Representantes de programas estadual e municipal de São Paulo apresentaram as principais ações dos projetos que atendem a usuários de drogas
Juliana Bueno apresentou o programa São Paulo de Braços Abertos, voltado para a Cracolândia
Gleuda Apolinário falou sobre o programa Recomeço, do Governo do Estado de São Paulo
Segundo Egon Schlüter, há hoje no Brasil 1.862 comunidades terapêuticas

SP apresenta experiência no tratamento de usuários de drogas

Programas em curso na Cracolândia da capital paulista têm abordagem multidisciplinar desse problema.

26/06/2015 - 19:31

A abordagem multidisciplinar, envolvendo esferas diferentes de governo e da sociedade civil, pode ser o caminho para atingir resultados melhores no tratamento dos usuários de drogas. Essa posição foi defendida pelos participantes do segundo painel do Ciclo de Debates Políticas Sobre Drogas e a Juventude: Prevenção, o "X" da Questão, na tarde desta sexta-feira (26/6/15), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O tema do painel foi "Abordagens clínicas e terapêuticas ao consumo de drogas: Necessidade de ampliação da rede, prática e formação."

Participaram dessa mesa duas representantes de programas de atendimento a usuários de drogas, especialmente na Cracolândia: uma do Governo do Estado de São Paulo, Gleuda Apolinário; e outra da Prefeitura de São Paulo, Juliana Moura Bueno. Depois de apresentarem as principais ações dos projetos em separado, as duas gestoras concordaram que eles atuam numa linha de complementaridade - o da prefeitura, com a ótica de redução de danos para o usuário; e o estadual, com uma perspectiva maior de reabilitação.

A assessora especial da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, Juliana Bueno, abordou o programa São Paulo de Braços Abertos, voltado especificamente para a Cracolândia. O local inclui oito quarteirões perto da estação do metrô Júlio Prestes, no centro da capital paulista, que vinha sendo alvo de ações, principalmente policiais, as quais não surtiam o efeito desejado.

Juliana Bueno relatou que, quando o programa foi criado em 2013, havia no local um clima generalizado de temor e desconfiança nas instituições e com péssimas relações entre moradores do entorno, usuários de drogas e comerciantes. Havia à época, segundo ela, 1.200 usuários circulando no local, participando do comércio e uso de drogas, além de 147 barracos nas vias públicas.

Em julho de 2013, relatou a assessora, foi criado um ponto de apoio para os moradores de rua, que podiam usar banheiro, assistir a atividades culturais, descansar e se alimentar. Em janeiro do ano passado, a população dos barracos foi transferida para hotéis, marcando o início oficial do programa.

Os princípios do São Paulo de Braços Abertos são redução de danos, ação integrada entre diferentes agentes, baixa exigência aos que aderem ao programa e garantia de direitos (como moradia, trabalho e refeições). Sobre a baixa exigência, ela comentou que o usuário não precisa mudar muito os seus hábitos. “O usuário de drogas precisa ser visto como um cidadão dotado de direitos”, destacou. Com essa linha de atuação, o programa obteve uma redução de 50% a 70% no uso de substâncias psicoativas pelos frequentadores da Cracolândia. “A abstinência não é uma prerrogativa nossa”, disse.

A gestora também destacou que a proposta do programa não é retirar as pessoas da Cracolândia. Nesse sentido, ela lembrou um programa de redução de danos de Vancouver, no Canadá, que é uma das referências do projeto paulistano. “O projeto canadense é desenvolvido há 20 anos e os usuários continuam no mesmo lugar”, disse.

Por fim, Juliana Bueno apresentou números do São Paulo de Braços Abertos: 472 beneficiários cadastrados e alocados nos hotéis, dos quais 27 são crianças; mais de 107 mil atendimentos de saúde; e 22 beneficiários trabalhando com carteira assinada. Ela concluiu afirmando que o objetivo final é transformar o programa numa experiência permanente, já que a questão de drogas não é passageira.

Programa estadual enfoca prevenção, combate e tratamento

O programa Recomeço, do Governo do Estado de São Paulo, foi enfocado por sua coordenadora executiva, Gleuda Apolinário, responsável pela Coordenadoria Estadual de Políticas sobre Drogas de São Paulo.

Ela informou que o programa promove ações de prevenção ao uso de drogas, enfrentamento ao tráfico, reinserção social, controle e requalificação de territórios específicos, acesso à justiça e à cidadania, apoio socioassistencial e tratamento médico dos dependentes.

No tratamento, há 41 comunidades terapêuticas conveniadas com a Secretaria de Defesa Social e 14 conveniadas com a Secretaria de Saúde. São oferecidos 2.906 leitos aos usuários em tratamento, que pode ser ambulatorial ou por meio de internação. Nesta última, são oferecidas 1.173 vagas em hospitais, além de vagas em comunidades terapêuticas, com tratamento por seis meses, prorrogáveis se necessário.

O programa conta ainda com o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas, com pronto atendimento 24 horas, que inclui urgência, “recomeço” (desintoxicação, avaliação médica e encaminhamentos), orientação a usuários e suas famílias, atendimento ambulatorial e serviços de acesso à justiça.

Comunidades terapêuticas ainda lutam por reconhecimento oficial

Por último, secretário da Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas, Egon Schlüter, afirmou que essas entidades ainda lutam pelo reconhecimento do governo brasileiro. De acordo com ele, em 2011, com o lançamento da Carta do Piauí, foi proposto o marco regulatório das comunidades terapêuticas. Segundo esse documento, todas elas têm que adotar as seguintes premissas: espiritualidade, acolhimento voluntário, ambiente residencial (familiar, saudável e protegido), convivência com familiares, critérios de admissão e saída definidos, conhecimento antecipado, aceitação e participação ativa no programa pelos dependentes e seus familiares, valor terapêutico e educativo do trabalho e acompanhamento pós-tratamento de pelo menos um ano.

Segundo Schlüter, há hoje no País 1.862 comunidades terapêuticas, de acordo com estatística de 2012. Após a Carta do Piauí, a luta das comunidades pelo reconhecimento do poder público cresceu. Em 2011, foi baixada a Portaria Federal 3.088, que inclui na rede de saúde mental as comunidades terapêuticas. Mas, na avaliação de Schlüter, falta ainda a aprovação de lei no Senado, para que elas sejam incluídas na Lei Nacional sobre Drogas.

História - Egon Schlüter tratou ainda da história das comunidades terapêuticas. A primeira surgiu em 1860, por meio do Grupo de Oxford (Inglaterra). Em 1877, foi criada na Suíça a Cruz Azul, que atende dependentes químicos num trabalho de ajuda mútua. De 1945 a 1969, o inglês Maxwell Jones criou o modelo de comunidade terapêutica que serve como base para todas as que foram criadas no mundo. No Brasil, só em 1968 surgiu a primeira comunidade terapêutica, a Movimento Jovens Livres, em Goiânia. A Rede Cruz Azul começou a atuar no País em 1983.

Falando das diretrizes das comunidades terapêuticas criadas por Maxwell, ele mostrou que a responsabilidade pelo tratamento não é exclusiva da equipe médica responsável, mas também dos pacientes. Egon Schlüter acrescentou que essas entidades fomentam o crescimento pessoal, por meio da mudança de comportamento e atitudes individuais, tendo como foco a integração individual dentro da comunidade.

Crítica – Na fase de debates, deputado Léo Portela (PR) criticou a Prefeitura de Belo Horizonte, que segundo ele não estaria aberta ao diálogo com as comunidades terapêuticas. “Há posicionamentos reacionários contra as comunidades, beirando inclusive a intolerância religiosa”, condenou.