PL PROJETO DE LEI 2955/2012

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 2.955/2012

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do Deputado Antônio Carlos Arantes, o projeto de lei em epígrafe dispõe sobre a outorga coletiva do direito de uso de recursos hídricos.

Publicado no “Diário do Legislativo” de 15/3/2012, o projeto foi distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, de Minas e Energia e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Cabe a esta Comissão, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, III, “a”, do Regimento Interno, examinar a juridicidade, a constitucionalidade e a legalidade da proposição.

Tendo em vista o transcurso do prazo de suspensão da tramitação, previsto no art. 301 do Regimento Interno, emitimos nosso parecer, embora, até o momento, não nos tenha chegado o resultado da diligência.

Fundamentação

O projeto de lei em tela pretende regulamentar, no âmbito do Estado, a chamada outorga coletiva de direito de uso de recursos hídricos, procedimento administrativo participativo por meio do qual pode ser pactuada proposta contendo direito de uso múltiplo das águas entre os usuários de um sistema hídrico em conflito, assim definida no art. 1º da proposição.

A possibilidade de solicitação de uma outorga coletiva permitirá que os usuários de recursos hídricos negociem entre si a melhor maneira de dar aproveitamento sustentável a esses recursos, submetendo a proposta elaborada ao órgão gestor. Dessa forma, busca-se estimular o fortalecimento de um ambiente de diálogo entre os usuários, resolvendo ou mesmo evitando conflitos de interesse quanto ao uso da água.

De acordo com o projeto, pessoa jurídica criada e composta por usuários interessados na outorga coletiva de direito de uso de recursos hídricos poderá propô-la e recebê-la do poder público.

O projeto prevê também a regulamentação de um procedimento participativo a ser utilizado para a resolução de conflitos de interesses já instalados envolvendo o direito de uso da água, qual seja a alocação negociada do uso de recursos hídricos.

Nesse procedimento, os acordos são construídos por metodologias participativas, inovando quanto aos tradicionais instrumentos de comando e controle unilaterais. Esses acordos podem incluir ou não a outorga coletiva de direito de uso de recursos hídricos.

A alocação negociada poderá ser utilizada em sub-bacias demarcadas como áreas de conflito, ou seja, aquelas nas quais for constatado tecnicamente que a demanda pelo uso da água é superior à vazão ou ao volume disponível.

O art. 4º da proposição prevê a possibilidade de realização de ajustes na outorga e na cobrança pelo uso da água, a fim de que os usuários sejam estimulados a investir em ações de regularização da disponibilidade de recursos hídricos, seja no contexto da alocação negociada da água, seja em outros momentos em que tais acordos se tornarem convenientes.

Há ainda a previsão da possibilidade da utilização das Parcerias Público-Privadas – PPPs – para a execução das obras de uso múltiplo da água, definindo-as como a implantação, manutenção e a modernização de infraestruturas de reservação e distribuição de águas com o objetivo de incrementar sua disponibilidade para fins econômicos e sociais, bem como para a manutenção dos sistemas ecológicos.

Por fim, o projeto regulamenta o rateio dos custos inerentes às obras de uso múltiplo de recurso hídricos, estabelecendo o instrumento do termo de rateio com as respectivas obrigações das partes e sanções aplicáveis no caso do seu descumprimento.

Apresentada uma breve síntese, passamos a analisar os aspectos de legalidade, constitucionalidade e juridicidade da proposição.

Inicialmente, sobre o aspecto da competência, é necessário destacar que a Constituição Federal de 1988 prevê expressamente competir à União legislar sobre águas (art. 22, IV) bem como instituir o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso.

Por outro lado, o art. 26, I, da Constituição Federal consignou expressamente que se incluem entre os bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, tendo ainda trazido em seu art. 25, §1º, a competência legislativa remanescente dos Estados federados, reservando-lhes todas as atribuições legislativas e administrativas que não lhes sejam vedadas pelo texto constitucional.

Dessa forma, é possível concluir que o Estado federado é competente para instituir o seu sistema estadual de gerenciamento dos recursos hídricos situados em seu território (art. 26, I, da Constituição Federal), dispondo sobre os critérios de outorga de direitos de uso, bem como sobre os procedimentos administrativos a serem observados pelo administrado e pela administração pública para fins de sua concessão.

