A falta de diálogo com as comunidades afetadas foi criticada durante a reunião
João Pio cobra a suspensão do empreendimento, para que as dúvidas sobre os seus impactos sejam sanadas

Povos tradicionais cobram consulta prévia sobre Rodoanel

Representantes de comunidades impactadas pela obra reclamam que não foram ouvidos pelo Governo do Estado.

17/08/2022 - 22:18 - Atualizado em 22/08/2022 - 14:27

Comunidades tradicionais reivindicam a realização de uma consulta livre, prévia e informada sobre a proposta de construção do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte. Em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada em Ribeirão das Neves (RMBH) nesta quarta-feira (17/8/22), quilombolas e representantes de povos tradicionais criticaram a realização do leilão para construção da rodovia antes de ouvir as pessoas impactadas pela obra.

Para Dirceu Ferreira Sérgio, do quilombo Nossa Senhora do Rosário, que existe desde 1920 em Ribeirão das Neves, a notícia da construção do Rodoanel foi recebida com tristeza. “Estamos aqui há tanto tempo e passamos despercebidos”, lamentou.

O presidente da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, Alexander Teixeira Lima, disse que até hoje a comunidade não foi chamada para o diálogo sobre o Rodoanel. “Não somos contra o progresso, mas essa obra nos impacta diretamente”, afirmou.

Em Contagem, a construção do Rodoanel vai impactar diversos povos tradicionais e terreiros de religiões de matriz africana, segundo o representante da comunidade dos Arturos, João Pio. “Não abrimos mão do nosso território sagrado, que proporciona a manutenção do nosso modo de vida”, afirmou.

Ele reclamou que o Governo do Estado ainda não ouviu essas comunidades. Além disso, reivindicou a suspensão do empreendimento, para que sejam compreendidos os seus impactos e esclarecidas todas as dúvidas sobre o seu traçado.

Os representantes dos povos tradicionais ainda reclamaram que a realização do leilão do Rodoanel antes de ouvir as pessoas impactadas pela obra contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Essa norma determina a realização de consultas prévias, livres e informadas às comunidades afetadas diretamente por grandes empreendimentos.

MPF pode propor termo de ajuste de conduta

O Ministério Público Federal pode propor um termo de ajuste de conduta (TAC) sobre o Rodoanel com o Governo do Estado. Segundo o procurador da República Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, a minuta desse TAC tem o objetivo de assegurar a realização da consulta pública, com o devido mapeamento das comunidades afetadas pelo empreendimento.

Além disso, o TAC exigiria que não fosse aplicada nesse processo de escuta da população a Resolução Conjunta nº 1, das Secretarias de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). De acordo com essa norma, o protocolo de consulta pública pode ser elaborado pelo empreendedor privado, contrariando a Convenção 169 da OIT, que garante às comunidades afetadas o direito de definir como seria esse processo de escuta.

O TAC asseguraria ainda a correção do traçado do Rodoanel, de acordo com o resultado da consulta pública. Para reduzir a assimetria entre o Estado e povos tradicionais, deve ser assegurado o direito de escolha de assessorias técnicas independentes.

De acordo com o procurador Edmundo Netto, a minuta do TAC foi submetida à aprovação de representantes dos povos tradicionais e quilombolas. “Um eventual acordo só será firmado com a concordância deles”, garantiu.

O coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), frei Gilvander Luís Moreira, discordou da proposta de TAC. Segundo ele, uma nota assinada por 40 entidades que representam povos e comunidades tradicionais, juntamente com a CPT, repudia a minuta apresentada pelo MPF.

“Esse TAC pode induzir as pessoas a abrir mão de seus direitos”, alertou. Ele lembrou que a Convenção 169 é um tratado internacional, do qual os povos tradicionais não podem abrir mão, e defendeu que o MPF anule o leilão do Rodoanel.

Para frei Gilvander, seria mais importante investir recursos públicos em projetos de mobilidade urbana, como o metrô, e não em obras que facilitem o transporte de cargas, como o Rodoanel. “Esse ‘rodominério’ é uma obra faraônica, autoritária, ecocida, eleitoreira, um dragão da morte. Como padre, eu excomungo e mando para os quintos dos infernos esse projeto”, afirmou.

Governo do Estado defende legalidade de leilão

Os representantes do Governo do Estado defenderam a legalidade do leilão do Rodoanel, realizado na última sexta-feira (12). O assessor da Subsecretaria de Estado de Transportes e Mobilidade, Érico da Gama Torres, explicou que a parceria público-privada (PPP), modelo de concorrência escolhido para viabilizar a rodovia, permite a contratação da empresa responsável pela obra antes da realização do licenciamento ambiental.

Ele garantiu que as comunidades e povos tradicionais serão ouvidos ao longo desse processo de licenciamento. “A consulta prévia será feita nos moldes da Convenção 169 da OIT”, assegurou. Ainda de acordo com o assessor, é possível fazer mudanças no traçado do Rodoanel, caso seja necessário.

A subsecretária de Estado de Regularização Ambiental, Anna Carolina da Motta Dal Pozzolo, esclareceu que os povos e comunidades tradicionais serão ouvidos antes do início do processo de licenciamento ambiental. “A partir dos estudos de impactos ambientais, o licenciamento vai analisar a viabilidade do traçado do Rodoanel”, explicou.

Deputada considera leilão ilegal

A presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Andréia de Jesus (PT), que solicitou a realização da audiência pública, reforçou a importância da escuta dos povos e comunidades tradicionais impactados pela construção do Rodoanel. “Estamos falando de uma obra que vai alterar de forma permanente a vida das pessoas”, afirmou.

No entendimento da parlamentar, o leilão do Rodoanel não poderia ter acontecido antes da realização de uma consulta livre, prévia e informada das comunidades atingidas, conforme determina a Convenção 169 da OIT. “Esse leilão é ilegal, enquanto não forem ouvidos os povos tradicionais”, defendeu.