Os refugiados indígenas, muitos deles crianças, dormem em um galpão anexo ao abrigo, utilizando banheiros químicos em meio a muita bagunça e lixo
A deputada Andréia de Jesus (à esquerda) cobrou a transferência dos indígenas e que eles tenham sua situação legal regularizada

Indígenas Warao ainda em situação precária em abrigo de BH

Comissão de Direitos Humanos da ALMG visita refugiados venezuelanos e constata que drama deles ainda está longe do fim.

24/11/2021 - 17:15

Os deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) cobraram mais uma vez, na manhã desta quarta-feira (24/11/21), uma solução definitiva para a situação de 89 refugiados indígenas venezuelanos da etnia Warao, entre eles 50 menores de idade, que estão no Abrigo São Paulo, no bairro Primeiro de Maio, na Região Norte de Belo Horizonte, instituição voltada para o acolhimento de pessoas em situação de rua.

A presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus (Psol), comandou uma visita ao Abrigo São Paulo para verificar a estrutura do espaço e, mais uma vez, as condições precárias em que estão alojados os indígenas venezuelanos foram constatadas.

Além da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, a Defensoria Pública e o Ministério Público de Minas Gerais também já fizeram vistorias no local. O Abrigo São Paulo funciona graças a uma parceria entre a PBH e a Sociedade São Vicente de Paulo.

A Comissão de Direitos Humanos estima que existam cerca 19 mil refugiados atualmente em Minas Gerais. “Vamos seguir cobrando uma solução. O Estado está pensando num plano para, no futuro, acolher melhor os imigrantes, mas essa situação precisa de uma solução urgente”, definiu a parlamentar.

“O espaço não é apropriado, eles são indígenas de uma etnia muito peculiar e o abrigo é especializado no atendimento a população em situação de rua. É preciso colocá-los em um local seguro para que possam viver como uma família, já que vieram de uma tribo e estão acostumados a compartilhar tudo”, aponta.

Andréia de Jesus também cobrou a regularização do registro dos refugiados, para que eles tenham melhor acesso a serviços públicos. Segundo ela, apesar da garantia do atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), eles ainda precisam de documentos para receber, por exemplo, benefícios como o auxílio emergencial.

Galpão

Os indígenas dormem todos em um galpão anexo à sede do abrigo que foi improvisado como dormitório, utilizando banheiros químicos. Há também muito lixo espalhado. Também seriam frequentes os conflitos devido a diferenças culturais com frequentadores habituais do local.

A perspectiva era de que o grupo fosse transferido para instalações mais adequadas até o final deste mês, o que não deve acontecer. O esperado agora é que isso ocorra até o final de dezembro.

Segundo Sandra Regina Ferreira, da Gestão de Serviços de Alta Complexidade da Subsecretaria de Assistência Social da PBH, com a ajuda de parceiros ainda estão sendo realizadas obras em um espaço da Administração Regional Barreiro, que permitirá a transferência de todo o grupo, como seria do desejo deles.

Covid

Em outubro, uma criança de um ano e sete meses do grupo morreu no Hospital Infantil João Paulo II, na Capital, vítima de Covid-19. Muitos já chegaram ao abrigo com sintomas e 16 deles testaram positivo.

Responsáveis pelo abrigo garantem que os infectados ficaram em ala separada, sem acesso aos abrigados brasileiros, e agora todos já foram vacinados, com exceção das crianças menores de 12 anos. Mas até isso demandou negociação, em virtude das diferenças culturais.

Os indígenas também não gostam, por exemplo, que se faça limpeza no local por supostamente não estarem acostumados com isso na aldeia em que viviam. Além de hábitos de higiene pessoal, a rotina de alimentação do abrigo também teve de ser adaptada para acolher o grupo.

Grupo chegou pela rodoviária de BH após perambular pelo País

O drama vivido pelos Warao ganhou destaque na imprensa, o que mobilizou defensores de direitos humanos em busca de uma solução para o caso. Na ALMG, uma reunião dessas lideranças aconteceu no final de outubro.

No último dia 10, uma audiência pública discutiu, de forma mais abrangente, a violação dos direitos humanos dos imigrantes internacionais no Estado.

Após entrar no Brasil pela Região Norte, os indígenas venezuelanos passaram por diversos estados antes de chegar a Minas, primeiro em Juiz de Fora (Zona da Mata), depois Santa Luzia (RMBH), e, finalmente, BH.

De acordo com Sandra Regina, inicialmente eles foram acolhidos em um espaço da PBH próximo à Praça da Estação e depois foram levados para o Abrigo São Paulo. “Sabemos que o abrigo é usado para outro fim, mas nos organizamos minimamente para receber o grupo em vez de deixá-los pernoitar na rua”, diz.

Convivência

O coordenador do Abrigo São Paulo, Leonardo de Morais Silva, também defende que, devido à urgência, esta foi a melhor decisão.

“É um público que foge completamente da rotina e dos fluxos de trabalho do abrigo, mas estamos conseguindo conviver”, destacou. Ele confirmou algumas situações de conflitos com outros abrigados, já mais acostumados com as regras e dinâmica de funcionamento da instituição.

“Temos tentado respeitar a cultura deles e, nesse esforço, os demais acolhidos se sentem preteridos, acham que os indígenas têm privilégios. Temos que mediar esses conflitos, já que são grupos distintos, mas ambos em situação de vulnerabilidade", relata.

Fuga

Yolis Lyon é venezuelana também da etnia Warao, mas vive em Belo Horizonte há dez anos. Membro do Conselho Municipal de Igualdade Racial, ela está ajudando na adaptação e no acolhimento dos conterrâneos. Ela confirma que o mais urgente é garantir um local exclusivo para esses indígenas.

“Eles fizeram uma migração forçada para o Brasil devido a uma crise politica, econômica e social que se transformou em humanitária. O Rio Orinoco, que é a principal fonte de sobrevivência deles, está contaminado pela industria petrolífera e de mineração. Já pedimos ao governo brasileiro, via Polícia Federal, o reconhecimento deles como refugiados e o acesso a políticas públicas específicas”, conta.

“É uma situação difícil e por isso agradecemos o apoio da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, por meio da deputada Andréia de Jesus, para que eles possam ter agora uma vida digna dentro de Minas Gerais”, completa.