O debate público foi promovido pela Comissão de Direitos Humanos, em parceria com a CPI da Violência contra Jovens e Negros da Câmara dos Deputados
Reginaldo Lopes (à direita) criticou a ausência de políticas públicas voltadas para a população negra
O deputado federal Edson Moreira foi o único na mesa a defender a redução da maioridade penal
Marco Cardoso criticou a redução da maioridade penal

Assassinatos de jovens negros preocupam deputados

Para presidente de CPI da Câmara dos Deputados, o País vivencia um genocídio da juventude negra.

08/06/2015 - 20:22

Para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência contra Jovens e Negros da Câmara dos Deputados, o Brasil vivencia um genocídio dessa parcela da população. A afirmação foi feita pelo presidente da CPI, deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), que participou nesta segunda-feira (8/6/15) do Debate Público Genocídio da Juventude Negra no Brasil, promovido em parceria com a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Reginaldo Lopes citou o sociólogo Florestan Fernandes, o qual definiu o genocídio da população negra, caracterizando mortes físicas e simbólicas. O parlamentar registrou que, no País, na faixa de idade de 12 a 19 anos, ocorrem 20 vezes mais assassinatos de jovens negros que de brancos. “Estamos vivendo uma verdadeira guerra civil: o número de vítimas de homicídio no Brasil em quatro anos, de 206 mil pessoas, em sua maioria negros, superou os 170 mil mortos nos 12 maiores conflitos armados no mundo entre 2004 e 2007, de acordo com o Mapa da Violência 2013”, lamentou.

Além da “morte física”, Reginaldo Lopes se refere à “morte simbólica” da juventude negra. Segundo ele, essa última se dá com a ausência de políticas públicas voltadas para a população negra, em áreas como educação, moradia e trabalho. “O Brasil não pode continuar negando o problema, escondendo suas estatísticas”, defendeu.

Diante desse quadro, o presidente da CPI atribui como um dos objetivos da comissão promover a alteração da Constituição Federal, para que seja incluído no texto uma nova concepção da segurança pública. Essa nova visão, segundo Reginaldo Lopes, possibilitaria que fosse firmado um pacto para a redução de homicídios no País. “Temos que reduzir os homicídios a níveis de países avançados, de um dígito apenas. Se conseguirmos isso, daremos um passo para o Brasil fazer um acerto com sua história”, concluiu.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, deputado Cristiano Silveira (PT), destacou que, apesar de o País ter avançado na área social, só agora se deu conta da grande perda de jovens, principalmente negros, em virtude da violência. “Precisamos de um grande pacto pela vida, com a perspectiva de mudança desse cenário”, afirmou.

Contraponto à redução da maioridade penal

Para o deputado Rogério Correia (PT), a pauta da CPI faz um contraponto às discussões sobre a redução da maioridade penal no Congresso Nacional. “Não vamos resolver o problema da violência contra os negros se ficarmos presos a essa pauta”, apontou.

Também o deputado Professor Neivaldo (PT) avaliou como muito oportuna a implantação da CPI no momento em que o Congresso tenta aprovar um projeto para reduzir a maioridade penal. “Os jovens são vítimas da violência, e não os culpados por ela”, ressaltou. Na opinião dele, é necessário pensar novas políticas públicas para a juventude, principalmente a negra. “Menos prisão, mais escolas, menos massacre e não à redução da maioridade penal”, disse.

A deputada federal Margarida Salomão (PT-MG) qualificou como “danosa à pauta de direitos humanos a discussão sobre a redução da maioridade penal”.

O deputado federal Luiz Couto (PT-PB) declarou estar numa luta para recuperar aquilo que a raça humana foi perdendo ao longo dos anos: a sua própria humanidade. “Ela se tornou desumana, pois investe na cultura da morte, na falta de respeito com as pessoas, na violência. Citando o bispo Dom Hélder Câmara, o parlamentar disse que a sociedade está se esquecendo de cuidar das pessoas e da natureza. “Precisamos de cuidadores de pessoas, e não de destruidores”, defendeu.

Oriunda de uma família desajustada, em que pai e mãe eram alcoólatras, a relatora da CPI, deputada federal Rosângela Gomes (PRB-RJ), disse que sua atuação se pauta pela defesa das pessoas excluídas. “É preciso acreditar que podemos mudar a nossa história, marcada pelo extermínio de negros”, afirmou.

Defesa da redução da maioridade - Único na mesa a defender a redução da maioridade penal, o deputado federal Edson Moreira (PTN-MG) afirmou que sua opinião é a mesma de 85% da população brasileira, que também defende essa mudança. Também favorável à revogação do Estatuto do Desarmamento, ele declarou ser “a favor de ser dado ao cidadão brasileiro o direito de usar ou não uma arma”. Disse também que é filho de negros, com muito orgulho. “Andei descalço, estudei em escola pública. Andava quilômetros para ir à faculdade. Não tive nenhum privilégio para estudar”, destacou, posicionando-se contra as cotas para negros.