Contudo, é importante observar que, ao tratar dos referidos assuntos, o legislador estadual não pode contrariar o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos, devendo ainda observar a legislação nacional sobre águas e sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos (Decreto nº 24.643, de 1934, e Lei nº 9.433, de 1997).

Especificamente quanto às normas da Política Nacional de Recursos Hídricos, chama-se a atenção para o disposto no art. 30, inciso I, da Lei Federal nº 9.433, de 1997, que assim dispõe:

“Art. 30. Na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, cabe aos Poderes Executivos Estaduais e do Distrito Federal, na sua esfera de competência:

I - outorgar os direitos de uso de recursos hídricos e regulamentar e fiscalizar os seus usos; [...]”.

Como se vê, em relação ao uso de recurso hídricos estaduais, a própria Política Nacional de Recursos Hídricos reconhece competir a cada Estado federado outorgar os direitos de uso e regulamentar o seu procedimento de concessão.

Frise-se que o Estado de Minas Gerais, por intermédio do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, vem se empenhando na tentativa de estabelecer procedimentos e normas gerais para a concessão e outorga coletiva de uso de recursos hídricos. Nesse contexto, o referido órgão editou a Resolução nº 284, de 2011 (alterada pela Resolução nº 294, de 2011), a qual cria um grupo de trabalho que tem como objetivo estabelecer procedimentos e normas gerais para a concessão de outorga coletiva.

Corroborando a argumentação apresentada acerca da competência legislativa estadual para tratar do tema, vale lembrar que o nosso Estado já possui norma que regulamenta a outorga do direito de uso de recursos hídricos no âmbito estadual, o seu procedimento, assim como as questões atinentes às obras de uso múltiplo e as suas compensações. Trata-se da Lei nº 13.199, de 1999.

A Subseção V, da Seção II, do Capítulo III da referida lei estadual regulamenta exatamente o procedimento de outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, enquanto a Subseção VIII da mesma seção do mesmo capítulo dispõe sobre o rateio de custos das obras de uso múltiplo de interesse comum ou coletivo.

Por outro lado, quanto à pretensão de inserir as obras de uso múltiplo de interesse comum ou coletivo no rol de atividades que podem ser executadas por meio de parcerias público privadas, bem como quanto à regulamentação do “termo de rateio”, são necessários alguns esclarecimentos.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 22, inciso XXVII, a competência legislativa privativa da União para editar normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

No exercício da competência legislativa em questão, a União editou a Lei nº 8.666, (institui normas para licitações e contratos da administração pública) e a Lei nº 11.079 (institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública).

Sendo assim, remanesce ao Estado federado a possibilidade de legislar sobre contratos administrativos e contratação de parceria público-privada desde que em observância às normas gerais estabelecidas pela União.

É importante ressaltar que o nosso Estado já possui norma específica sobre a contratação de parceria público-privada, qual seja, a Lei nº 14.868, de 2003.

Analisando o conteúdo da proposição, constata-se que as normas pertinentes ao termo de rateio, assim como as relativas à parceria público-privada, não conflitam com as normas gerais nacionais sobre o tema, encontrando-se dentro da competência remanescente do Estado prevista no art. 25, § 1º, da Constituição Federal.

Quanto ao aspecto da iniciativa, não há óbice quanto à deflagração do processo legislativo por parte de parlamentares, visto que a temática não se encontra inserida em rol privativo de determinada autoridade ou órgão.

Por fim, no que tange ao conteúdo do projeto, entendemos serem necessárias algumas alterações para fins de melhor adequá-lo à técnica legislativa, uma vez que, conforme já informado, as matérias tratadas na proposição já encontram previsão em leis estaduais específicas, quais sejam, a Lei nº 13.199, de 29 de janeiro de 1999, que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, e a Lei nº 14.868, de 2003, que dispõe sobre o Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas.

Sendo assim, as inovações trazidas pela proposição, na medida em que guardam estrita pertinência com as matérias tratadas nas leis estaduais em questão, devem ser nelas inseridas, razão pela qual se propõe o Substitutivo nº 1 a seguir redigido.

