PL PROJETO DE LEI 2580/2011
PROJETO DE LEI Nº 2.580/2011
Institui no âmbito do Estado políticas públicas de equidade de gênero, objetivando coibir práticas discriminatórias nas relações de trabalho urbano e rural, bem como no âmbito dos entes de direito público externo, das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º - Esta lei visa estabelecer direitos, normas, mecanismos e sanções destinados a conferir efetividade ao princípio constitucional da igualdade de cidadania, estabelecido na Constituição da República, amparando-se na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres - Cedaw -, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial - Cerd -, na III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância, na Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho e nas demais normas pertinentes à igualdade de cidadania ratificadas pelo Brasil.
Art. 2º - É dever do Estado e de seus Municípios incentivar a prática do respeito à dignidade das mulheres, assegurando-lhes a liberdade e o pleno exercício da cidadania.
§ 1º - A igualdade entre mulheres e homens, de que trata esta lei, inclui a garantia de tratamento que não discrimine mulheres e homens em razão de sexo, orientação sexual, raça, etnia, pertencimento racial, idade, origem, aparência física, estado de saúde, deficiência, opinião política, vinculação ou não a partido político ou sindicato, costume ou crença religiosa, entre outros.
§ 2º - As diferenças e especificidades inerentes à condição feminina não poderão ser consideradas para justificar tratamento discriminatório, assim considerado o que acarrete lesão à integridade da cidadania das mulheres nas relações de trabalho urbano e rural.
§ 3º - Para garantir a igualdade entre mulheres e homens nas relações de trabalho urbano e rural, deverão ser implementadas ações positivas e normas assecuratórias de direitos relativos às especificidades da condição feminina.
Art. 3º - Cabe ao Estado criar mecanismos, políticas públicas e ações positivas visando acelerar a igualdade de fato entre mulheres e homens, bem como prevenir, coibir e eliminar todas as formas de discriminação contra as mulheres nas relações de trabalho urbano e rural.
§ 1º - Para efeito do disposto no “caput” deste artigo, serão instituídas políticas, bem como programas e ações:
I - de enfrentamento do sexismo, do racismo e da violência em face da orientação sexual, para assegurar a incorporação da perspectiva de raça, etnia e orientação sexual nas políticas públicas direcionadas às mulheres;
II - de inclusão da perspectiva de gênero nas políticas públicas relacionadas às mulheres.
§ 2º - As ações assecuratórias do princípio da igualdade entre mulheres e homens decorrentes do previsto no “caput” deste artigo incidirão sobre os processos seletivos e sobre os critérios de avaliação, formação e capacitação profissional, inclusive para efeito de promoção e exercício de cargos de direção, de confiança, de chefia ou gerência, nas relações de trabalho, vedada toda e qualquer forma de preterimento e discriminação.
Art. 4º - Para os efeitos desta lei, consideram-se práticas discriminatórias quaisquer ações orientadas por tratamento diferenciado, conforme prevê o § 1º do art. 2º desta lei.
Parágrafo único - Considera-se prática de discriminação indireta aquela que, por atitude, critério, disposição ou norma interna, mesmo que aparentemente neutros, coloque trabalhadoras e trabalhadores em situação de desvantagem, em comparação, ressalvados os atos que se justifiquem pelo exercício de diferentes funções na hierarquia da empresa ou como ação positiva adotada para compensar situação desigual e alcançar a igualdade de tratamento.
Art. 5º - O Estado promoverá medidas que visem amparar mulheres e homens no exercício compartilhado e equilibrado de suas responsabilidades familiares e profissionais, garantindo-lhes o direito ao desenvolvimento pessoal dentro e fora do mercado de trabalho.
Art. 6º - O Estado adotará o emprego de linguagem inclusiva do gênero feminino na redação de suas normas internas e de seus textos de comunicação interna e externa, bem como nos editais de concursos públicos.
Art. 7º - Para efeito da aplicação do disposto nesta lei, no que se refere à relação de trabalho, serão observadas as normas específicas da legislação trabalhista, no que couber, bem como a inclusão dos entes de direito público externo, das empresas públicas, das sociedades de economia mista, de suas subsidiárias e dos demais órgãos do Estado e dos Municípios, desde que sujeitos ao regime jurídico próprio das empresas privadas quanto aos direitos e obrigações trabalhistas, tal como previsto no art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição da República.
