PL PROJETO DE LEI 2580/2011

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 2.580/2011

Comissão de Direitos Humanos

Relatório

De autoria do Deputado Pompílio Canavez, o projeto em epígrafe “institui no âmbito do Estado políticas públicas de equidade de gênero, objetivando coibir práticas discriminatórias nas relações de trabalho urbano e rural, bem como no âmbito dos entes de direito público externo, das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, e dá outras providências”.

A proposição foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça e de Direitos Humanos.

Analisado preliminarmente pela Comissão de Constituição e Justiça, que concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria na forma do Substitutivo nº 1, então apresentado, o projeto vem agora a esta Comissão para receber parecer quanto ao mérito, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, V, “c”, do Regimento Interno.

Fundamentação

O Projeto de Lei nº 2.580/2011 visa a estabelecer direitos, normas, mecanismos e sanções, com vistas a conferir efetividade ao princípio da igualdade contido na Constituição Federal. Para tanto, ampara-se nos tratados e convenções internacionais acolhidos no direito interno, assim como em diplomas constitucionais e infraconstitucionais. Segundo sua própria justificação, tem como objetivo prevenir e coibir quaisquer práticas discriminatórias lesivas à dignidade feminina, bem como garantir que a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho ocorra com respeito às especificidades de sua condição.

Entretanto, a análise preliminar da Comissão de Constituição e Justiça observou vícios jurídicos, seja por se repetirem normas constitucionais e outras já existentes, gerando redundâncias desnecessárias e desaconselháveis, seja por pretender-se legislar sobre direito do trabalho, invadindo matéria reservada privativamente à União pelo art. 22, I, da Carta Magna. Semelhante compreensão resta confirmada nos acórdãos do STF exarados em face das ADIs 2.487-6 SC e 3.166 SP, que formam jurisprudência.

Em consequência, concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria, mas na forma do Substitutivo nº 1, então apresentado, que aproveitou o art. 3º e o parágrafo único do art. 4º da proposição original por meio do seu redirecionamento para a Lei nº 11.039, de 1993 - que “impõe sanções à firma individual e à empresa jurídica de direito privado em cujo estabelecimento seja praticado ato vexatório, discriminatório ou atentatório contra a mulher e dá outras providências” –, com o propósito de proceder segundo o princípio da consolidação das normas legislativas.

Reconheceu, pois, no projeto em tela, “o meritório escopo de fazer cumprir as diretrizes delineadas no texto da Carta Federal [...] e [...] um nítido pendor de preocupação social”. De fato, sua intenção corresponde aos interesses das sociedades civil e política mineiras. Vai ao encontro de Conferências, legislações, decretos, resoluções, portarias e documentos federais. Reforça o trabalho desenvolvido por todo um sistema de órgãos públicos, com seus programas e ações que objetivam ou incorporam a defesa e a promoção dos interesses e direitos femininos. E se agrega aos inúmeros eventos institucionais, audiências, debates e iniciativas afins que foram uma constante nesta Casa ao longo das últimas duas décadas.

Todavia, as resistências intelectuais e práticas que intenta suplantar são grandes e regenerativas. As formações econômico-sociais burguesas, desde o seu nascedouro, assimilaram os padrões autoritários que as precederam. A própria intelectualidade moderna, ao gestar-se na Europa em meados do milênio passado, a partir do renascentismo, não incorporou em sua crítica ao tradicionalismo a rejeição explícita e convincente ao machismo. De tal sorte, o reconhecimento da autonomia e da igualdade humanas, ressaltada por Kant na abordagem e na valorização do sujeito, acabou reproduzindo o reino do masculino na vida privada e na coisa pública.