Ainda na opinião de Edson Moreira, no Brasil existe a pena de morte, que extermina pessoas de bem. Ele citou exemplos de homicídios praticados por menores “A dentista que foi queimada; o policial assassinado nesta segunda (8), na Paraíba, por dois adolescentes: são inúmeros casos”, destacou. Ele defendeu que a responsabilização do criminoso, independentemente da idade, é importante para o País.

O deputado federal Adelmo Carneiro leão (PT-MG) rebateu a fala de Edson Moreira. Para ele, é necessário levar em conta que a maioria da população defende a redução da maioridade por desconhecer as causas da violência e por estar contaminada pelo pensamento dominante veiculado pela mídia. “As leis brasileiras são ágeis para punir os negros e pobres e rápidas também para proteger os ricos. Precisamos construir no Brasil o território da justiça e da paz”, disse.

Governo do Estado manifesta apoio à CPI

Três secretários de Estado participaram do debate público no Plenário: o de Trabalho e Desenvolvimento Social, André Quintão; a de Educação, Macaé Evaristo; e o de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, Nilmário Miranda.

“Temos o compromisso de desenhar políticas públicas que busquem mudar essa realidade. Há uma verdadeira guerra civil no País, com morte de pessoas excluídas de todas as políticas públicas”, ressaltou o secretário André Quintão. Ele informou que as ações de sua pasta voltadas para as populações marginalizadas se dão prioritariamente no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Suas). E comemorou o fato de que o Piso Mineiro da Assistência Social, fruto de um projeto de lei de sua autoria, nunca tinha sido pago em dia pelo Estado e que a regularização foi obtida no atual governo.

A secretária de Educação, Macaé Evaristo, lembrou que a ausência do poder público permitiu que as vidas de milhares de jovens, principalmente negros, fossem ceifadas. “Esta é uma agenda pela vida, pela ampliação de direitos”, afirmou. Ela acrescentou que o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão e que só no fim do século 20 propôs a universalização do ensino. “Dois decretos do século 19 proibiam a entrada de negros na escola. O País não fez o seu dever de casa na educação ao longo de quase todo o século 20”, criticou.

"Nós, negros, vivenciamos uma negação de direitos ao longo de séculos”, continuou a secretária. Ela complementou que, mesmo com a diretriz de universalização do ensino, ainda hoje, crianças e jovens negros são as maiores vítimas da violência nas escolas. Por fim, condenou a proposta de redução da maioridade penal. “Essa ideia permeou toda a política do século 20, que não permitia que as crianças negras frequentassem a escola. Reduzir a maioridade penal é voltar ao século 19, quando os negros eram banidos de qualquer política educacional e social”, avaliou.

Já o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, qualificou a CPI como a mais importante em vigor no Congresso atualmente. “É importante essa comissão mostrar que é necessária uma nova política de segurança pública no País. O papel da segurança pública não é defender a vida em primeiro lugar”, afirmou. Ele anunciou que o Estado deve propor um pacto para reduzir os homicídios de jovens negros, cujos indicadores estão num patamar superior à média nacional. Para isso, segundo ele, serão tomadas medidas como a humanização dos presídios e o fortalecimento das Associações de Proteção e Amparo aos Condenados (Apacs).

Genocídio estrutura relações raciais no Brasil

Na segunda mesa do debate público, Marco Cardoso, coordenador nacional das entidades negras, enfatizou ser importante compreender o genocídio como estruturante das relações raciais brasileiras. Nesse sentido, lembrou a luta contra a esterilização em massa, em voga na década de 1980, feita, segundo ele, para controlar a natalidade dos negros no País.

Ainda segundo Cardoso, é fundamental uma política para a população negra e a juventude negra. “Jovens não são criminosos, podem até se envolver com o crime, mas a ideia de naturalizar a juventude como criminosa é errada”, opinou. Também criticou a redução da maioridade e defendeu o fim da Polícia Militar e a descriminalização das drogas.

A subsecretária de igualdade racial, Cleide de Lima Souza, citou os 400 anos em que os negros brasileiros trabalharam de graça, sem nenhuma política que garantisse sua sobrevivência. Após a abolição da escravatura, Brasil trouxe imigrantes e fez mudanças na economia, substituindo a mão de obra gratuita dos negros e deixando-os sem nenhum direito. “Construímos o País e não desfrutamos dele. Somos minoria nas universidades. A dívida é muita cara e é preciso integrar 52% da população, que são os negros e pardos”, defendeu.

Falta de preparo das polícias - O presidente da Central única das favelas MG, Francislei Henrique Santos, advertiu que o Estado prepara mal seus policiais. “É fundamental uma polícia preparada para fazer as investigações corretas e que cumpra a lei de fato, averiguando os assassinatos de forma imparcial”, refletiu. Ainda segundo ele não se pode manter o estereótipo do jovem negro e morador de favela como sendo o causador da criminalidade.

A coordenadora do Plano Juventude Viva, do Governo do Estado, Larissa Amorim Borges, destacou que, com apenas 20 pessoas trabalhando, o projeto já realizou mais de mil atividades e, mesmo sem orçamento, convocou a sociedade para compreender a urgência da situação. Ela lembrou a situação das mulheres violentadas sexualmente, chamando a atenção para os números alarmantes de estupros, passando de 50 mil por ano. E apresentou números mostrando a gravidade da violência no País: A cada 2 dias 1 policial é assassinato. A cada dia, 6 pessoas são assassinadas por policiais. A cada 20 minutos, 1 jovem negro é assassinato.

