A campanha busca alterar, por meio de iniciativa popular, lei federal que trata das restrições ao uso e à propaganda de bebidas alcoólicas, entre outros produtos
Antônio Jorge (centro) explicou que o objetivo é colher dois milhões de assinaturas para enviar o projeto ao Congresso Nacional

ALMG adere à campanha para restringir publicidade da cerveja

Uso de álcool e outras drogas é cada vez mais precoce entre jovens, o que reforça necessidade de mudança na lei federal.

17/06/2016 - 15:45 - Atualizado em 17/06/2016 - 18:14

No Brasil, o consumo de bebidas alcoólicas atinge 57% da população em geral. Entre os jovens, 78% fazem uso desse tipo de bebida e, desse total, 19% são dependentes, conforme mostra uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), intitulada Pesquisa Conhecer e Cuidar 2015.

Diante dessa realidade, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) formalizou, em reunião realizada nesta sexta-feira (17/6/16), a sua adesão à campanha "Cerveja Também é álcool", que pretende restringir a publicidade da bebida. A ocasião também marcou a primeira reunião da diretoria da Associação Nacional pela Restrição da Propaganda de Bebidas Alcoólicas, constituída por diversas entidades com o intuito de mobilizar a sociedade para a causa.

A campanha, que é uma iniciativa do Ministério Público de São Paulo, busca alterar, por meio de iniciativa popular, o parágrafo único do artigo 1° da Lei Federal 9.294, de 1996, que trata das restrições ao uso e à propaganda de bebidas alcóolicas, entre outros produtos. 

O dispositivo que se pretende alterar considera como bebida alcóolica aquelas com teor alcoólico superior a 13 graus Gay-Lussac, o que excluiria da classificação a cerveja. Nesse sentido, propõe-se com a campanha que a restrição à publicidade abranja toda e qualquer bebida com graduação alcoólica igual ou superior a 0,5 grau Gay-Lussac.

Aberração - O deputado Antônio Jorge (PPS), presidente da Comissão de Combate ao Uso do Crack e Outras Drogas e membro da Associação Nacional pela Restrição da Propaganda de Bebidas Alcoólicas, classificou como uma aberração o fato de a legislação brasileira tratar a cerveja, que é uma substância etílica, de forma excepcional.

Nesse sentido, reforçou a importância da iniciativa e explicou que o objetivo é colher dois milhões de assinaturas para enviar ao Congresso Nacional um projeto de iniciativa popular para mudar uma questão que, na sua avaliação, atende a interesses econômicos da indústrai cervejeira. Segundo o deputado, até o momento já foram colhidas 40 mil assinaturas.

"Estamos com uma evidência, corroborada por várias fontes, de que no Brasil há um fenômeno de que os jovens estão bebendo muito mais do que o crescimento das outras faixas etárias e cada vez mais precocemente". O parlamentar acredita que esse fenômeno que é uma demanda induzida e o principal fator é a legislação que regula a propaganda de bebida alcoólica, que considerou falha.

Antônio Jorge ainda reforçou a importância do tema ao lembrar que o uso do álcool traz uma série de problemas àquele que o consomem de forma abusiva, além de ser uma porta de entrada para que os jovens consumam outras substâncias nocivas à sua saúde.

"Não é uma campanha de ordem moral, contra ninguém, nem contra a cerveja. Não estamos preocupados em proibir ninguém de beber. Queremos é responsabilidade no uso e, principalmente, proteger os jovens e as crianças como manda a Constituição", concluiu.

Assembleia - O presidente da ALMG, deputado Adalclever Lopes (PMDB), esteve na reunião e disse que a Assembleia vai prestrar todo o apoio à causa, que, na sua avaliação, é um problema que preocupa toda a sociedade. "A partir de agora esta será uma pauta da Assembleia, e não somente da comissão", disse.

Para a promotora de Justiça do Tocantins e presidente da Associação Nacional pela Restrição da Propaganda de Bebidas Alcoólicas, Maria Roseli de Almeida Pery, espera-se que a mobilização social para a campanha venha a partir da informação e do conhecimento dos reais fatos que implicam da propaganda da cerveja em horário livre.

"Estamos dizendo que, em razão desta influência que a mídia tem, existe esse aumento do numero de jovens inciando muito cedo a ingestão de bebida alcoólica. Além desse dano individual para a saúde, existem consequências para as famílias e a sociedade", disse.

Uso abusivo de álcool é questão de saúde pública

A ideia de que a questão constitui-se como um dos principais problemas na área da saúde pública foi corroborada pelo professor e coordenador do Centro de Referência em Drogas da UFMG, responsável pela pesquisa, Frederico Garcia.

Segundo ele, que foi o coordenador da pesquisa Conhecer e Cuidar 2015, em Belo Horizonte 72% dos cidadãos já experimentaram bebida alcoólica e 50% continuam fazendo uso regular. Além disso, o levantamento mostrou que 20% da população acaba tendo algum problema em decorrência do uso do álcool e, desse total, 10% tornam-se dependentes. Agregado a isso, Frederico Garcia disse que, das pessoas que são dependentes de álcool, só 4% já tiveram acesso a alguma forma de tratamento.

Por outro lado, segundo o professor, há uma diminuição de cerca de meio ano a cada década de vida no que se refere à idade de experimentação de bebidas alcoólicas. "Pessoas que tem 60 anos ou mais experimentaram em media aos 19 anos e hoje as pessoas que tem 15 a 18 anos estão experimentando aos 15 anos", explicou.

Para o pesquisador, com a diminuição da idade média de experimentação, há um tempo maior de exposição desses jovens ao longo da vida e, em virtude disso, os danos vão se acumulando. "O cérebro do adolescente está em desenvolvimento. Então, qualquer droga vai alterar esse desenvolvimento normal, com modificações e danos que vão perdurar ao longo da sua vida", pontuou.

Como consequência da dependência e do uso abusivo do álcool e outras drogas, o professor advertiu que os jovens podem tornar-se mais impulsivos e desinibidos, podendo também apresentar dificuldades cognitivas, diminuição de reflexos, além de implicações sociais. Para ele, o problema está diretamente associado à força exercida pela mídia no convencimento de que o uso de álcool deve ser sempre mais precoce e feito por mais pessoas.

Rede de dependência - O uso abusivo de álcool e outras drogas pode trazer consequência danosas não apenas para o usuário, mas envolve também uma rede de pessoas ligadas a ele. É o que pontuou o vice-presidente do Conselho Municipal de Política sobre Drogas de BH e coordenador regional da ONG Amor Exigente, de Belo Horizonte, João Francisco. Segundo ele, o álcool em BH acomete sob forma de abuso ou dependência cerca de 304 mil pessoas.

"Considerando que cada pessoa tem pelo menos três familiares que se preocupam e sofrem por conta dessa pessoa que faz uso abusivo e dependente, podemos dizer que temos 900 mil pessoas familiares de usuários que estão sofrendo por conta desse uso inadequado", disse.

João Francisco lembrou que a instituição tem um trabalho focado na atenção a familiares, amigos e parentes de quem têm problemas desse tipo. Em Belo Horizonte, são realizados aproximadamente 600 atendimentos por mês.

Programação - Ao longo da próxima semana estão previstas outras ações voltadas ao tema, como um ato público na Praça 7, Centro de BH, que vai abrir a semana de prevenção ao uso e abuso de álcool e outras drogas, na segunda-feira (20); a coleta de assinaturas na Assembleia para o projeto de iniciativa popular que pretende alterar a legislação federal; e o Debate Público "Álcool não é brincadeira", na sexta-feira (24), no Plenário.