Art. 8º - As políticas de emprego terão como objetivo prioritário aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho, contribuindo, assim, para a igualdade efetiva entre mulheres e homens, observados os princípios da transversalidade da questão de gênero, da corresponsabilidade entre mulheres e homens, da conciliação entre vida pessoal, familiar e laboral e da igualdade de tratamento e de oportunidades.
Parágrafo único - Para efeito da aplicação e interpretação dos princípios fixados no “caput” deste artigo, observe-se que:
I - a transversalidade na questão de gênero traduz-se na obrigatoriedade de o poder público considerar, em qualquer decisão, a forma como são atingidas mulheres e homens, direta ou indiretamente, de modo a evitar o acirramento das desigualdades e promover a igualdade efetiva;
II - a corresponsabilização proclama o compartilhamento das responsabilidades de forma equânime entre mulheres e homens, tanto na esfera privada - tarefas domésticas e familiares - quanto na vida pública - no plano profissional, laboral e de participação política e social;
III - a conciliação entre vida privada e pública deve assegurar a igualdade no direito ao pleno desenvolvimento nas respectivas esferas privada e pública, competindo ao Estado e à sociedade atuar para a eliminação das tensões decorrentes da múltipla inserção social de mulheres e homens;
IV - a igualdade de oportunidades refere-se ao acesso ao emprego, à permanência no emprego, à formação e à promoção profissionais, às boas condições de trabalho e à justa remuneração, garantindo-se que a trajetória profissional de homens e mulheres não seja prejudicada pelas responsabilidades da vida privada.
Art. 9º - Os programas de educação e de inserção profissional necessariamente promoverão a capacitação, o acesso e a permanência das mulheres no mercado de trabalho, incluindo-se, para tanto, conteúdos relativos ao respeito à igualdade e à dignidade da pessoa humana, com a perspectiva de gênero.
Art. 10 - Na interpretação desta lei, serão considerados os fins sociais por ela visados e, em especial, as condições peculiares das mulheres em razão de sua participação no mercado de trabalho.
Art. 11 - O Estado fomentará também ações positivas destinadas a promover a cultura de igualdade de gênero, visando estimular o equilíbrio entre as responsabilidades familiares e profissionais, permitindo, assim, o exercício compartilhado dessas responsabilidades entre mulheres e homens.
§ 1º - Consideram-se responsabilidades familiares prioritárias, a serem exercidas de forma compartilhada entre mulheres e homens:
I - os cuidados com as filhas e os filhos menores de dezesseis anos;
II - os cuidados com as filhas e os filhos absolutamente incapazes, de acordo com o art. 3º, incisos II e III, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
III - os cuidados com pessoas enfermas e com pessoas idosas que habitem o domicílio familiar, independentemente da condição legal de dependentes;
IV - o desempenho dos afazeres domésticos e demais encargos diretamente relacionados com o atendimento às necessidades familiares essenciais.
Art. 12 - O Estado criará mecanismos de assistência que permitam a redução da dupla jornada de trabalho das mulheres e de seus efeitos nocivos e discriminatórios.
Art. 13 - Para efeito do previsto nesta lei, considera-se unidade familiar o conjunto de pessoas que habita o mesmo domicílio, independentemente dos laços de casamento ou de união estável, bem como de parentesco em linha reta, colateral ou transversal ou por afinidade.
Art. 14 - Cabe ao Estado garantir a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens nas relações de trabalho.
Art. 15 - O Estado promoverá ações de incentivo à permanência das mulheres no mercado de trabalho, sem prejuízo da vida pessoal e das responsabilidades familiares.
Parágrafo único - Serão admitidas medidas temporárias de incentivo à contratação de mulheres, para a garantia da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, mediante:
I - disposições regulamentares adotadas nas áreas de recrutamento, formação, promoção, organização e condições de trabalho;
II - cláusulas de acordos ou convenções coletivas de trabalho;
III - execução de Plano de Igualdade entre mulheres e homens.
Art. 16 - Caberá ao Estado fomentar a capacitação e a formação de mulheres e homens para o ingresso e para a permanência no mercado de trabalho em igualdade de condições.
Art. 17 - As empresas deverão incorporar o respeito à igualdade de tratamento entre mulheres e homens como um valor organizacional, devendo, para tanto, adotar medidas preventivas e planos de ação para a eliminação de quaisquer práticas discriminatórias nas relações de trabalho.
