Direitos Humanos discute depoimento de torturador

O torturador e ex-tenente do Exército Marcelo Paixão de Araújo não compareceu à reunião da Comissão de Direitos Human...

17/12/1998 - 00:51

Direitos Humanos discute depoimento de torturador

O torturador e ex-tenente do Exército Marcelo Paixão de Araújo não compareceu à reunião da Comissão de Direitos Humanos que discutiu nesta quarta-feira (16/12/98), com representantes de movimentos de defesa dos Direitos Humanos, matéria da revista Veja em que ele confessa ter torturado presos políticos durante a ditadura instalada pelos militares no Brasil. Para o autor do requerimento que originou a reunião, deputado Durval Ângelo (PT), a frieza e a ironia com que o "algoz" se refere aos seus atos de agressão às garantias fundamentais do homem são a evidência maior de que seus atos não podem ficar impunes. Ele acrescentou, ainda, que o fato de o ex-tenente não ter atendido ao convite da Comissão resultará em uma convocação em fevereiro. "Não deixaremos que este episódio fique sem apuração", garantiu.

O ex-deputado Mário Genival Tourinho, que também apresentou denúncias contra o ex-tenente Marcelo Paixão de Araújo ao jornal Estado de Minas, afirmou que os atos praticados pelo torturador eram institucionalizados pelo regime. Ele enfatizou o fato de o governo dos Estados Unidos ter encaminhado para o Brasil especialistas em tortura, para disseminarem os métodos usados por aquele país durante as guerras da Coréia e do Vietnã. Ele falou, ainda, sobre as informações que forneceu ao jornal, referentes à extorsão praticada por Marcelo Paixão em conjunto com ex-dirigente do Atlético, Afonso Paulino. Segundo Genival, os sócios de Afonso Paulino foram seqüestrados e ameaçados pelo ex-tenente. "O Afonso Paulino disse que estou querendo defender gente que tinha três ou quatro identidades, mas ele se esquece que esse pessoal era sócio dele, sendo, assim, da mesma espécie", relembrou.

Para a representante do Movimento Tortura Nunca Mais, Heloísa Greco, o caso em questão não se refere à discussão se houve ou não tortura. "É preciso pensar nos encaminhamentos para fazer justiça diante desse crime. Ele informou, ainda, que o caso do ex-tenente Marcelo não é recente, pois ele vem sendo citado em depoimentos há mais de 20 anos, como no caso do projeto "Brasil: Nunca mais", onde ele figura ao lado de outros 480 torturadores. "É importante ressaltar que o projeto só traz os algozes citados nos depoimentos. Torturadores como o João Reis, Prata Neto e outros, embora não sejam citados nos estudos, são reconhecidos como agentes de violações como as praticadas pelo Paixão", declarou Heloísa.

O vereador de Belo Horizonte Betinho Duarte apresentou documentos oficiais do governo, que hoje se encontram no Arquivo Público do Estado do Paraná, que apontam o caráter oficial da tortura no Brasil durante a ditadura. O documento traz em sua apresentação um aviso que diz: "Estas notas correspondem a uma tradução adaptada de documentação sigilosa de País amigo. Em conseqüência e por acordo entre governos, o seu manuseio deve respeitar as prescrições". Para o vereador esta é a prova clara de que, além de institucionalizada, a tortura era orientada pela ditadura, e, segundo ele informou, com apoio dos Estados Unidos. Betinho Duarte questionou a validade da anistia fazendo referência aos diversos episódios ocorridos após a aprovação da Lei da Anistia, em 1979. "De 77 a 80 foram 36 os atentados a bomba em Belo Horizonte, provocados pela extrema direita, e nesta década foram 16", informou.

O ouvidor de Polícia, José Roberto Rezende, contou que à época da votação da Lei da Anistia ele se encontrava preso no Rio de Janeiro, e que os presos políticos do Presídio Frei Caneca fizeram greve de fome por 32 dias contra a aprovação da lei. Para ele, a anistia é duvidosa pelo fato de manter no esquecimento os agentes da repressão e forçar os "subversivos" a assumirem o papel dos anistiados. "Quando fui liberto pela anistia, tive ainda que viver por dois anos sob a liberdade condicional. Isso mostra que a anistia não foi tão ampla, irrestrita e recíproca", analisou.

Jornalista sofreu represálias
O jornalista da revista Veja e autor da matéria que trouxe a entrevista com o ex-tenente Marcelo Paixão, Alexandre Oltramari, foi detido por policiais do Departamento de Operações Especiais da Polícia Civil. Segundo o ouvidor de Polícia, o caso será apurado pela Ouvidoria devido às características de violação de direitos que envolvem o incidente. "Fui informado que a Corregedoria já terminou a apuração dos fatos que envolvem o caso. Ao que me consta houve violações de privacidade e impedimento do exercício do trabalho do jornalista, sendo que ele, ao ser abordado, se identificou", contou José Roberto. "A Ouvidoria apurará as denúncias", assegurou.


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