O presidente sindicato dos jornalistas, Kerison Santos, afirmou que não se pode deixar de ficar indignado com os números da violência. Em 2010, de acordo com ele, só em Belo Horizonte 653 negros foram assassinados e 189 brancos. “Jovem negro assassinado não é notícia, porque os veículos tratam como habitual. Mas não pode ser assim. As Polícias Militar e Civil deveriam se preocupar em investigar os assassinatos, para garantir a credibilidade dessas corporações”, disse.

Dados da PM - O major Dênis Martins de Carvalho, representando o comando geral da Polícia Militar de Minas Gerais, destacou que a mortalidade está decrescendo em Minas Gerais, mas que a meta é reduzi-la ainda mais. “Todas as unidades da Polícia Militar contam com comissões de letalidade, que estudam os casos em que houve uso da força resultando em mortes, com o objetivo de reduzir a letalidade”, informou.

Ele divulgou a taxa de 4.120 homicídios no Estado em 2014, sendo 105 em decorrência de intervenção policial, com sete policiais vítimas da intervenção e 21 em estado grave. Também ressaltou que, em 2014, a PM fez 20.580 apreensões de armas de fogo, além de levar a cabo a campanha do desarmamento, do Governo Federal.

Universitário negro em bairro rico teria sido acusado de furtar o próprio carro

O estudante universitário Pedro Henrique Afonso fez um relato contundente da dimensão que toma o racismo atualmente no Brasil. Ele contou que, no dia 30 de março, quando estacionava seu carro no campus da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), na Zona Sul de Belo Horizonte, teria sido abordado por dois policiais militares que o acusaram de estar furtando o próprio veículo, apesar de ter tentado insistentemente esclarecer o episódio.

“Eles estavam bastante alterados e ficaram ainda mais nervosos quando lembrei que não estavam reconhecendo meus direitos. Fui algemado, colocado em uma viatura e ficaram dando voltas comigo. Disseram que eu os desacatei. Tive sorte em não ser mais um negro exterminado nesse País. Tudo foi por eu ser negro e estar no estacionamento de uma faculdade em um bairro rico. Existe racismo na Polícia Militar, onde há dois treinamentos, um na academia e outro nas ruas. Neste último, o negro é sempre o primeiro suspeito”, lamentou.

O estudante recebeu o apoio da promotora Nívia Mônica Silva, segundo a qual a Justiça no Brasil ainda falha em corrigir injustiças que muitos ainda insistem em não ver. Ela citou uma tese de mestrado defendida na Universidade Federal de Brasília (UNB) que traçou um perfil do “suspeito-padrão” para a PM do Distrito Federal. “Este retrato reproduz os preconceitos da nossa sociedade e neles o negro está no alto da lista”, definiu. Ela defendeu o controle externo das ações das polícias pelo Ministério Público. “Não é para dizer o que a polícia deve ou não fazer, mas para garantir o enfrentamento do racismo e para termos uma polícia mais eficiente para todos”, disse.

Maioridade penal - O advogado William Santos, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Minas Gerais, também criticou o que classificou como “pauta conservadora” no Congresso Nacional, que inclui a proposta de redução da maioridade penal, a qual afeta diretamente a juventude negra brasileira. “E o pior é que se não discutirmos com profundidade, todas elas terão o apoio da maioria da opinião pública, a mesma que, se for proposto, também vai apoiar medidas como, por exemplo, o fechamento deste mesmo Congresso. Dá para defender medidas assim?”, questionou.

O subsecretário de Estado da Juventude, Miguel Ângelo, citou a taxa média de reincidência de 30% entre os jovens que cumprem medidas socioeducativas, contra 80% no sistema prisional regular, para fazer coro às críticas à proposta de redução da maioridade penal, o que, segundo ele, vai vitimar sobretudojovens negros e pobres. “São meninos que vão entrar alunos e sair professores nessa escola do crime que são as cadeias e penitenciárias no Brasil”, denunciou.

Opressão - Já o músico Flávio Renegado foi ainda mais enfático em suas críticas à estrutura desigual da sociedade brasileira, que historicamente oprime os negros. “Todos me perguntam o porquê do meu apelido, de renegado. É que eu, ao contrário dos jovens da minha turma, não tinha apelido e aí alguém falou que eu era um renegado. Quando cheguei em casa, descobri que eu era mesmo um renegado. Me foram negadas boas condições de habitação, de trabalho, de tudo na vida, mas eu sobrevivi. E vou continuar sobrevivendo para ver concluída a reforma política que vai criar as condições para mudarmos de verdade esse País”, avaliou.

Por fim, a deputada Marília Campos (PT), ressaltou a importância da iniciativa. “Somente por meio de debates assim é que vamos conseguir resolver mais esse grave problema do País, que é o racismo. Precisamos urgentemente de políticas sociais que diminuem esse genocídio de jovens negros no Brasil”, defendeu.