Parágrafo único - É dever das empresas incluir nos programas de treinamento e capacitação de suas empregadas e de seus empregados os temas relacionados à igualdade entre mulheres e homens, visando, assim, criar e manter uma cultura interna de práticas de igualdade, bem como prevenir condutas discriminatórias, notadamente no exercício de cargos de direção, gerência e chefia.
Art. 18 - A efetividade do princípio constitucional da igualdade entre mulheres e homens deverá ser objeto de avaliações periódicas por empregadores e empregadoras que vierem a adotar ações ou programas de equidade de gênero.
Parágrafo único - Para a realização das avaliações periódicas previstas no “caput” deste artigo, os entes poderão solicitar orientação e supervisão do Estado através dos órgãos responsáveis por ações e políticas públicas de gênero.
Art. 19 - As negociações concernentes aos acordos ou convenções coletivas de trabalho deverão levar em conta o propósito de igualdade de gênero, podendo ser aproveitadas como instrumentos adequados ao estabelecimento de medidas de ação positiva que facilitem a inserção e a permanência das mulheres no mercado de trabalho.
Art. 20 - O Poder Executivo, no âmbito do Estado, conferirá um selo distintivo às empresas e Municípios que se destaquem na aplicação de políticas de igualdade de tratamento e de oportunidades para trabalhadoras e trabalhadores.
Parágrafo único - O selo distintivo será reconhecido como um indicador de prática de igualdade de gênero e poderá ser utilizado pela empresa para fins comerciais e publicitários.
Art. 21 - Para efeito de concessão de financiamentos pelo Estado, será observado o desempenho das empresas e órgãos requerentes na promoção de ações pró-igualdade de gênero, tanto na gestão de pessoal quanto na cultura organizacional, admitindo-se a recusa do financiamento requerido em caso de apuração e comprovação de práticas discriminatórias, mesmo que atendidos os demais critérios e requisitos de avaliação.
Art. 22 - Dada a proibição expressa de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, contida no art. 7º, inciso XXX, da Constituição da República, fica instituído o Cadastro de Empregadores Responsáveis por Atos Discriminatórios - Cerad.
Art. 23 - As empresas tomarão medidas de prevenção quanto às práticas de assédio sexual e de assédio moral, promovendo ações específicas, bem como garantindo o direito de reclamação ou denúncia, interna e externa, por parte de quem esteja sendo ou tenha sido vítima de tais comportamentos nas relações de trabalho.
Art. 24 - Entende-se por assédio moral nas relações de trabalho toda e qualquer conduta abusiva que, de forma repetitiva e prolongada, exponha trabalhadoras e trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, em ofensa à sua dignidade e integridade psíquica, disto decorrendo prejuízo das funções da pessoa diretamente ofendida e da produtividade da equipe a que esteja integrada, bem como deterioração do ambiente de trabalho.
§ 1º - As empresas deverão orientar suas empregadas e seus empregados quanto à prática do assédio moral e a suas consequências, especialmente no exercício de funções diretivas, ainda que intermediárias.
Art. 25 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 18 de outubro de 2011.
Pompílio Canavez
Justificação: Este projeto de lei orienta-se pela ideia de traduzir a declaração de igualdade consagrada em dispositivos constitucionais em normas estaduais destinadas a prevenir e coibir quaisquer práticas discriminatórias lesivas à dignidade das mulheres. Visa-se, assim, garantir que a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho ocorra em respeito às especificidades da condição feminina. Da mesma forma, pretende-se assegurar a permanência das mulheres no emprego, necessitando-se, para tanto, combater, inclusive com ações do Estado, todas as formas de discriminação em razão de sexo, orientação sexual, etnia ou raça. Todas as mulheres têm direito ao livre desenvolvimento profissional, sem prejuízo de sua vida pessoal.
Os princípios constitucionais inscritos nos arts. 1º, inciso III; 5º, inciso I, e 7º, “caput” e incisos XX e XXX, da Constituição da República dão pleno amparo a este projeto de lei. Adotam-se, igualmente, normas internacionais ratificadas pelo Brasil, a exemplo da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, notadamente em seu art. 11, que orienta as práticas de igualdade nas relações de trabalho. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial - Cerd -, de 1966; a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância, de Durban, em 2001, e a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, igualmente, informam esta proposição ao traçarem diretrizes passíveis de incorporação ao ordenamento jurídico pátrio.
A igualdade entre homens e mulheres é preceito vinculado à própria essência do Estado Democrático de Direito.
- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Direitos Humanos para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.