Advogado defende acordo de acionistas da Cemig

"O acordo de acionistas da Cemig não implicou a perda, para o Estado de Minas Gerais, de sua qualidade de controlador...

30/04/1999 - 04:53

Advogado defende acordo de acionistas da Cemig

"O acordo de acionistas da Cemig não implicou a perda, para o Estado de Minas Gerais, de sua qualidade de controlador da Companhia, nem do ponto de vista formal nem do substancial". A afirmação foi feita pelo advogado Eduardo Grebler nesta quarta-feira (28/04/1999), quando ele depôs na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembléia que apura possíveis irregularidades na venda, pelo Estado, de 33% das ações da Companhia Energética de Minas Gerais - Cemig. O escritório do qual o advogado é sócio - "Grebler, Pinheiro, Mourão e Raso Advogados" - assessorou a MGI - Minas Gerais Participações S/A, responsável pela venda das ações em maio de 1997, entre junho de 1996 e maio de 1997, durante o processo de elaboração do acordo de acionistas, e também está defendendo a MGI na ação popular em curso contra o processo. Eduardo Grebler é especializado em direito societário e internacional e professor da cadeira de Contratos Internacionais, na Faculdade de Direito da PUC/MG. O processo de venda das ações foi concluído em maio de 1997 e os 33% foram comprados pela Southern Electric Brasil Participações Ltda., empresa brasileira que tem como majoritária a Southern American, empresa norte-americana do setor de produção e distribuição de energia elétrica.

Eduardo Grebler afirmou que o acordo de acionistas da Cemig, firmado por ocasião da venda das ações, apenas deu à Companhia a estabilidade necessária para receber um novo acionista com significativa participação acionária. O objetivo foi preservar o novo acionista de mudanças que o controlador poderia, unilateralmente, impor à sociedade, movido por motivações econômicas ou políticas, alterando assim os compromissos que serviram de bases para a atração do novo acionista que, à época da venda, pagou pelas ações um preço cerca de 300% acima da sua cotação em bolsa. Grebler explicou vários aspectos jurídicos do que é um acordo de acionistas, ressaltando ser este um instrumento corriqueiro na vida das sociedades anônimas, e única forma que o direito e a prática das empresas conhecem para assegurar algum equilíbrio entre o poder controlador e o direito do minoritário detentor de participação relevante na sociedade, visando evitar casos de abuso de poder pelo acionista controlador.

ESTADO CONTINUA SENDO O CONTROLADOR DA CEMIG
Para o advogado, está claro que o Estado de Minas Gerais continua sendo não apenas o sócio-majoritário - detém 50,9% das ações - como o controlador da Cemig, uma vez que ele, o Estado, na condição de sócio, tem plenas condições de cumprir, e o faz, três requisitos estabelecidos pela Lei de Sociedades por Ações para caracterizar o controlador de uma sociedade anônima: é titular da maioria dos votos nas assembléias gerais da Cemig; detém o poder de eleger a maioria dos administradores da Companhia (seis dos 11 membros do conselho de administração e cinco dos oito membros da diretoria), e usa efetivamente este poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia.

Eduardo Grebler refutou as críticas que feitas ao acordo de acionistas por aqueles que dele discordam, e que têm como principal argumento o aspecto de que o Estado de Minas Gerais teria deixado de ter "hegemonia absoluta" nas assembléias gerais, aceitando, por exemplo, que a modificação de regras sobre determinados assuntos seja precedida de consenso entre os dois principais grupos de acionistas - o Estado e a Southern - , o que deixaria de atender ao terceiro requisito que caracteriza o controle. Para Grebler, deixar de ter o "controle hegemônico e absolutista" não significa perder a maioria.

Ele ressaltou que as matérias que dependem de prévio consenso entre os acionistas para serem deliberadas nas assembléias gerais são casos de hipóteses de alterações vigentes, e que nenhum deles impede que o Estado dirija as atividades sociais e oriente o funcionamento dos órgãos. Segundo o especialista, mesmo antes do acordo de acionistas, o Estado já não podia alterar unilateralmente o objeto social nem tampouco fazer outras alterações que o acordo também impede, o que significa que tais alterações teriam de ser sempre precedidas de entendimento com os sócios minoritários. Grebler destacou ainda que nem os administradores eleitos pelo Estado, nem aqueles eleitos pelos acionistas minoritários podem, agir como mandatários de seus respectivos grupos, a quem seus votos não devem obediência, e que esses votos só podem se pautas pelos interesses da Companhia. "O Estado de Minas Gerais não perdeu o controle da Cemig por não mais comandar seus administradores", disse ele, "pois, na verdade, nunca os comandou, nem poderia fazê-lo, por expressa vedação legal", afirmou.

