Reforma do Judiciário é debatida na Assembléia
"A reforma do Judiciário, como está sendo concebida, não vai levar a nada, porque não envolve os principais interessa...
18/06/1999 - 21:07Reforma do Judiciário é debatida na Assembléia
"A reforma do Judiciário, como está sendo concebida, não vai levar a nada, porque não envolve os principais interessados: a sociedade e os juízes". A afirmação é do ministro Carlos Mário da Silva Velloso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que participou, como expositor, do Ciclo de Debates "Reforma do Judiciário", promovido pela Assembléia Legislativa nesta quinta- feira (17/06/1999). Ele defendeu a formação de uma comissão, a mais ampla e representativa possível, que reúna juízes de todo o país e de todas as instâncias judiciais, para debater os principais problemas do Poder Judiciário e propor mudanças. "Sem debate não há idéias, sem idéias não há mudanças, não haverá reforma", frisou ele.Para o ministro Carlos Velloso, o principal problema do Judiciário é a sua morosidade, que foi agravado com a "explosão de processos" que aconteceu no País depois da edição da Constituição de 1988. A Carta Magna, destacou ele, facilitou o acesso do cidadão à Justiça e conferiu ao próprio conceito de cidadania um novo sentido, além de provocar a edição de uma série de novos códigos na legislação brasileira, como o Código de Defesa do Consumidor. E a morosidade, ressaltou, leva à ineficácia e ineficiência. O ministro comparou a justiça brasileira a uma "velha senhora, trôpega, cega e surda, surda inclusive aos reclamos da sociedade brasileira, mas uma velha decente, que pode passar por uma recauchutagem e se transformar numa balzaqueana".
Segundo Carlos Velloso, a estrutura judiciária brasileira não estava preparada para esse novo momento institucional e ainda hoje o apoio administrativo do sistema judiciário é deficiente. O ministro defendeu a racionalização do sistema de recursos da legislação judiciária. Para ele, as leis processuais são excessivamente formais e devem ser simplificadas, não havendo sentido no estabelecimento de duas fases processuais. "Esse sistema é irracional", disse, lembrando que os juízes de varas fazendárias, por exemplo, estão se transformando em "cobradores de tributos".
EFEITO VINCULANTE TRARIA AGILIDADE
O presidente do STF falou também sobre uma norma da legislação jurídica que deveria ser contemplada no projeto de reforma do Judiciário que tramita no Congresso Nacional: a adoção da súmula vinculante - decisão de um tribunal superior sobre determinado assunto que obriga os demais tribunais a seguirem- na, numa consolidação de jurisprudência. O ministro rebateu as críticas de que o efeito vinculante tiraria a liberdade de ação e decisão dos juízes, "engessando" o sistema judiciário. Para Velloso, a súmula vinculante evitaria que processos semelhantes se repetissem em diversos tribunais pelo país afora, o que significa, hoje, perda de tempo e dinheiro.
Outros dois pontos enfaticamente defendidos pelo ministro foram o 'recurso constitucional', que evitaria o surgimento de controvérsias constitucionais acerca de determinados assuntos, o que faz com juízes tenham entendimentos divergentes sobre os mesmos temas; e a 'argüição de relevância', que possibilitaria aos tribunais superiores deixarem de apreciar determinadas ações por não terem relevante interesse para a sociedade. Segundo Velloso, "os tribunais superiores existem para julgar questões que sejam do interesse de milhares, milhões de cidadãos e não para cuidar dos problemas de meia dúzia de pessoas".
CONTROLE DOS JUÍZES E DOS SERVIÇOS
Carlos Mário Velloso apontou ainda outros aspectos que ele julga extremamente relevantes na discussão da reforma do Judiciário: a valorização dos juízes de 1ª instância; o estímulo à criação dos juizados especiais - o que desafogaria os tribunais -; um diagnóstico "científico" da deficiência do número de juízes e a "absoluta necessidade" do controle de qualidade da atuação da magistratura e dos serviços jurídicos. Esse controle seria feito, segundo o presidente do STF, principalmente por meio da adoção do concurso e de uma escola para os magistrados e da instituição de um conselho nacional da magistratura, que acompanharia o desempenho de todos os tribunais.
O outro expositor do Ciclo de Debates foi o advogado Saulo Ramos, ex- ministro da Justiça, que concordou com os pontos apresentados pelo presidente do STF, especialmente a adoção da súmula vinculante. Ele também rebateu as críticas à idéia, que provocaria um efeito subordinativo que ele julga positivo, e foi além: ao criticar o governo federal como o maior responsável pelo "entulhamento" da justiça brasileira, propôs que a súmula vinculante, em ações de inconstitucionalidade julgadas pelos tribunais inferiores, seja irrecorrível, assegurando-se a liberdade de os juízes inferiores não aplicarem-na e obrigando-se a uma fundamentação - o que, segundo ele, seria uma solução para se preservar a liberdade dos juízes.
Saulo Ramos também criticou o processo de elaboração legislativa do Brasil, que ele classificou de excessivamente detalhista, demorado e "ridículo". Para ele, é absurdo que o Congresso Nacional consulte tantas comissões antes de aprovar uma lei, assim como é ridículo que o presidente da República sancione uma lei apenas depois de fazer inúmeras consultas sobre a constitucionalidade da mesma.
