PL PROJETO DE LEI 3704/2022

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 3.704/2022

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria da deputada Ana Paula Siqueira, o Projeto de Lei nº 3.704/2022 “dispõe sobre a criação do Observatório Estadual da Violência contra a Mulher”.

Publicado no Diário do Legislativo de 19/5/2022, o projeto foi distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, de Defesa dos Direitos da Mulher e de Administração Pública.

Em cumprimento ao disposto no art. 173, § 2º, do Regimento Interno, foram anexados à proposição os Projetos de Lei nºs 1.390/2023, de autoria das deputadas Ione Pinheiro, Beatriz Cerqueira e Delegada Sheila, que “institui o Observatório Estadual do Feminicídio no âmbito do Estado”; 1.411/2023, de autoria da deputada Alê Portela, que “altera a Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016, que institui a política de atendimento à mulher vítima de violência no Estado”; 4.062/2022, de autoria da deputada Ione Pinheiro, que “cria o Dossiê Mulher Mineira na forma que especifica e dá providências”.

Cabe a esta comissão, nos termos do art. 102, III, “a”, combinado com o art. 188, do Regimento Interno, analisar a proposição quanto aos aspectos de juridicidade, constitucionalidade e legalidade.

Fundamentação

O projeto de lei em análise visa criar o Observatório Estadual da Violência contra a Mulher, cujos objetivos são a organização e elaboração de um banco de dados elaborado a partir de notificações de todas as formas de violência contra a mulher registradas no Estado, a formação de um grupo específico envolvendo os profissionais da administração estadual das áreas de saúde, assistência, educação e segurança pública e o debate para a formulação de políticas públicas específicas para mulheres.

A matéria se insere no âmbito da segurança pública, pela vertente de medidas preventivas e mitigadoras da violência contra a mulher, bem como nas regras constitucionais de proteção e amparo à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

A Constituição Federal estabelece que a segurança pública é dever do Estado brasileiro, cuja realização demanda atuação dos diferentes entes federados, e outorga competência legislativa ao estado membro para edição de lei estadual que discipline os temas que não foram expressamente outorgados à competência federal ou municipal, conforme o disposto no art. 144, caput, combinado com o art. 25, § 1º. Soma-se a isso caber ao Estado – aqui entendido em todas as suas esferas federativas (União, estados membros, municípios e Distrito Federal) – promover a proteção dos direitos humanos. Sendo o desrespeito à intimidade e à dignidade sexual das mulheres uma das formas de violação desses direitos, conclui-se que, sob o prisma da segurança pública, cabe ao Estado regular a matéria. Ademais, tem-se que essa temática tem fundamento de validade e visa dar concretude ao disposto no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, que dispõe que o “Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Assim, a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, dispôs, acertadamente, em seu art. 35, IV, que a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências, programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar.

Nesse contexto normativo, verifica-se que compete ao Estado legislar sobre a temática e inexiste vedação constitucional a que ele amplie o tratamento dado ao assunto em sede de lei estadual, devendo a proposta ser apreciada por esta Casa Legislativa, nos termos do que dispõe o art. 61, XIX, da Constituição Mineira. Não se vislumbra, também, vício no que tange à inauguração do processo legislativo, pois a matéria de que cogita o projeto não se encontra arrolada entre as de iniciativa privativa, previstas no art. 66 da Constituição do Estado.

Entretanto, entendemos que a proposta em exame busca dar um status legal a um programa que, por sua natureza, tem caráter eminentemente administrativo, situado no campo de atuação do Poder Executivo. A instituição de uma ação ou programa abrange as atividades e as ações desenvolvidas pela administração pública e pelos seus órgãos, sendo uma tarefa que não cabe a uma lei de iniciativa parlamentar.

Com esse entendimento, tem-se pronunciado exaustivamente o Supremo Tribunal Federal – STF – em inúmeros julgados, em especial:

(…) O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de Poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (Medida Cautelar na ADI 2364).

(...) Separação e independência dos Poderes: pesos e contrapesos: imperatividade, no ponto, do modelo federal. 1. Sem embargo de diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos Poderes, no Estado de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação deles em favor das liberdades clássicas: daí constituir em traço marcante de todas as suas formulações positivas os “pesos e contrapesos” adotados. 2. A fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode legitimar. 3. Do relevo primacial dos “pesos e contrapesos” no paradigma de divisão dos Poderes, segue-se que à norma infraconstitucional - aí incluída, em relação à Federal, a constituição dos estados-membros -, não é dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República. 4. O poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é outorgado aos órgãos coletivos de cada câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da Assembleia Legislativa, no dos estados; nunca, aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão. III. Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição. (ADI 3046/SP).

Por essa razão, ressalta-se que esta Comissão de Constituição e Justiça já se manifestou diversas vezes pela inconstitucionalidade, antijuridicidade e ilegalidade de projetos de lei que visam instituir ações ou programas de natureza administrativa. Contudo, não obstante este vício formal do projeto em visar a instituição de uma ação administrativa, há em seu conteúdo propostas fundamentais para a proteção e mitigação da violência contra a mulher no Estado. Por isso, apresentamos ao final deste parecer o Substitutivo nº 1, a fim de fomentar e promover a criação do Observatório Estadual da Violência contra a Mulher.

Ressaltamos que, por determinação da Decisão Normativa da Presidência nº 12, de 2003, esta comissão deve também se pronunciar a respeito das proposições anexadas ao projeto de lei sob comento. Todos os argumentos aqui apresentados se aplicam também a elas, tendo em vista a semelhança que guardam com a proposição em análise.

Conclusão

Pelo exposto, concluímos pela juridicidade, legalidade e constitucionalidade do Projeto de Lei nº 3.704/2022 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Acrescenta o art. 5º-C à Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016, que institui a política de atendimento à mulher vítima de violência no Estado.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica acrescentado à Lei nº 22.256, de 26 de julho de 2016, o seguinte art. 5º-C:

“Art. 5º-C – Para fins do disposto no art. 5º desta lei, o Estado promoverá, nos termos de regulamento, a criação do Observatório Estadual da Violência contra a Mulher, que se responsabilizará pelo:

I – banco de dados elaborado a partir de notificações de todas as formas de violência contra a mulher registradas no Estado, bem como pela organização destes dados;

II – formação de um grupo específico envolvendo os profissionais da administração estadual das áreas de saúde, assistência, educação e segurança pública;

III – debate para a formulação de políticas públicas específicas para mulheres;

IV – elaboração de estatísticas periódicas sobre mulheres atendidas pelos mais diversos profissionais na estrutura das políticas públicas do Estado, com o objetivo de balizar estudos, campanhas de prevenção à violência e políticas públicas de inclusão para as mulheres em situação de violência ou expostas à violência.”.

Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 12 de março de 2024.

Arnaldo Silva, presidente – Doutor Jean Freire, relator – Bruno Engler – Charles Santos – Lucas Lasmar – Zé Laviola.