Mendonça de Barros admite possibilidade de cartelização

O ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luiz Carlos Mendonça de Barros admiti...

25/06/1999 - 06:21

Mendonça de Barros admite possibilidade de cartelização

O ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luiz Carlos Mendonça de Barros admitiu, nesta quarta-feira (23/06/1999), à CPI da Cemig, a possibilidade de cartelização no processo de venda de 33% das ações ordinárias da empresa. "É possível que tenha havido cartelização, algo perfeitamente legal e até ético do ponto de vista empresarial. Não há nada, por outro lado, que o administrador público possa fazer para reagir a isso, pois ele não tem instrumentos legais ou administrativos para revidar", afirmou, respondendo a perguntas dos deputados Adelmo Carneiro Leão (PT), presidente da CPI, e Antônio Andrade (PMDB), relator da comissão.

A possibilidade de cartelização foi levantada pela CPI há algum tempo, tendo em vista que, poucos dias após a venda das ações, em maio de 1997, a Southern Electric Brasil Participações - vencedora do leilão - transferiu 90,6% das suas cotas para a Cayman Energy Traders, nas Ilhas Cayman. Essa empresa pertence à Southern Energy International (51%) e à AES (49%). O outro acionista (9,4%) é a 524 Participações, ligada ao Banco Opportunity. A AES tinha sido pré-qualificada para o leilão, mas acabou não participando do lance final. "Cayman é a realidade empresarial do mundo de hoje. Não me parece que haja aí algum indício de irregularidade", acrescentou.

Em entrevista à imprensa após a reunião, o presidente afirmou que a CPI vai analisar se a cartelização pode ser revertida em penalização das empresas e em benefício para o Estado de Minas Gerais. "Para mim a cartelização é um processo irregular, que comprometeu o valor das ações da Cemig e causou prejuízo ao Estado. Para o ex-presidente do BNDES, é legítimo. Vamos analisar a questão tanto do ponto de vista da legislação brasileira, quanto da norte- americana", afirmou, referindo-se aos próximos passos da CPI, que deve concluir seus trabalhos em setembro.

Mendonça de Barros comentou, ainda, ação de improbidade administrativa (má gestão pública) impetrada pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro contra alguns dos envolvidos na privatização da Telebrás - entre os quais ele próprio, que, na época, era ministro das Comunicações. O Ministério Público acredita que houve interferência do poder público no leilão para tentar favorecer o consórcio liderado pelo banco Opportunity na disputa da Tele Norte Leste. A ação é desdobramento do caso do grampo telefônico do BNDES, quando Mendonça de Barros e o ex-presidente do banco André Lara Resende teriam tentado garantir a associação do Opportunity à Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) e sua vitória no leilão da Tele Norte Leste. "O que ocorreu na privatização da Telebrás foi o que o senhor (deputado Adelmo Carneiro Leão) chamou de cartelização. Estou sendo acusado de improbidade por ter tentado impedir esse processo, um dos maiores riscos num leilão", completou, depois de afirmar aos deputados que a cartelização era um procedimento legal e ético do ponto de vista empresarial.

Sobre a transferência de dividendos das ações para a Cayman Energy Traders, o deputado Amilcar Martins (PSDB) citou o depoimento do gerente delegado da Southern Electric à CPI, Cláudio Sales. No depoimento, Sales ressaltou que tal operação é legal e normal no mundo financeiro internacional, sendo reconhecida nos Estados Unidos e não significando prejuízo financeiro para o Brasil, pois toda a transferência de dividendos das ações é feita por contratos de câmbio controlados pelo Banco Central. O objetivo, segundo Sales, é evitar a bitributação. A criação de uma outra empresa nas Ilhas Cayman, neste caso, teve o objetivo, ainda de acordo com Sales, de atrair capital investidor, para que empresas como a Southern Brasil pudessem participar de negócios do porte do que foi o de alienação das ações da Cemig.

