PL PROJETO DE LEI 2950/2012

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 2.950/2012

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do Deputado Carlos Henrique, a proposição em epígrafe “altera a Lei nº 14.941, de 29 de dezembro de 2003, que dispõe sobre o Imposto sobre Transmissão 'Causa Mortis' e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCD”.

Publicada no Diário do Legislativo de 15/3/2012, a matéria foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Vem agora a este órgão colegiado para análise preliminar de seus aspectos jurídico, constitucional e legal, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, III, “a”, do Regimento Interno.

Em 14/8/2012, este relator apresentou requerimento solicitando fosse a proposição baixada em diligência à Secretaria de Estado de Fazenda. A resposta a essa diligência encontra-se anexada ao processo.

Fundamentação

A proposição em tela visa alterar a Lei nº 14.941, de 29 de dezembro de 2003, que dispõe sobre o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCD. Mais especificamente, pretende-se acrescentar parágrafo ao art. 14 da mencionada lei, dispondo que “o ITCD será recolhido mediante alvará judicial e será descontado do montante dos bens deixados em espécie pertencentes ao espólio em virtude de sucessão legítima ou testamentária ou de doação”.

Segundo o autor, a alteração legal seria necessária a fim de possibilitar aos herdeiros a quitação do ITCD por meio de desconto nos valores em espécie dos espólios. Afirma que isso corrigirá a dificuldade que muitos herdeiros têm de receber seus quinhões de herança por falta de condições financeiras de quitar o ITCD. A ideia central seria a de possibilitar o pagamento com os próprios recursos a serem recebidos dos espólios sem onerar aqueles que vão receber seus quinhões em virtude de sucessão legítima ou testamentária.

O ITCD é um tributo instituído pelo Estado, nos termos do art. 155, I, da Constituição da República de 1988. No exercício dessa competência, o Estado de Minas Gerais editou a Lei nº 14.941, de 2003, que dispõe sobre o referido imposto, estabelecendo a sua hipótese de incidência, base de cálculo, alíquotas, entre outros aspectos. À Assembleia Legislativa compete dispor sobre a matéria referente ao imposto, em consonância com o princípio da reserva legal, haja vista que a organização do sistema tributário, da arrecadação e da distribuição de renda deve ser submetida ao crivo desta Casa, por força do disposto no art. 61, III, da Constituição mineira.

Ocorre que a proposição em comento extravasa o âmbito da competência estadual, na medida em que pretende interferir no direito processual civil, matéria que é de competência privativa da União Federal, nos termos do art. 22, I, da Constituição da República de 1988.

Com efeito, ao determinar que o ITCD seja recolhido mediante alvará judicial e seja descontado dos bens deixados em espécie pertencentes ao espólio em virtude de sucessão legítima ou testamentária, o projeto vai além de somente legislar sobre o imposto estadual, alterando a forma de pagamento do tributo. Portanto, ele esbarra em procedimentos cuja competência legislativa é da União, como é o caso do inventário, regulamentado nos arts. 982 e seguintes do Código de Processo Civil - CPC - Lei Federal nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Destaque-se que os atos judiciais envolvendo a avaliação e cálculo do imposto estão discriminados nos artigos 1.003 a 1.013 do mesmo código.

Ademais, como se passa a demonstrar, embora louvável a iniciativa do parlamentar, a medida constante do projeto ofende outros dispositivos legais, razão pela qual não merece tramitar nesta Casa.

Pelo princípio da saisine, adotado pelo Código Civil Brasileiro, em seu art. 1.784, aberta a sucessão, com o falecimento do de cujus, há a imediata e automática transmissão da propriedade e posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários. Por esse motivo, a Lei nº 14.941, de 2003, arrola, como contribuinte do ITCD, o herdeiro ou legatário, na transmissão por sucessão legítima ou testamentária (art. 12, I). De acordo com a lei, são ainda contribuintes do imposto: o donatário, na aquisição por doação (art. 12, II); o cessionário, na cessão a título gratuito (art. 12, III) e o usufrutuário (art. 12, IV). Nesta senda, o art. 13, I, da referida lei determina que o imposto será pago na transmissão “causa mortis”, no prazo de 180 dias contados da data da abertura da sucessão. Logo, em sendo contribuinte do ITCD, é o herdeiro quem deverá proceder à quitação do imposto.

Nesse contexto, a pretensão de que o ITCD seja recolhido mediante alvará judicial e seja descontado dos bens deixados em espécie pertencentes ao espólio vai de encontro a toda a legislação que rege o referido imposto, que prescreve ser o herdeiro o contribuinte, isto é, aquele que deverá arcar com a referida tributação.

