CPI colhe depoimentos e ouve proprietário da Endoterápica

Os integrantes da CPI dos Medicamentos Falsos visitam, nesta quarta-feira (11/11/1998), a Penitenciária Dutra Ladeira...

14/12/1998 - 13:53

CPI colhe depoimentos e ouve proprietário da Endoterápica

Os integrantes da CPI dos Medicamentos Falsos visitam, nesta quarta-feira (11/11/1998), a Penitenciária Dutra Ladeira, onde vão colher o depoimento do proprietário do laboratório Endoterápica, Márcio Eustáquio Ribeiro Rodrigues, que está preso e é acusado de crime contra a economia popular. Este será o último da série de 40 depoimentos à CPI. Clandestino, o laboratório foi interditado pela Vigilância Sanitária também por funcionar em péssimas condições de higiene. Nesta terça-feira (10) à tarde, a CPI ouviu nove pessoas, entre proprietários de laboratórios, drogarias e diretor de hospital. Foi aprovado, também, requerimento do deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), relator da Comissão, solicitando a prorrogação da CPI por mais 30 dias, a fim de que os trabalhos possam ser concluídos em 16 de dezembro, como previsto.

Um dos depoimentos desta terça-feira foi o da proprietária da Drogaria Dinâmica, Maria Hely Rosa de Castro, que também é mulher do proprietário da Ação Distribuidora, José Celso de Castro, envolvido nas denúncias de irregularidades e que foi ouvido pelos parlamentares na Delegacia do 1º Distrito de Santo André (SP), onde permanece preso há 52 dias. A Ação Distribuidora foi fechada em junho. Indagada sobre as denúncias de irregularidades envolvendo a Dinâmica, Maria Hely disse que a área comercial era coordenada por José Celso. Apesar de ter 99% das ações da empresa - fundada há dois anos -, ela assumiu o trabalho na Dinâmica apenas em abril de 1998. Respondendo a perguntas dos deputados, Hely informou que o lote falsificado do medicamento Androcur, vendido pela drogaria, foi recolhido, e os 21 pacientes, comunicados. Isso ocorreu em fevereiro deste ano.

A mulher do proprietário da Ação Distribuidora disse, ainda, que José Celso de Castro foi ingênuo e mais uma vítima da rede de medicamentos falsos. "A mídia o julgou e o colocou onde ele está hoje", afirmou. O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) lembrou, no entanto, o depoimento de José Celso à CPI. De acordo com Celso, o Androcur falsificado foi comprado de uma pessoa ligada à estrutura de produção e houve, inclusive, falsificação da nota emitida pelo laboratório. "Como explicar esse erro tão elementar?", indagou o deputado. Segundo Adelmo Carneiro Leão, pessoas graúdas que falsificaram medicamentos ainda estão soltas. "A estrutura é poderosa e há interesses comerciais grandes", destacou.

MEDICAMENTO ERA DA CEME
Hely não soube informar aos deputados como o medicamento Epivir, fabricado pela extinta Central de Medicamentos (Ceme) do Ministério da Saúde, foi parar na Drogaria Dinâmica. Os medicamentos da Ceme eram produzidos por laboratórios públicos, distribuídos diretamente e sem ônus para os usuários e sua comercialização era proibida. De acordo com a depoente, a própria empresa fez uma denúncia espontânea à Vigilância Sanitária em julho, depois de seus proprietários lerem matérias veiculadas na imprensa sobre a falsificação desse medicamento. "Depois é que foi constatado que esse medicamento era da Ceme", disse.

De acordo com Maria Hely, 80% dos medicamentos vendidos pela Dinâmica eram provenientes da Ação Distribuidora e comercializados a preços menores. "Tínhamos um trabalho social, atendíamos a pessoas carentes e conseguíamos vender bem, porque nosso atendimento era diferenciado", afirmou. O faturamento mensal bruto da Dinâmica era de R$ 160 mil a R$ 200 mil, e o da Ação Distribuidora, de R$ 4 milhões. Hely teria investido R$ 50 mil em novas instalações da Dinâmica - dinheiro recebido do FGTS, quando deixou o banco onde trabalhava para se dedicar à empresa.