PARTICIPAÇÃO DE SÓCIO MINORITÁRIO TEM DE SER EFETIVA
Outro aspecto que tem recebido críticas dos adversários da venda das ações e o acordo e que foi refutado pelo advogado é o de a Cemig ter oferecido, ao novo acionista, meios que asseguram a efetiva participação dos administradores por ele eleitos na gestão da empresa. Eduardo Grebler disse que tal participação, conhecida e praticada em todo o mundo, se dá de forma tal que faça com que certas deliberações de caráter especial para a Companhia requeiram quorum qualificado. Essa regras não significam nenhuma anormalidade e têm caráter regimental, o que, segundo ele, nada têm a ver com o exercício do poder de controle.

O quorum qualificado é exigido, no conselho de administração da Cemig, em quatro situações deliberativas: sobre a celebração de contratos entre a Companhia e qualquer de seus acionistas ou empresas controladoras destes, antes da celebração dos mesmos; quando, por proposta da diretoria executiva, da decisão sobre alienação ou constituição de ônus reais sobre bens do ativo permanente e da prestação de garantias a terceiros de valor individual superior a R$ 1 milhão; sobre empréstimos, financiamentos e outros negócios jurídicos de valor superior igualmente a R$ 1 milhão; e quando da escolha anual, ou destituição, de auditores independentes da Companhia.

"É fácil para os senhores deputados entenderem esse conceito, porque as votações nesta casa legislativa acontecem em moldes semelhantes", comparou ele. "Mesmo que um partido tenha a maioria absoluta de votos, ele está submetido a regras regimentais que asseguram certas prerrogativas aos partidos minoritários, em deliberações colegiadas de caráter especial, o que não implica a perda da condição de partido majoritário", disse ele, que já havia feito, em fala anterior, outra comparação com as regras de funcionamento do Parlamento, quando disse que os membros dos conselhos de administração e da diretoria devem deliberar de acordo com os interesses da Companhia e não apenas do sócio que representam. "Se assim não fosse, seria o mesmo de exigir que os parlamentares tivessem de obedecer estritamente aos ditames de seus eleitores, sob pena de serem destituídos de seus mandatos", disse Grebler.

VENDA DE DEBÊNTURES E SUA TRANSFORMAÇÃO EM AÇÕES FOI LEGAL
Eduardo Grebler falou também sobre a emissão e leilão de debêntures pela MGI - que resultou no processo de venda das ações em si - outro aspecto comentado e criticado em diversos depoimentos já colhidos pela CPI. Ele fez um histórico dos aspectos jurídicos e legais da questão. Debêntures são títulos de dívida que podem ser emitidos por sociedade anônima e que têm, normalmente, garantia flutuante, dando a seu proprietário privilégio geral sobre o ativo da companhia - ou seja, em caso de falência, o debenturista recebe seu crédito antes dos credores comuns.

No caso da venda das ações da Cemig, foi estruturada uma ação, formalizada em diversos instrumentos celebrados entre a MGI e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), através da qual a MGI ficou obrigada a emitir debêntures, que seriam subscritas pela BNDES Participações S/A - BNDESPAR - e que dariam ao debenturista a prerrogativa de transformá-las nas ações ordinárias de Cemig que haviam sido dadas em caução, na proporção de mil ações por debênture, e as ações seriam vendidas, no mercado, pela BNDESPAR, ao preço médio dos últimos 20 pregões anteriores à data da venda, e o resultado seria aplicado para liquidar as debêntures. O saldo remanescente, se houvesse, seria repartido entre Estado, que receberia 70% do valor, cabendo os 30% restantes ao BNDESPAR.

