançada, através de um modelo pelo qual as pessoas do território sejam tratadas como membros de um povo soberano, que pode legitimar os poderes do Estado. Segundo o professor, a democracia não é direito natural, teoria filosófica. Pelo contrário, é um direito positivo de toda pessoa, no âmbito de sua dominação democrática.

EXCLUSÃO SOCIAL
Friedrich Müller procurou em sua palestra decodificar os efeitos e causas da exclusão social. Para ele, a exclusão tem efeito devastador e é fatal, levando o indivíduo ao desemprego, à perda da personalidade e do amor próprio, conduzindo-o ao vício e ao crime. Entende o professor alemão que o Brasil faz parte de países onde impera a exclusão primária, que nega aos indivíduos a dignidade, onde as pessoas não são mais titulares de direitos, não são mais respeitadas, e onde a Constituição serve apenas aos "superintegrados".

Citando dados estatísticos, Friedrich Müller lembrou que existem atualmente no mundo 2 bilhões de desempregados; 1 bilhão de pessoas na extrema pobreza; mais de 800 milhões de pessoas que passam fome; 1 bilhão de analfabetos e 4 bilhões de pessoas que vivem com uma renda inferior a US$ 1.500 anuais. Ele disse que essa miséria não caiu do céu; explica-se pelo subdesenvolvimento dos povos. O professor acha que esses dados catastróficos podem ser creditados à desregulamentação mundial, ou globalização, onde imperam a concorrência desleal em nível internacional, o protecionismo de mercado contra os produtos dos países pobres e a concorrência desleal que destrói o artesanato local dos países menos desenvolvidos.

Friedrich Müller também citou o lado positivo da globalização, como crescimento do comércio mundial, aumento de investimentos e melhoria do padrão de vida nos países ricos. "As conseqüências positivas são para os ganhadores e não para os perdedores", frisou. Para esses, sentenciou, os frutos da globalização não são distribuídos. Em contrapartida, Friedrich Müller acredita que a miséria dos países emergentes está sendo nociva aos países ricos no campo social, uma vez que produzem migrações desordenadas, em escala mundial, exportação do terrorismo, tráfico de drogas, formação de guetos de pobres e crescimento da criminalidade organizada.

DEBATEDORES
Na fase de debates, o presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, professor Romeu Felipe Bacellar Filho, lembrou que a Constituição Federal de 1988 trouxe consigo um arsenal de instrumentos capazes de fazer valer o direito do cidadão, garantias constitucionais que estão à disposição do cidadão para fazer valer os seus direitos e impedir a exclusão social.

Também o professor da Faculdade de Direito da UFMG, Washington Peluso Albino de Souza, citou a Constituição Federal como instrumento que pode evitar a exclusão social, e avaliou que "essa dádiva é retirada por instrumentos da própria Constituição esfacelada, rasgada e desrespeitada todos os dias, através de medidas provisórias adotadas pelos governantes, de emendas constitucionais e outros artifícios que atrapalham a vida do cidadão".

A última debatedora, Cármen Lúcia Antunes Rocha, professora de Direito Constitucional da PUC/MG, agradeceu o empenho da Assembléia na realização do evento. Ela afirmou que todos querem um Brasil no qual o povo se assente no lugar que é dele, porque a degradação da pessoa humana e a exclusão social são incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. "Temos ótimos textos constitucionais que não são postos em prática para atenuar as diferenças sociais. Infelizmente, como dizem os jovens, o governo não tem dado bola para eles", concluiu.


Responsável pela informação: Eustaquio Marques - ACS - 031-2907715