JUSTIÇA DO TRABALHO
Sobre a polêmica extinção da Justiça do Trabalho e dos tribunais específicos, proposta pelo relator do projeto de reforma do Judiciário, deputado federal Aloysio Nunes Ferreria (PSDB/SP), Saulo Ramos disse que a idéia vai contra a moderna tendência de especialização do Poder Judiciário. Ele disse, contudo, que a Justiça do Trabalho, como está, é ultrapassada e tem práticas e processos próprios que precisam ser descomplicados. "A Justiça do Trabalho só cuida de salários", ironizou.
O ex-ministro da Justiça defendeu também o controle externo dos tribunais e da magistratura - mas por meio de um conselho integrado por magistrados, uma vez que, segundo ele, a lógica de formação de qualquer conselho é de "iguais se fiscalizando".
DEBATEDORES DEFENDEM ENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE
Um dos debatedores do encontro, o juiz Antônio Álvares da Silva, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT/MG), concordou com o ministro Carlos Velloso e endossou seu "diagnóstico" de que a lentidão é o principal problema da justiça brasileira. Para o juiz, a discussão da reforma é "inútil", e o que é preciso é estabelecer regras processuais e o modo como todas as pessoas terão, de fato, acesso à Justiça. Sobre as críticas à Justiça do Trabalho, ele respondeu que deveria ser aprovada a Proposta de Emenda à Constituição 615, que tramita no Congresso e transforma a JT em juizado especial. "É preciso que os juízes desçam dos instâncias superiores e fiquem mais próximos do cidadão comum", afirmou.
Joaquim Falcão, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que o sistema judiciário brasileiro é excessivamente descentralizado no que se refere à autonomia administrativa e financeira e excessivamente centralizado no aspecto jurisdicional. Ele disse que essa é a matriz da maioria dos problemas hoje enfrentados pela Justiça brasileira e propôs três diretrizes para enfrentá-la: criação de mecanismos de flexibilização jurisprudencial, controle da excessiva autonomia administrativa e financeira dos tribunais regionais e maior descentralização do direito processual.
Outro debatedor foi o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - seção Minas Gerais (OAB/MG), Marcelo Leonardo, que comentou o relatório do projeto de reforma do Judiciário, lembrando que a OAB lançou um manifesto contrário ao parecer do deputado Aloysio Nunes Ferreira. Ele criticou o fato de alguns temas polêmicos - como a extinção da Justiça trabalhista - terem sido tratados e modificados sem a realização de um amplo debate com a sociedade e com a magistratura, e disse que o parecer atende a "interesses estrangeiros" - sem apontar quais são esses interesses. Ele também defendeu a súmula vinculante, a ampliação do número de juízes de 1ª instância e um maior controle administrativo, financeiro e disciplinar do Poder Judiciário.
Olavo Antônio de Moraes Freire, presidente da Associação Mineira do Ministério Público, também criticou a ausência de debates com a sociedade e sobretudo "com aqueles que militam no Poder Judiciário" ao longo da elaboração do relatório do deputado Aloysio Nunes Ferreira.
QUESTIONAMENTOS
Respondendo a questionamentos da Associação dos Defensores Públicos, o ministro Carlos Velloso afirmou que uma das questões que deveriam ser abordadas na reforma do Judiciário é o acesso à Justiça pelo cidadão carente. O ministro concordou com o fato de que os defensores são mal remunerados e mal aparelhados. Mesmo assim, o volume de trabalho é grande. Em Minas Gerais, por exemplo, 80% dos processos que tramitam nos fóruns cabem à Defensoria.
Ao comentar a proposta de extinção da Justiça do Trabalho, o professor da UFRJ Joaquim Falcão destacou que, hoje, a maior parte das decisões relativas a pendências trabalhistas é extra-judicial. "O trabalhador acaba se rendendo e entrando em acordo com o empregador, pois sabe que as decisões na Justiça do Trabalho demoram muito tempo. A questão é saber qual a qualidade deste acordo", concluiu.
PRESIDENTE DESTACA IMPORTÂNCIA DO DEBATE
Na abertura dos trabalhos, o presidente da Assembléia, deputado Anderson Adauto (PMDB), afirmou que a necessidade de reformulação do Poder Judiciário não deve ser interpretada como uma "correção de rumos", mas, ao contrário, significa que as instituições e a sociedade brasileira evoluíram e demandam mudanças na organização de suas relações. O presidente destacou que não cabe ao Legislativo entrar no mérito dos temas polêmicos da reforma, mas afirmou que é dever dos legislativos prover a Justiça com o texto legal em que ela irá se apoiar. Portanto, "se lacunas existem e se falhas ocorreram, devem ser imputadas, também , ao Legislativo e ao Executivo".
MESA
Compuseram a mesa dos trabalhos as seguintes autoridades: deputado Anderson Adauto (PMDB), presidente da Assembléia; deputado Anderson Adauto (PMDB), corregedor da Assembléia e coordenador dos trabalhos; ministro Carlos Mário da Silva Velloso, presidente do Supremo Tribunal Federal; advogado Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça; juiz Antônio Álvares da Silva, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT/MG); Joaquim Falcão, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Marcelo Leonardo, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - seção Minas Gerais (OAB/MG); Olavo Antônio de Moraes Freire, presidente da Associação Mineira do Ministério Público; desembargador Murilo José, vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e representando o desembargador Lúcio Urbano, presidente do TJMG; e Tibagy Salles de Oliveira, presidente do Tribunal de Alçada de Minas Gerais.
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