É verdade que podem existir situações em que os herdeiros não tenham condições financeiras para quitar o ITCD, dificultando o recebimento dos seus quinhões de herança. Todavia, na prática, tais excepcionais hipóteses devem ser solucionadas no âmbito dos próprios procedimentos de inventário.

Vale dizer, desde que haja a comprovação da incapacidade de pagamento da referida despesa, é plenamente possível a quitação do tributo, mediante requerimento ao juízo do inventário. Aliás, mesmo que não haja valores em espécie disponíveis, deverá ser promovida a alienação de bem para se arcar com o pagamento dessa dívida. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais é iterativa nesse sentido. Confira-se:

"Agravo de Instrumento - outorga de escritura - bem integrante de acervo hereditário - pagamento - herdeiro - impossibilidade - ausência de partilha - universalidade - arts. 1791 e 1793 do Código Civil - art. 992, 1022 e 1027 do CPC.

O numerário obtido com a alienação de bem integrante do acervo hereditário pertence ao próprio espólio, eis que a venda procedida anteriormente à partilha encontra-se afetada ao pagamento das dívidas, dos legados, da remuneração de profissionais que venham a atuar no feito, e do imposto causa mortis. Apenas após o término do inventário é que há a deliberação judicial de partilha dos bens, com a designação de quais devam constituir quinhão de cada herdeiro" (Agravo de Instrumento nº 1.0701.09.274833-7/001, Relatora: Desa. Cláudia Maia, DJ: 05/03/2010.)

"Inventário - herdeiros capazes - ausência de litígio entre as partes - incapacidade financeira - alvará para venda de bem do espólio - ITCD. - Não tendo os herdeiros capacidade financeira para quitar o ITCD, é cabível a expedição de alvará para a venda de bem do espólio" (Agravo de Instrumento n° 1.0024.05.822438-7/001, Relator: Des. Alberto Vilas Boas, DJ: 16/09/2008.)

“Inventário - herdeiros maiores e capazes - dificuldade financeira para pagamento do ITCD - pedido de venda bem inventariado - condicionada a tal pagamento - possibilidade. - Sendo todos os herdeiros, principais interessados no desate, maiores e capazes, e não havendo elementos bastantes para duvidar da alegação de dificuldade em reunir numerário para as despesas com a manutenção dos imóveis, impostos decorrentes, custas processuais e ITCD; demonstra-se razoável o pedido de liberação do pagamento antecipado do imposto e que tal se dê com o numerário obtido com o negócio da venda de mais um bem” (Agravo de Instrumento nº 1.0024.91.792881-4/001, Relator: Geraldo Augusto, DJ: 29/04/2008.)

“Agravo de Instrumento. Direito das sucessões. Venda de bens imóveis do espólio, condicionada ao recolhimento posterior e imediato do ITCD. Possibilidade. Descumprimento da determinação judicial. Novo pedido de levantamento de quantias para suposto pagamento do tributo. Configuração de partilha antecipada. Impossibilidade. Recurso desprovido.

I - A alienação de bem do espólio deve preencher certos requisitos, dentre os quais a quitação dos impostos devidos pela universalidade. II - Excepcionalmente, constatada a deficiência econômica do espólio para arcar com os encargos decorrentes do processo de inventário, nos quais se inclui o pagamento do ITCD, é possível autorizar a venda de bens imóveis. (…).” (Agravo de Instrumento nº 0201587-90.2010.8.13.0000, Relator: Des. Leite Praça, DJ: 06/08/2010.)

Pode-se afirmar, assim, que o projeto não inova a ordem jurídica, uma vez que esta já socorre os herdeiros sem condições financeiras quanto à quitação do ITCD, desde que demonstrada essa necessidade ao Poder Judiciário.

Finalmente, vale lembrar que, em resposta ao pedido de diligência, a Secretaria de Estado de Fazenda opinou desfavoravelmente à proposição. Salientou que, diversamente do que almeja o autor da proposição, “a proposta de vincular o pagamento do ITCD à expedição de um alvará judicial trará prejuízos ao Estado, uma vez que tornará mais difícil e demorado o recolhimento do tributo”. Ressaltou, ainda, que “a proposição em comento representa um retrocesso em relação à forma de arrecadação do imposto, uma vez que traria prejuízo à arrecadação do Estado, além de impor aos cartórios judiciais e à Administração Tributária a prática de inúmeros atos, sobrecarregando ainda mais a rotina desses órgãos”.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela antijuridicidade, inconstitucionalidade e ilegalidade do Projeto de Lei nº 2.950/2012.

Sala das Comissões, 20 de maio de 2014.

Sebastião Costa, Presidente e relator - Lafayette de Andrada - Duilio de Castro - Dalmo Ribeiro Silva.