BOM NEGÓCIO
Ao responder às perguntas dos parlamentares, Mendonça de Barros frisou que a venda das ações da Cemig foi um dos melhores negócios em termos de preço realizados pelo BNDES, durante o Programa de Estímulo às Privatizações Estaduais. Esse projeto - que atendia à política de privatização do governo FHC, ponto central de seu programa de governo - foi implementado em 18 Estados, entre eles Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Pará, Piauí, Bahia, Sergipe, Ceará e Maranhão. Segundo Mendonça de Barros, o montante de R$ 1,13 bilhão alcançado com a alienação das ações da Cemig foi um enorme sucesso. "O Estado ganhou R$ 600 milhões no processo todo", disse. O deputado Bilac Pinto (PFL) afirmou também que "o governo passado soube vender bem as ações".

Para Mendonça de Barros, o acordo de acionistas - peça integrante do edital de venda das ações, publicado em março de 1997 - foi uma decisão de valorizar a Cemig. "Ele introduziu na gestão da companhia um pouco da metodologia privada, sem que o Estado perdesse o controle efetivo da empresa. O mercado 'leu' o acordo como uma demonstração de competência da empresa, e as ações valorizaram", replicou, respondendo pergunta do deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) sobre perda de controle da Cemig, pelo Estado, em virtude do acordo de acionistas, que prevê o compartilhamento das decisões. "A CPI não pode introduzir juízo de valor para julgar um ato. Isso é quebrar o regime democrático", acrescentou.

A adoção, pelo governo de Minas, de um preço mínimo para o leilão das ações considerado alto pelo próprio BNDES (R$ 1,13 bilhão) também foi objeto de questionamentos. Mendonça de Barros explicou que o preço mínimo mais baixo gera competição, mas, por outro lado, não se tem certeza de até quanto chegará o valor final de venda das ações. Já o preço mínimo mais alto pode espantar as outras empresas pré-qualificadas - o que, segundo ele, teria ocorrido no caso da Cemig. "É preciso correr risco, mas o governo do Estado teve uma postura mais conservadora. Só que não dá para questionar o resultado", opinou, ressaltando que o preço mínimo fixado para as ações da Cemig foi alto e, por isso, não houve prejuízo para Minas Gerais. "Se as ações foram vendidas a esse preço foi porque a Southern queria entrar no Brasil e queria a Cemig", acrescentou, afirmando que, talvez por isso, exista a tese - rebatida por ele - de que toda a operação foi um jogo de cartas marcadas.

GANHO PARA BNDES
Para o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), toda a operação que culminou na venda de 33% das ações ordinárias da Cemig, bem como a interferência do BNDES no processo, merecem análise mais detalhada. Segundo ele, ficou claro, pelo depoimento de Mendonça de Barros, que a "valorização" das ações ocorreu em função de variáveis do edital - entre elas o acordo de acionistas figurando como principal. "Além disso, somente depois que as ações saíram das mãos do governo de Minas é que elas foram valorizadas, e o BNDES ganhou 10% da diferença entre o valor original e o valor final. O Estado, portanto, facilitou o ganho para o BNDES. Temos que analisar se o ganho do BNDES foi legítimo e se há implicação de responsabilidade administrativa", disse. As ações teriam sido valorizadas em três vezes, segundo Mendonça de Barros. No leilão, o valor mínimo era de R$ 60,37. Na época em que foi assinado o contrato entre BNDES e MGI Minas Gerais Participações para emissão de debêntures conversíveis em ações da Cemig, em dezembro de 1995, o preço da ação no mercado seria de R$ 18,00, segundo Mendonça de Barros.