Conclusão

Pelas razões expostas, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 2.955/2012 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir redigido.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Altera a Lei nº 13.199, de 29 de janeiro de 1999, que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, e a Lei nº 14.868, de 2003, que dispõe sobre o Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica acrescentado ao art. 18 da Lei nº 13.199, de 29 de janeiro de 1999, o seguinte § 3º:

“Art. 18 (…)

§ 3º – A proposta de outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser apresentada por pessoa jurídica criada e composta pelos usuários interessados, sendo a ela deferida a outorga coletiva.”.

Art. 2º – Fica acrescentado à Lei nº 13.199, de 1999, o seguinte art. 18-A:

Art. 18-A – Em sub-bacia previamente demarcada como área de conflito pelo poder público, será adotada a alocação negociada do uso de recursos hídricos.

Parágrafo único – Para os fins desta lei, considera-se:

I – área de conflito a sub-bacia em que for constatado tecnicamente que a demanda pelo uso de recursos hídricos é superior à vazão ou volume disponível para a outorga de direito de uso;

II – alocação negociada do uso dos recursos hídricos o procedimento participativo em que se pactua proposta quanto aos direitos de uso múltiplo das águas entre os usuários de um sistema hídrico.”.

Art. 3º – O § 1º do art. 19 da Lei nº 13.199, de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 19 – (...)

§ 1º – A outorga levará em conta a necessidade de se preservar o uso múltiplo e racional das águas, considerando a variação sazonal de sua disponibilidade natural.”.

Art. 4º – Fica acrescentado à Lei nº 13.199, de 1999, o seguinte art. 22-A:

“Art. 22-A – A compensação relativa a investimentos de usuários para a regularização da disponibilidade de recursos hídricos poderá ser pactuada com o poder público utilizando-se de ajuste compensatório da cobrança pelo uso de recursos hídricos e da outorga dos direitos de uso de recursos hídricos.”.

Art. 5º – Fica acrescentado à Lei nº 13.199, de 1999, o seguinte art. 29-A após a subseção VIII Do Rateio de Custos das Obras de Uso Múltiplo de Interesse Comum ou coletivo:

“Art. 29-A – Para os fins desta lei, entende-se como obras de uso múltiplo dos recursos hídricos a implantação, manutenção e modernização de infraestruturas de reservação e distribuição de águas com o objetivo de incrementar a sua disponibilidade para fins econômicos e sociais dos vários usuários, bem como para a manutenção dos sistemas ecológicos.

Parágrafo único – Entre as obras de uso múltiplo, incluem-se:

I – barramentos e seus respectivos reservatórios;

II – transposição de bacias;

III – infraestruturas de reúso das águas;

IV – perímetros de irrigação;

VI – demais infraestruturas coletivas que beneficiem mais de um usuário de recursos hídricos.”.

Art. 6º – Ficam acrescentados ao art. 30 da Lei nº 13.199, de 1999, os seguintes §§ 3º, 4º e 5º:

“Art. 30 – (…)

§ 3º– O rateio dos custos inerentes às obras de uso múltiplo de recursos hídricos, de interesse comum ou coletivo, será firmado por meio de termo de rateio, o qual especificará as obrigações dos usuários beneficiários e as sanções a eles aplicadas nos casos de inadimplência ou descumprimento dos deveres acordados.

§ 4º – Entre as obrigações a que se refere o § 3º, inclui-se o rateio dos custos de implantação, manutenção e modernização dos serviços e das infraestruturas coletivos.

§ 5º – As sanções por inadimplência ou descumprimento dos deveres acordados no termo de rateio deverão constar expressamente em seu texto consistindo, de acordo com a gravidade da infração, em:

I – advertência;

II – multa em percentual previamente definido;

III – suspensão da outorga do direito de uso dos recursos hídricos e do acesso aos serviços e infraestruturas coletivos;

IV – rescisão unilateral do termo de rateio.”.

Art. 7º – Fica acrescentado ao “caput” do art. 5º da Lei nº 14.868, de 16 de dezembro de 2003, o seguinte inciso VII:

“Art. 5º – (...)

VII – as obras de uso múltiplo das águas, nos termos dos arts. 29-A e 30 da Lei nº 13.199, de 29 de janeiro de 1999.”.

Art. 8º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 4 de setembro de 2012.

Sebastião Costa, Presidente - André Quintão, relator - Gustavo Valadares - Glaycon Franco.