Comissão se reúne em busca de solução para conflitos fundiários ocorridos no Estado
Integrantes do MST participaram da audiência
Trabalhadores rurais denunciam violência em acampamento de sem-terra

Milícia armada desafia a lei na zona rural do Norte de Minas

Denúncia de cerco a acampamento de sem-terra em Montes Claros é feita em audiência da Comissão de Direitos Humanos.

25/04/2018 - 19:37 - Atualizado em 26/04/2018 - 11:42

Sob o pretexto de defender a paz no campo, expressão que dá nome ao movimento nacional organizado ao qual supostamente pertencem, milícias armadas que atuariam sob a liderança de latifundiários ameaçam transformar a zona rural do Norte de Minas em uma zona de guerra.

Esta foi a denúncia feita na tarde desta quarta-feira (25/4/18) por lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra, apoiadas pelo representante do Ministério Público, em audiência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O último lance dessa escalada de violência teria acontecido na última quarta-feira (18), em um acampamento do MST na Fazenda Bom Jesus, na saída de Montes Claros para Capitão Enéas, às margens da Estrada da Produção (LMG-657).

Segundo relato dos participantes da audiência, um grupo armado teria cercado o assentamento com aproximadamente 100 famílias, com muitas crianças, e o isolamento, que impediu a entrada até de água e alimentos, somente teria sido rompido com a intervenção da Polícia Militar (PM). Tratores teriam sido usados para bloquear inclusive a estrada.

Ameaça - Segundo Antônio de Almeida Rodrigues, um dos coordenadores do MST em Minas Gerais, durante todo o tempo os milicianos ameaçavam invadir o acampamento, que, curiosamente, foi montado em uma área abandonada há muitos anos e pertencente à Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig).

“Estava voltando para lá e fiquei preso na confusão. Não me identifiquei e vários deles me disseram que estavam armados e iam atacar o acampamento. Presenciei inclusive a chegada de um micro-ônibus que trouxe mais gente contratada por eles. Então acionei a PM”, contou.

“Mesmo na conversa com a PM, quando dissemos que aquelas famílias não tinham para onde ir, eles insistiam que não estavam lá para negociar, mas para nos tirar dali de qualquer jeito”, acrescentou o líder do MST.

Desocupação seguida de humilhação nas redes sociais

Após várias horas de impasse, a situação se acalmou com a saída das famílias, comemorada pelos milicianos com a queima da bandeira do MST, tudo devidamente registrado em vídeos divulgados nas redes sociais, conforme foi relatado na audiência. Os acampados foram recebidos em outro assentamento do MST em Montes Claros.

"Eles desocuparam a área para evitar um massacre”, reforçou o coordenador da Comissão Pastoral da Terra, Frei Gilvander Luís Moreira. “Quem pensa em criar milícia armada para reprimir essa luta justa e necessária está errado. O fazendeiro que com as suas terras cumpre a função social pode dormir tranquilo, que não tem risco de ocupação”, ironizou.

Segundo ele, a Constituição Federal diz que as terras devolutas precisam ser resgatadas e destinadas à reforma agrária. Ele é autor de uma tese de doutorado que aponta que 30% de todas as terras brasileiras são devolutas, ou seja, pertencem ao Estado, que ainda não lhes deu uma destinação. Esse percentual é de 23% em Minas Gerais. “Se a reforma agrária não acontecer, conflitos assim nunca terão solução”, lamentou.

Crimes - Diante disso, a ação dos milicianos foi grave, na avaliação do advogado Élcio Pacheco, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG.

Os milicianos teriam incorrido nos crimes de grave ameaça e incitação à violência, além de cercearem o direito de ir e vir, previsto na Constituição Federal, conforme o advogado.

“Uma área abandonada sem cumprir função social foi ocupada de forma pacífica, e uma milícia rural não tem legitimidade para execução da reintegração de posse. Ela tomou para si as funções de Estado para supostamente coibir crime de esbulho possessório (usurpação de terra), mas a propriedade não teve nenhum dono retirado do local com emprego de violência”, defendeu Élcio Pacheco.

Deputado compara milicianos a fascistas

O deputado Rogério Correia (PT) comparou a ação dos milicianos aos camisas negras que espalhavam o terror nos estados fascistas. Segundo ele, trata-se de um reflexo do retrocesso na promoção da reforma agrária pelo Estado.

Rogério Correia defendeu a aprovação do Projeto de Lei (PL) 3.562/16, de sua autoria, que estabelece protocolos para mediação de conflitos fundiários rurais e urbanos no Estado. Além dele, a audiência desta quarta (25) também foi solicitada pelos deputados petistas Cristiano Silveira, presidente da comissão, Doutor Jean Freire e Paulo Guedes.

“Os trabalhadores têm poucos instrumentos para luta, que não é compreendida e respeitada, enquanto a estrutura estatal é feita para funcionar para quem sempre dominou o País”, acrescentou Cristiano Silveira. “A única certeza é de que é importante continuar lutando”, emendou.

MP - O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Conflitos Agrários, o procurador de Justiça Afonso Henrique de Miranda Teixeira, ressaltou ser necessário ao poder público deixar claro que a ação de milícias armadas será tratada como uma violação da lei, não apenas como manifestação para satisfazer a interesses ideológicos. Para isso, segundo ele, é necessária uma ação mais efetiva da Vara de Conflitos Agrários, sediada na Capital, que precisa estar mais presente nos locais de conflito.

Consulte o resultado da reunião.