IRREGULARIDADES EM DROGARIA
Outra pessoa ouvida pelos integrantes da CPI foi o proprietário da Drogaria Americana, de Ipatinga, Paulo Gonçalves Belo. A drogaria é acusada de várias irregularidades, entre elas a venda de psicotrópicos sem receita médica e sem nota fiscal; medicamentos mal armazenados; depósito sem alvará de funcionamento; amostras grátis com embalagem adulterada e presença de medicamentos da Ceme no local, cuja venda é proibida. Não foram encontrados medicamentos falsos na drogaria, que foi interditada pela Vigilância Sanitária em agosto e ficou fechada por 28 dias. Há 14 processos administrativos na Vigilância relativos à drogaria.

Paulo Belo negou a maioria das acusações. Disse que, dois dias depois da interdição da drogaria, apresentou as notas fiscais dos psicotrópicos. Afirmou ainda que não vende amostras grátis, mas às vezes as distribui para clientes do bairro onde está localizada a firma.

A Vigilância Sanitária encontrou também, na visita à drogaria, o medicamento Mancil, produzido pela Ceme e destinado a pacientes com esquistossomose. Segundo Paulo Belo, esse medicamento foi comprado pela empresa BMP Material Hospitalar e deixado na drogaria temporariamente. Essa empresa, que não está funcionando mais, tinha como um dos proprietários América Coelho Belo, mãe de Paulo. "Um rapaz de Caratinga, que vendeu o remédio para a BMP, disse que mandaria as notas fiscais depois. Isso não aconteceu", explicou, acrescentando que já informou à Polícia Federal o nome dessa pessoa.

Outro problema apontado pela Vigilância Sanitária foi a existência de uma cisterna nos fundos da drogaria, repleta de medicamentos sem notas, mas dentro do prazo de validade. Segundo o proprietário, esses remédios estavam vencidos.

HIPOFARMA DÁ EXPLICAÇÕES
Os proprietários do laboratório Hipofarma João Moraes, Diana e Irineu Marcellini também prestaram depoimento nesta terça-feira à CPI. O laboratório teve problemas recentes com o anestésico lidocaína. Dos 4,8 mil frascos produzidos, 21 tinham cloreto de sódio (concentração de 20%) - e não lidocaína. Nove pessoas tiveram problemas, sendo quatro em Pirapora e cinco no Espírito Santo. Na cidade mineira, uma pessoa perdeu uma falange e um menino ficou com uma cicatriz grande no pé. No Espírito Santo, uma mulher precisará de uma plástica corretiva na vagina. O problema é que o cloreto de sódio, nessa concentração, provoca necrose dos tecidos. Do lote 129A do anestésico - o que apresentou os problemas - 63% dos frascos foram utilizados e 37% recolhidos pelo laboratório Hipofarma, entre março e abril. Não foram notificados novos problemas com o anestésico, cuja produção foi suspensa, após visita da Vigilância Sanitária.

João Moraes Marcellini suspeita de sabotagem e já encaminhou o caso à polícia. "Estamos ainda apurando os fatos, mas é improvável que tenha havido erro na formulação do anestésico, tendo em vista que o problema foi detectado apenas em 21 frascos", alegou. Respondendo à indagação do deputado Antônio Roberto (PMDB), vice-presidente da CPI, João Marcellini afirma que a sabotagem pode ter ocorrido dentro da própria empresa, após o processo de controle de qualidade e antes da colocação das tampas nos frascos - que é manual. O laboratório Hipofarma também fabrica soluções de cloreto de sódio (com concentração de 20%), mas o proprietário descarta a hipótese de troca de um componente por outro na etapa de produção. "Se isso ocorreu, não foi acidental".

