Violência policial e fiscalização do Judiciário

Os temas "Segurança Pública e Direitos Humanos" e "Implementação dos Direitos Humanos" foram abordados, nesta quarta-...

26/08/1998 - 16:31

Violência policial e fiscalização do Judiciário

Os temas "Segurança Pública e Direitos Humanos" e "Implementação dos Direitos Humanos" foram abordados, nesta quarta-feira (19/8), durante o Seminário Legislativo Direitos Humanos e Cidadania, promovido pela Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.

O ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Benedito Domingos Mariano, falou sobre a história da implantação da Ouvidoria naquele estado. Criado por decreto do governador, em janeiro de 1995, o órgão foi implantado em novembro daquele ano com a função básica de ouvir as reclamações e denúncias da população de São Paulo contra policiais. Segundo o ouvidor, em 1996, primeiro ano de atuação, as principais reclamações referiam-se a problemas estruturais das polícias Civil e Militar; pediam a intensificação das investigações da Polícia Civil no problema do narcotráfico e aumento de policiamento. No segundo ano, após as denúncias de violência policial na Favela Naval, o perfil das reclamações mudou, passando a abordar os abusos de autoridade. "Isso demonstra que a população quer a polícia na rua, mas que apure os fatos dentro da legalidade e não que cometa atos mais delituosos do que os que deveria investigar", comentou.

O ouvidor da Polícia de São Paulo destacou, ainda, outras contribuições do órgão, como a revisão completa do regulamento interno da Polícia Militar. Segundo ele, o novo regulamento altera o conceito das transgressões cometidas pelos policiais. Hoje, ressaltou, 80% das infrações disciplinares são classificadas como as cometidas pelos policiais dentro do quartel. O novo regulamento inverte esse princípio e classifica as principais transgressões como as cometidas junto à população, no exercício da atividade-fim do policial. Retira, também, cerca de 40 transgressões definidas durante o período ditatorial, como a obrigatoriedade de que o policial pedisse autorização ao superior quando quisesse se casar. Benedito Mariano contou, ainda, que a Ouvidoria tornou-se um canal para que os próprios policiais denunciassem abusos de autoridade cometidos internamente, na Polícia.

Outra contribuição para mudar o regulamento foi a alteração no perfil do treinamento de tiro dos policiais, que passam a ganhar mais pontos se atingirem partes não letais, como braços e pernas. Segundo Benedito Mariano, de 1990 a junho de 1998, 5,4 mil civis foram mortos por policiais e 111 policiais morreram em confronto com a criminalidade, em São Paulo. "É preciso mudar a visão de que polícia eficiente é polícia violenta", ressaltou.

O ouvidor defendeu, ainda, que é necessário que a sociedade civil e a polícia cheguem a um novo modelo, que substitua aquele proposto pelo regime autoritário, de uma instituição que investiga pouco e faz muita polícia política. "Precisamos de uma polícia que investiga para prender e não o contrário", observou. Para Benedito Mariano, "defender uma polícia justa, bem remunerada e equipada também é lutar pelos direitos humanos".

MUDANÇAS NA POLÍCIA
O diretor do Centro de Estudos e Pesquisas da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Ruy Gomes Chaves, ressaltou que a polícia é um importante instrumento de defesa da cidadania, uma vez que tem como funções básicas a manutenção da ordem, a repressão ao delito e as práticas preventivas. Ele reconhece, no entanto, que, no Brasil, há dificuldades para compreender essa idéia porque o país está saindo de uma história recente de autoritarismo, em que o papel da polícia distanciou-se da defesa da sociedade em seu empenho a serviço do Estado. "Na medida em que o Estado não era a expressão da vontade política de seus cidadãos, a polícia pertenceu ao sistema também", observou. Para Ruy Chaves, é fundamental que todos aprendam que "a base da autoridade não é mais o autoritarismo, mas a legitimidade, fruto da credibilidade".

Ele ressaltou, principalmente, que polícia e democracia e polícia e direitos humanos não são incompatíveis, mas que é necessário completar a transição do Estado Autoritário para o Estado Democrático, passando de uma "polícia reativa" para uma "pró-ativa"; de uma "força de polícia" para um "serviço de polícia" e de uma "polícia do Estado" para uma "polícia do cidadão".

CONTROLE DO JUDICIÁRIO
O pesquisador do Grupo de Estudos sobre Criminalidade e Controle Social da Fundação João Pinheiro, Luís Flávio Sapori, fez uma análise dos dilemas de governo na articulação das políticas de Segurança Pública e garantia dos direitos civis. Segundo ele, há duas dimensões da questão. Uma delas é a contenção do arbítrio do Estado e a definição de limites para ele, que detém o monopólio do uso da força. A outra é a deficiência do Estado na garantia dos direitos do cidadão, como o direito à vida e à propriedade. Para Sapori, as duas missões não são facilmente conciliáveis, o que faz com que a sociedade democrática viva um dilema, ainda maior no Brasil devido ao crescimento da violência. Há uma grande pressão pela eficácia da polícia, pela agilidade e melhoria do Judiciário e do setor carcerário, o que torna ainda maior o desafio de fazer com que tudo funcione nos limites da legalidade.

Sapori comentou, ainda, a visão que a população tem da Justiça, como foco de ineficiência e ineficácia, principalmente no Judiciário que, para ele, sofre uma crise de legitimidade, recebendo críticas de elitismo e morosidade. Ele se disse preocupado com as propostas para tentar resolver esses problemas, principalmente a de controle externo do Judiciário. Para o pesquisador, pensar em uma corregedoria não só administrativa, mas que questionasse também as decisões dos juízes, é um equívoco, um retrocesso. Sapori acredita, porém, que a idéia de uma fiscalização sobre as decisões administrativas seria interessante.

Para o pesquisador, o controle não vai resolver umas das principais queixas da população, que é contra a morosidade da Justiça. Ele acredita que esse problema, em certo grau, é intrínseco à justiça moderna, que prevê uma série de procedimentos formais para garantir o acesso do cidadão à justiça. "Nem por isso podemos compactuar com a demora. Há um tempo indesejável de espera que é claramente um fator de impunidade", ressaltou. Sapori criticou o que chama de "justiça linha de montagem" - quando os promotores e juízes, no dia-a-dia, vivem em uma "busca insana de produtividade", o que pode trazer efeitos danosos à garantia de legitimidade. Ele disse, ainda, que é imprescindível uma reforma do processo penal - o que foge ao âmbito do Estado - e defendeu o fortalecimento dos juizados especiais criminais.

Sapori disse, também, que a violência policial não está conectada ao caráter militar da polícia. A cultura militar transmite, como missão organizacional, o extermínio do opositor, mas, ao mesmo tempo, prega a hierarquia forte e a obediência estrita às ordens. Para ele, a unificação das polícias pode trazer mais eficácia, mas não será garantia do fim da violência. Esse objetivo poderá ser alcançado, na opinião dele, com a aproximação das organizações de Direitos Humanos e de Segurança Pública.


Responsável pela informação: Fabiola Farage - GCS - 031-2907715