No Brasil, esse caminho convencional foi ainda mais cristalizado. Ao contrário do que se passou na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, aqui a revolução contra a antiga ordem transcorreu em processo dilatado e complexo, desde o alvorecer do mercado e da cultura nacionais, passando pelos levantes que propugnaram a independência e a fundação do Estado autônomo, até as contestações ao Império e à escravatura, que desaguaram na abolição e na República. Mantiveram-se, porém, a soberania nacional limitada, o regime autocrático, o monopólio da terra, o atraso econômico, as enormes disparidades sociais e, como não poderia deixar de ser, o patriarcalismo.

A proposição apresentada procura contribuir, no âmbito estadual, para a ultrapassagem desse padrão meridional a que Gramsci se referiu como revolução passiva. Em olhar mediado, percebe a luta pelos interesses e anseios imediatos das mulheres, remetendo pois a reformas parciais que melhorem suas condições de vida cotidianas dentro da formação econômico-social vigente. Em abordagem mais ampla, destaca a construção de valores em confronto com a manutenção e a reprodução da herança conservadora, que ainda constrange as brasileiras a relações assimétricas e opressivas. Por fim, em perspectiva histórica, ambiciona construir novos paradigmas de sociabilidade, em cujo horizonte esteja a emancipação feminina.

Não é algo simples. A mera existência do processo de aprendizagem singularmente dirigido às “fêmeas” - com seus gestos, posturas, expressões e valores singulares, remanescentes das gerações passadas e transmitidos ao longo da vida - mantém a atualidade da luta democrática. O polo avançado desse contencioso, que evoca a comunidade platônica de homens e mulheres iguais e solidários, reciclando-a na contemporaneidade, rebela-se contra as identidades criadas pela repetição mecânica e alienada de relações e atos inscritos há milênios no corpo dos seres humanos, geradores de comportamentos discriminatórios e, ao introjetar-se no elo passivo, também servis.

Os comentários acima destacam as condições sociais que, mesmo representando ainda - como nas marcas deixadas pela história – limitação e heteronomia, podem igualmente transformar-se e expandir-se para gestos de liberdade e autonomia. Trata-se, porém, de um processo de longo prazo, até porque, em seus momentos mais admiráveis, revelou fins profundos e de difícil consecução. Simone de Beauvoir o reconheceu na célebre entrevista de 1976, quando disse que estava pensando em termos de “quatro gerações”. Ou mais, pode-se adicionar.

Embora seja óbvio que tal fim apenas se decidirá nos processos econômico-sociais e, como sugeriu Rudolf von Ihering, a partir dos conflitos concretos, a proposição em estudo aponta para mais um passo na direção pretendida. Assim, em que pese a procedência em geral da justificação aportada pela Comissão de Constituição e Justiça, é possível e recomendável a recuperação, integral ou parcial, de mais alguns dispositivos - mas em projeto de lei próprio, como se pretendeu originalmente, pois se trata de políticas públicas -, obviamente expurgando-se as passagens que contenham vícios de redundância, ausência de inovação e invasão de competência.

Já os dispositivos afetos a instituições em geral podem ser acrescidos à Lei nº 11.039. Concomitantemente, ao aproveitar-se o teor do art. 4º-A, I, § 1º, do Substitutivo nº 1, convém modificar sua redação para que sejam suprimidos os conteúdos impertinentes ao escopo central da matéria tratada. Nessa perspectiva, torna-se necessária a apresentação do Substitutivo nº 2.

Conclusão

Em face do aduzido, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 2.580/2011 na forma do Substitutivo nº 2, a seguir apresentado, e pela rejeição do Substitutivo nº 1, da Comissão de Constituição e Justiça.

SUBSTITUTIVO Nº 2

Dispõe sobre a promoção da igualdade entre os gêneros e acrescenta dispositivo à Lei n° 11.039, de 14 de janeiro de 1993.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º - Cabe ao Estado promover a igualdade entre os gêneros, bem como prevenir, coibir e eliminar as formas de discriminação direta e indireta contra a mulher.