A empresa também teve problemas recentes com outro medicamento, o sulfato de atropina. Segundo matérias veiculadas pela imprensa, haveria suspeitas de o medicamento ter provocado a morte de duas pessoas no Espírito Santo. João Moraes também respondeu à denúncia, afirmando que relatório emitido pelo Pronto Socorro do Hospital Antônio Bezerra de Farias faz referência a uma ampola de cor escura, gravada em amarelo. Segundo João Marcellini, o frasco produzido pelo Hipofarma é incolor e gravado em vermelho.

A Comissão aprovou, depois disso, requerimento do deputado Adelmo Carneiro Leão, solicitando que sejam encaminhados à CPI todos os relatórios e informações referentes aos casos em que houve seqüelas após o uso de lidocaína e de sulfato de atropina. Os parlamentares - muitos deles médicos - querem saber quais foram os procedimentos adotados pelos médicos depois de notarem problemas com os medicamentos; as reações dos pacientes, etc.

O laboratório Hipofarma tem sede em Ribeirão das Neves e produz medicamentos como anestésicos, produtos parenterais, atropina, glicose e cloreto de potássio. Participa de concorrências públicas e era fornecedor de muitos produtos para a extinta Central de Medicamentos (Ceme).

ACESS DISTRIBUIDORA
A CPI ouviu ainda os ex-proprietários da Acess Distribuidora, Luís Carlos Campos Rezende e Rodrigo Augusto da Silva Ferreira. A empresa foi criada em março de 1996 por Luís Carlos, Antônio Olívio Ferreira e Arlindo Correia de Morais - que, alegando problemas familiares, não quis que seu nome constasse dos documentos da firma. Antônio Olívio Ferreira deixou a empresa pouco tempo depois e passou sua cota das ações para o filho, Rodrigo Augusto, que não tinha qualquer participação efetiva na distribuidora.

Segundo explicou Luís Carlos, a Acess era uma firma pequena, que comprava apenas do laboratório Cibran (Companhia Brasileira de Antibióticos). "Não conseguíamos preços bons dos laboratórios, porque éramos muito pequenos. A empresa não dava lucro e vendia apenas para hospitais, prefeituras e órgãos públicos", disse. Luís Carlos e Rodrigo deixaram a empresa em julho de 1996, mas a alteração contratual ocorreu apenas em 19 de setembro daquele ano, a pedido de Arlindo Correia de Morais. Eles venderam a empresa para Arlindo, que encontrou dois novos sócios: Eliete e Geuceir Felismino, que já prestaram depoimento à CPI e negaram qualquer participação na empresa. Rafael Machado, testemunha da alteração contratual, estava na reunião desta terça-feira.

HOSPITAL DÁ EXPLICAÇÕES
Outro depoente foi Antônio Coelho Neto, diretor do Hospital Miguel Couto. O hospital, que trabalha apenas com o Sistema Único de Saúde (SUS), comprava da Ação Distribuidora. Neto afirmou não saber o volume de medicamentos adquiridos ou quanto o hospital deve à empresa. A CPI recebeu denúncias de que a Ação Distribuidora comprava medicamentos em nome de instituições filantrópicas, que têm isenção de impostos. Segundo depoimento de José Celso de Castro aos parlamentares, o hospital Miguel Couto tinha uma relação muito próxima com a Ação Distribuidora. O diretor negou a informação.

Antônio Coelho Neto afirmou, ainda, que não tem controle das compras ou dispensação - papel que cabe à farmácia do hospital. Disse também que não tem conhecimento da compra de medicação falsificada e que não exige certificado de qualidade das distribuidoras.

PALAVRA DO RELATOR
Segundo o deputado Adelmo Carneiro Leão, relator da CPI, a próxima etapa do trabalho será destinada à elaboração do relatório final. Uma das prováveis conclusões do documento será a necessidade de investir mais na fiscalização da produção e comercialização de medicamentos. "É preciso maior eficácia das ações de Estado e uma atuação mais abrangente e integrada de órgãos como a Vigilância Sanitária, Polícias Federal e Civil", destacou.


Responsável pela informação: Fabiana Oliveira - GCS - 031-2907812