O documento final com todas as sugestões vai servir de base para o aprimoramento do PL 2.882/15, do Executivo, que contém o plano
Zanardi explicou que, pela 1ª vez, foi feito um plano com metas, estratégias e fontes de financiamento
Macaé falou sobre mudanças na política nacional e seus efeitos no planejamento da educação
Parlamentares reforçaram a importância das discussões feitas no interior sobre o plano estadual

Debates reforçam papel da escola no respeito à diversidade

Assunto é destaque em abertura da etapa final de fórum sobre o Plano Estadual de Educação, que lotou o Plenário da ALMG.

15/06/2016 - 13:49 - Atualizado em 15/06/2016 - 19:39

O respeito à diversidade, em suas múltiplas perspectivas, e o papel que a escola pode ter nesse contexto foi o destaque nas discussões, na manhã e início da tarde desta quarta-feira (15/6/16), da etapa final do Fórum Técnico Plano Estadual de Educação, no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O início destes três dias de discussões, promovidas pela ALMG para decidir o futuro da educação pública no Estado, vai coroar 13 meses de trabalho, marcado pelas reuniões preparatórias no Parlamento mineiro, 12 encontros regionais, uma consulta pública pela Internet, além de dois debates públicos na ALMG. No centro das atenções está o Projeto de Lei (PL) 2.882/15, do Executivo, que contém o plano, em tramitação no Legislativo estadual. O documento final do evento com todas as sugestões vai servir de base para o aprimoramento da proposição.

O presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG, deputado Paulo Lamac (Rede) ressaltou que, "depois de uma gestação que extrapolou os noves meses", é importante concluir essa etapa fundamental para aprovação do Plano Estadual de Educação. Ele explicou que foi uma decisão de Estado fazer um debate amplo sobre o assunto, em que prevalecerão as expectativas e a realidade de Minas Gerais, mesmo excedendo o tempo de elaboração previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), que serve de base para o documento estadual.

Lamac ressaltou ainda a qualidade das contribuições, que foram muito além dos números expressivos e da participação, que teve recorde de inscritos nesta etapa final, segundo ele. Lamac ainda lembrou a participação prévia ao fórum da ALMG, com a discussão do plano ainda no Fórum Estadual de Educação, entidade que congrega várias entidades do setor e encaminhou a minuta do projeto de lei à Secretaria de Estado da Educação. Essa minuta foi discutida no Executivo e encaminhada ao Parlamento por meio do PL 2.882/15.

Orlando - Citando o ataque a uma boite gay nesta semana, em Orlando, nos Estados Unidos, que culminou na morte de 49 pessoas, mais o atirador, o doutor em educação e professor de pós graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Teodoro Adriano Costa Zanardi, um dos palestrantes do evento, questionou os presentes a respeito do que a escola pode fazer para criar condições para que esse tipo de episódio não aconteça por aqui.

Com relação ao episódio, ele mencionou uma reportagem do jornal Washington Post, que teria destacado que o atirador que cometeu o atentado teria sido vítima de preconceitos e rotineiras humilhações na escola. "A escola vai permanecer na cultura do silencio ou assumir o seu papel", disse Zanardi, que também lembrou que a Unesco ressaltou que no Brasil a perspectiva da diversidade de gênero deve ser incorporada. "A escola não pode ser o lugar de produção de opressores", afirmou.

O atentado também foi lembrado pela presidente no Estado da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e coordenadora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Beatriz Cerqueira, que citou nominalmente as vítimas do episódio em Orlando e abordou a questão da escola como um lugar de respeito à diversidade.

“Se não discutirmos a educação como um lugar de respeito à diversidade, nós também seremos responsáveis por essas mortes”, ressaltou Beatriz, ao lembrar que a sociedade não pode ser omissa e achar que a escola não é lugar para discutir isso. Para ela, é preciso lutar por uma escola pública gratuita e democrática a fim de ter um mundo com mais tolerância e diversidade.

Tolerância - A defensora pública Júnia Roman Carvallho também defendeu a escola que respeite a diversidade e seja tolerante. “Nossas crianças precisam ser educadas para não machucar outras. E precisam ser protegidas se elas não têm identificação com as demais”, disse. “Não podemos continuar sendo violentos com o diferente. Isso existe e faz parte da realidade”, completou.

Também em defesa das diferenças, o vereador de Belo Horizonte, Arnaldo Godoy, pediu um o plano decenal de educação que inclua todos, em toda sua diversidade, em prol de uma escola plural. Para ele, a intolerância contaminou os planos municipal e nacional de educação e pediu que isso não ocorra no estadual.

Sociedade é tolerante à desigualdade

Ainda abordando a questão da diferença, o palestrante Teodoro Zanardi pontuou que a sociedade brasileira é tolerante com a desigualdade que afeta o outro e citou como exemplo o fato de o negro não ter acesso ao ensino superior. "Mas quando a diferença nos interroga e se impõe na sala de aula, isso não é tolerado. Para construir uma sociedade solidária é necessário o encontro entre diferentes", declarou.

Nessa linha, Zanardi considerou que falar em qualidade na educação é muito mais do que se restringir ao quesito da nota do aluno, ou ao seu resultado no Enem ou no Ideb, indicadores, respectivamente, da qualidade do ensino médio e da educação básica.