§ 1º - Para os fins desta lei, considera-se discriminação indireta aquela que, por atitude, procedimento, prática, critério, disposição ou norma, expressos ou não, intencionais ou não, tenha o efeito de colocar ou manter pessoas em situação de desvantagem comparativa, ressalvados os atos que se justifiquem pelo exercício de funções na hierarquia de instituições ou pela aplicação de políticas adotadas para compensar condições desiguais e alcançar igualdade de tratamento.

§ 2º - Para efeito do disposto no “caput” deste artigo, serão instituídos planos, programas e ações administrativas com os seguintes objetivos:

I - combate ao sexismo, ao patriarcalismo, aos assédios moral ou sexual, à linguagem depreciativa e às demais formas de discriminação contra a mulher;

II - inclusão da perspectiva de gênero nas políticas públicas relacionadas às mulheres;

III - amparo a mulheres e homens no exercício compartilhado e equilibrado de suas responsabilidades familiares, garantindo-lhes o direito e as condições básicas para o desenvolvimento pessoal e profissional;

IV - combate à dupla jornada de trabalho feminina e a seus efeitos nocivos.

Art. 2° - As ações assecuratórias do princípio da igualdade entre mulheres e homens incidirão sobre os processos seletivos, assim como sobre os critérios de avaliação, formação e capacitação, inclusive para efeito de acesso ou exercício de cargos e funções públicas, vedadas as formas de preterimento e discriminação.

Art. 3º - As políticas públicas para geração de emprego priorizarão a participação das mulheres no mercado de trabalho, observadas, na questão de gênero, a transversalidade, a corresponsabilidade, a isonomia de tratamento e a igualdade de oportunidade.

§ 1° - Considera-se transversalidade a obrigação de atentar, em qualquer decisão, para as formas como são atingidas as mulheres e os homens, direta ou indiretamente, de modo a evitar o acirramento das assimetrias e promover a igualdade efetiva entre os gêneros.

§ 2° - Considera-se corresponsabilidade a obrigação de compartilhar as obrigações de maneira equânime entre mulheres e homens, tanto na esfera privada - tarefas domésticas e familiares - quanto na vida pública e social.

§ 3° - Para a consecução do objetivo fixado no “caput” deste artigo, serão observadas as seguintes diretrizes:

I - equalização das oportunidades por meio de políticas que, suprindo necessidades da vida pessoal das mulheres e de suas responsabilidades familiares, facilitem o seu acesso e a sua permanência no mercado de trabalho;

II - promoção da formação e da capacitação das mulheres por meio de programas com a perspectiva de gênero, que favoreçam o acesso e a permanência no mercado de trabalho;

III - incentivo à contratação de mulheres para trabalho público temporário, com vistas à garantia de igualdade nas oportunidades entre os gêneros.

Art. 4º - O Poder Executivo, no âmbito do Estado, conferirá selo distintivo a empresas e Municípios que se tenham destacado na aplicação de políticas voltadas à igualdade de tratamento e de oportunidade para empregados e empregadas.

Parágrafo único - O selo a que se refere o “caput” deste artigo será reconhecido como indicador de prática favorável à isonomia de gênero, tanto na gestão de pessoal quanto na cultura organizacional, e poderá ser utilizado pelos agraciados:

I - para fins informativos e publicitários;

II - para a obtenção de financiamentos estatais, no caso de empresas privadas.

Art. 5º - Fica acrescentado à Lei nº 11.039, de 14 de janeiro de 1993, o seguinte art. 4º-A:

“Art. 4º-A - Será respeitada a igualdade de tratamento entre mulheres e homens como valor organizacional e prática cotidiana, observando-se a inclusão, em programas de formação, de temas relacionados à isonomia de gênero, com vistas à criação e à manutenção de culturas internas capazes de reproduzir valores democráticos e prevenir condutas discriminatórias.”.

Art. 6º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 28 de novembro de 2012.

Paulo Lamac, Presidente e relator - Duarte Bechir - Glaycon Franco - Rômulo Viegas.