Para evitar que tais ações fossem alienadas por valor inferior ao do mercado, ao invés da BNDESPAR poder transformar as debêntures em ações ordinárias do capital social da Cemig e assim liquidar o débito da MGI, foi autorizado que a própria MGI efetuasse o venda em bloco de ações e, com o produto dessa venda, resgatasse as debêntures. Tal estrutura, segundo explicou Gleber, foi que permitiu ao Estado atrair um sócio com experiência no setor de energia elétrica. Porém, a venda foi mesmo de debêntures, uma vez que, diante da possibilidade de venda das ações, acionistas minoritários pretenderam também vender suas ações, em conjunto com as da MGI, o que poderia dificultar que a MGI conseguisse vender a totalidade das ações.

Ao final do processo, as debêntures foram vendidas por preço três vezes superior à cotação da ação em bolsa de valores na data da avaliação - valor mínimo de R$ 60,37 por lote de mil ações, o que resultou num valor final obtido de R$ 1 bilhão 130 milhões pelo lote de 33% de ações ordinárias, igual ao preço mínimo fixado pelo governo, mas superior em cerca de R$188 milhões à projeção oferecida pela BNDESPAR e pela Cemig. O leilão público aconteceu no dia 28 de maio de 1997, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, sendo vencedora a Southern Electric Brasil Participações Ltda.. Eduardo Grebler ressaltou que todas as ações acima, em todos os seus termos legais, foram submetidas e aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, que as considerou regulares.

DEPUTADOS QUESTIONAM DIVERSOS PONTOS
Depois de sua longa explanação, Eduardo Grebler respondeu a vários pontos questionados pelos deputados Adelmo Carneiro Leão (PT) - presidente da Comissão, Antônio Andrade (PMDB) - relator da CPI, Chico Rafael (PSB) e Eduardo Brandão (PL). Ao presidente da CPI, dentre outras questões, ele esclareceu que o acordo não foi lesivo aos outros acionistas minoritários da Cemig, e que, por se tratar de situação especial, o processo de utilização das debêntures foi o melhor caminho encontrado pelo Estado. Ele afirmou ainda que as ações do Estado foram valorizadas com um "valor agregado".

O deputado Antônio Andrade (PMDB) fez diversas perguntas ao advogado, e criticou especialmente o fato de o acordo de acionistas só permitir ao Estado vender suas ações em bloco, e não "pulverizadas", o que, segundo o deputado "engessaria" a ação do Estado em quaisquer transações de seu interesse. Para Eduardo Grebler, ao contrário, tal condição protege o Estado, e até mesmo resguarda sua condição de sócio majoritário, uma vez que, sendo detentor de 50,9% das ações da Cemig, e se pudesse vendê-las de outra forma que não em bloco, bastaria vender 1% das ações para perder o controle acionário da companhia. "Aí sim o acordo seria lesivo aos interesses do Estado", disse o advogado. O deputado quis saber também o valor do contrato do escritório do advogado com a MGI, Grebler informou que, na primeira fase - quando assessorou a elaboração do acordo de acionistas, entre junho de 1996 e maio de 1997, o valor acordado foi de R$200 mil, com possibilidade de aditamento de 25% deste valor, conforme determina a lei; e, para a fase de representação judicial da MGI nas das ações impetradas, no território do estado de Minas Gerais, contra o processo de venda das ações, o valor do contrato é de cerca de R$150 mil, podendo ser aumentado em caso de ações fora de Minas Gerais.

O deputado Chico Rafael (PSB) indagou sobre a possibilidade de remessa dos dividendos da Cemig para o exterior pelos sócios estratégicos. Em 1998, os dividendos foram de R$ 482 milhões, e os sócios estratégicos detêm 14% capital total da empresa. "Em tese, segundo a legislação sobre remessa de lucros, que foi liberalizada, é permitido remeter tudo, desde que se paguem os impostos devidos. A distribuição dos dividendos não é, no entanto, por si só, remessa para o exterior. É uma operação societária interna. Se houvesse a remessa, teria que ser feita outra operação", afirmou Eduardo Grebler. O deputado também indagou sobre o financiamento de R$ 508 milhões do BNDES à Southern, com prazo de um ano para pagar e sem juros, utilizado como promissória relativa ao leilão de 33% das ações da Cemig. Ele estranhou o fato e perguntou se ele seria "ético", comparando a operação a outro repasse de recursos feito pelo BNDES, desta vez de R$ 433 milhões à MGI Participações, com a cobrança de 8% de juros ao ano mais taxas. "Não sou a pessoa indicada, pois não tenho domínio dos fatos financeiros, mas havia outras operações semelhantes sendo feitas à época", disse Grebler.