A operação que deu início ao processo de venda das ações da Cemig foi justamente o contrato feito entre BNDES e a MGI, sociedade anônima ligada à Secretaria da Fazenda. Em dezembro de 1995, o banco fez um adiantamento de recursos ao Estado de R$ 250 milhões e, em fevereiro de 1996, mais R$ 183 milhões. Esses recursos, fornecidos a uma taxa de juros de TJLP mais 8%, foram pagos em 16 de junho de 1997. A operação envolveu a emissão de debêntures pela MGI, conversíveis em ações da Cemig, que depois foram alienadas, em maio de 1997. Em resposta ao questionamento do relator da CPI, deputado Antônio Andrade (PMDB), Mendonça de Barros afirmou que essa operação não configurou, em hipótese alguma, um empréstimo - que necessitaria ser aprovado, antes, pelo Senado. "A emissão de debêntures era a tônica das operações do BNDES com os Estados. Todas elas foram aprovadas pelos Legislativos e submetidas aos tribunais de contas. Não houve irregularidade", afirmou.

Outro momento polêmico referiu-se à hipótese de favorecimento e interferência da Southern Electric - vencedora do leilão - na elaboração do edital. "Isso eu nego de forma veemente. O edital é complexo, e são sondados eventuais interessados, mas sou testemunha da forma como os editais são feitos no BNDES", afirmou. Quanto à possibilidade de interferência da Southern no acordo de acionistas, Mendonça de Barros ressaltou que o acordo não cabia ao BNDES elaborar.

TAXA DE JUROS
O ex-presidente do BNDES respondeu também perguntas do deputado Chico Rafael (PSB), que questionou a taxa de juros prevista no convênio entre BNDES e MGI (TJLP mais 8%). Segundo o parlamentar, o índice foi maior do que o aplicado em empréstimo de R$ 600 milhões concedido pelo banco à Southern Electric. De acordo com o deputado, os juros que a Southern teria de pagar seriam de 3,35%, com prazo dilatado para pagamento. Mendonça de Barros afirmou, no entanto, que essa taxa de juro é indexada à taxa de câmbio - o que, de acordo com ele, não implica um índice mais favorável.

Já o deputado Amilcar Martins (PSDB) registrou, no início da reunião, protesto pelo que chamou de atitude discriminatória do presidente da CPI. Segundo ele, era a primeira vez que o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) abria a reunião com palavras de advertência ao depoente. O presidente negou o fato.

ASSESSORIA ESPECIALIZADA
Em entrevista à imprensa, o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), na qualidade de presidente da CPI, afirmou que vai solicitar à Mesa da Assembléia apoio técnico qualificado para detalhar questões levantadas durante os trabalhos da comissão. Especialistas em Direito Econômico e Constitucional seriam os indicados para assessorar os parlamentares. O presidente informou também que a comissão deverá ouvir o ex-vice-presidente da MGI.

REQUERIMENTOS APROVADOS
Foram aprovados, ainda, os seguintes requerimentos:
* do deputado Amilcar Martins (PSDB), solicitando à Companhia Telefônica de Ribeirão Preto (Ceterb) cópia do acordo de acionistas e parte integrante do processo de venda das ações da empresa; e à Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados cópia das notas taquigráficas do debate realizado entre o senador Eduardo Suplicy (PT/SP) e Mendonça de Barros sobre a privatização da Telebrás, em junho de 1998;

* do deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), solicitando ao BNDES as informações e as condições, inclusive com memória de cálculo, relativas ao fluxo financeiro da operação do empréstimo contratado ao banco e da alienação das ações da Cemig, entre o BNDES, o governo do Estado e as empresas que participaram da compra das ações: taxas, prazos, carências, valor da parcela da amortização, juros de cada parcela, valor financiado e forma de liberação dos recursos financiados.

PRESENÇAS
Participaram da reunião os deputados Adelmo Carneiro Leão (PT), que a presidiu, Amilcar Martins (PSDB), Chico Rafael (PSB), Eduardo Daladier (PDT), Antônio Andrade (PMDB), Bilac Pinto (PFL), Bené Guedes (PDT), Marcelo Gonçalves (PDT) e Mauro Lobo (PSDB).


Responsável pela informação: Fabiana Oliveira - ACS - 031-2907715