Outro ponto frisado foi a questão da gestão democrática, que, segundo ele, aparece no Plano Estadual de Educação. Zanardi explicou que a construção do plano ensina que quando há construção democrática, há apropriação dos projetos pela sociedade e pela comunidade escolar. Ele também disse que atualmente os projetos educacionais têm sido marcados pela descontinuidade, acompanhando as mudanças de governo. 

Sobre os planos nacional e estadual, o palestrante ainda destacou que, pela primeira vez, foi feito um plano com metas, estratégias e fontes de financiamento. Segundo ele, o plano anterior não abarcava a parte de financiamento e, por isso, não se tornou realidade. O professor também enalteceu o caráter participativo do plano e pontuou que participação não pode ser confundida com mera comunicação.

Conceito de direito à educação é tardio

A secretária de Estado de Educação, Macaé Evaristo dos Santos, considerou que o Estado de Direito previsto constitucionalmente pressupõe o questionamento sobre o conceito de cidadania universal construída a partir do silenciamento das "diferentes diferenças existentes". "Construir o direito à educação é construir o direito das pessoas terem total direito a uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade", defendeu. Ela disse que um dos debates travados na construção do plano foi o de afirmar valores de igualdade dentro de um padrão racista e sexista.

Para ela, o conceito do direito à educação foi construído na sociedade brasileira tardiamente e, por esse motivo, será marcante a lei que vai criar o Plano Estadual de Educação. Macaé lembrou ainda que, ao aprovar a Lei Áurea (libertação dos escravos), o Brasil aprovou também dois decretos que marcaram a concepção de educação ao longo do século 20: um deles proibia a admissão de escravos nas escolas públicas e condicionava a instrução de adultos negros à disponibilidade do professor; e outro estabelecia que negros libertos maiores de 14 anos pudessem estudar no horário noturno.

"A partir das lutas dos movimentos sociais e do período de alternância de ditadura e democracia no País, tivemos propostas de expansão da educação pública sempre ceifadas por movimentos da elite, que não permitiam a participação de certos setores da sociedade", analisou. Nesse sentido, ela lembrou os avanços da Constituição de 1988, sendo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação aprofundou os elementos de construção da educação pública inspirada em questões como o pluralismo de ideias e concepções, respeito à liberdade, valorização do profissional e a diversidade étnica e racial.

A secretária falou das mudanças na conjunta política nacional e seus efeitos sobre o planejamento da educação pública. "Começamos dentro de uma conjuntura e agora estamos construindo este plano no contexto de um golpe" afirmou. Ela criticou medidas propostas pelo governo federal interino, como a desvinculação no orçamento público de investimentos em educação e saúde e da adoção de políticas de meritocracia, com foco único nos resultados dos estudantes.

Críticas - Coordenador do Fórum Nacional de Educação e secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Heleno Araújo denunciou que a entidade que coordena, criada pela Lei Federal 13.005, de 2014, não está sendo respeitado pelo governo interino. Segundo ele, o Fórum estaria sendo isolado em suas atividades, além de toda a equipe operativa ter sido exonerada.

No que se refere aos planos nacional e estadual de educação, ele lembrou que tais planejamentos preveem um diagnóstico concreto no Estado da atual situação da alfabetização das crianças, jovens, adultos e idosos. Dentro dessa perspectiva, ele fez uma série de questionamentos com relação a temas que precisam ser observados, reforçando que o Brasil carece de uma cultura de planejamento.

Debates – Na fase de debates, muitos defenderam a inclusão de referências à identidade de gênero, diversidade e orientação sexual no plano estadual. Muitos disseram que machismo, homofobia e racismo só poderão ser combatidos de verdade diante de uma escola plural e com a possibilidade de discussão sobre essas questões. Alguns participantes, no entanto, criticaram a inclusão dessas referências, dizendo que seus defensores estavam querendo segregar a sociedade, bem como deturpar conceitos de homem e mulher, interferindo no modelo tradicional de família.

Deputados ressaltam importância do fórum

O deputado Rogério Correia (PT) destacou que seria impossível realizar um fórum como esse se não fosse um governo que permitisse a pluralidade. “Com as diferenças, é preciso o convívio e o debate democrático para construir este plano mineiro da educação”, disse. Ele disse ter certeza que teremos avanços no sistema educacional ainda maiores do que tivemos no passado, apesar dos retrocessos anunciados em nível nacional.

Já Dalmo Ribeiro Silva (PSDB) ressaltou a importância desta etapa final do fórum, que vai finalizar as discussões feitas durantes vários meses de trabalho e resultar no aprimoramento do projeto de lei do Plano Estadual de Educação. Bosco (PTdoB) saudou os profissionais da educação presentes e reforçou a importância das discussões no interior.

Por fim, o secretário de Estado de Desenvolvimento Agrário, o ex-deputado Professor Neivaldo, ressaltou as conquistas da categoria e a preocupação do governo estadual em melhorar a educação em todos os aspectos. Para ele, a construção do plano mostra o compromisso do Estado ao que já foi conquistado, em contraponto ao que está tentando se fazer na esfera federal.