O deputado Eduardo Brandão (PL) quis saber se o contrato de acionistas - cujo texto foi elaborado pelo escritório do advogado - não deveria ter tido também aprovação da Assembléia. Segundo o depoente, a lei autorizativa da alienação das ações não faz qualquer menção a outras condições relativas à venda. "Do ponto de vista legal e da Constituição de Minas, a autorização nem mesmo seria necessária, exceto se implicasse alienação do controle da empresa, o que não ocorreu".

PAPEL DA PROCURADORIA DO ESTADO FOI IMPORTANTE
Indagado pelo deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), presidente da CPI, Grebler informou que, ao iniciar seu trabalho, encontrou sugestões feitas pela Southern, que mostrou que seria uma candidata forte ao leilão. Frisou, por outro lado, ao informar que a Procuradoria Geral do Estado participou intensamente do processo de elaboração do acordo de acionistas, que todas as modificações feitas no texto foram sempre com "a nossa concordância; nunca à nossa revelia". Esse ponto foi bastante explicado pelo advogado em resposta a perguntas feitas pelo deputado Amilcar Martins (PSDB), que perguntou sobre o papel da Procuradoria. Grebler afirmou que o acompanhamento dos procuradores do Estado foi fundamental, e que todo o processo foi de intensa e contínua troca de informações não apenas com a Procuradoria mas também com técnicos das secretarias de Estado da Fazenda e do Planejamento.

DEOIMENTO NÃO TROUXE NOVIDADES
O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) fez diversas indagações sobre a perda do controle da empresa pela direção da Cemig, após a venda das ações, tendo em vista o compartilhamento das decisões com os sócios estratégicos e o poder de veto de que eles foram investidos. Eduardo Grebler negou que o acordo de acionistas tenha tido essas implicações. "O conceito de controle compartilhado parte do princípio de que ninguém tem o controle da empresa. Os diversos grupos se compõem, então, para compartilhar esse controle. A realidade da Cemig é diferente, pois Minas Gerais permanece com o controle, com participação limitada dos sócios em situações específicas". Segundo Eduardo Grebler, sócio estratégico é aquele que deve contribuir para o desenvolvimento da empresa, sendo o oposto do especulador.

Para o presidente da CPI, que fez uma avaliação dos trabalhos após a reunião, o depoimento desta quarta-feira não traz novidades ao que foi discutido até agora na comissão. Na opinião do deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), as decisões passaram a ser compartilhadas com os novos sócios, o que significou a perda de controle.

PRÓXIMOS DEPOIMENTOS
A CPI da Cemig vai ouvir, na próxima terça-feira (4/5/1999), o advogado e professor Carlos Ari Sundfeld, de São Paulo, a requerimento do deputado Amilcar Martins (PSDB). A reunião, que é extraordinária, será às 14h30min. Na próxima quarta-feira (5/5/99), a Comissão vai ouvir o procurador do Estado Celso Barbi Filho, que teria participado do processo de elaboração do acordo de acionistas. A reunião será às 15 horas. Depois dessa fase, a CPI deve ouvir o depoimento de Cláudio Sales, gerente-delegado da Southern, que estará assessorado pelos advogados Luiz Carlos Forbes e Rodolfo Protásio. A partir da próxima semana, a CPI deverá realizar reuniões extraordinárias semanais, sempre às terças-feiras, à 14h30, com o objetivo de agilizar e intensificar os trabalhos.

PRESENÇAS
Participaram da reunião os deputados Adelmo Carneiro Leão (PT) - presidente da Comissão, Antônio Andrade (PMDB) - relator os trabalhos; Amilcar Martins (PSDB); Chico Rafael (PSB); Eduardo Brandão (PL) e Eduardo Daladier (PDT). O depoimento do advogado Eduardo Grebler, que entregou diversos documentos à Comissão, sobre todos os aspectos legais que explicou, foi acompanhado ainda pelo advogado Humberto César Mourão, também sócio do escritório que assessorou a MGI durante o processo de elaboração do acordo de acionistas.


Responsável pela informação: Cristiane Pereira - ACS - 031-2907715