Dezenas de moradores de comunidades prejudicadas pela Cemig participaram da reunião
O defensor público Aylton Magalhães defendeu que o caso seja tratado de forma coletiva
Representante da Cemig disse que questões de urbanização e habitação devem ser construídas com o poder público

Ação coletiva para o Morro do Papagaio é defendida

Segundo Defensoria e MP, forma individualizada com que Cemig trata o conflito penaliza moradores dessa comunidade.

14/07/2022 - 20:44 - Atualizado em 15/07/2022 - 12:01

Transformar as mais de 200 ações de reintegração de posse contra moradores do Morro do Papagaio em uma única ação coletiva para discutir com todos os envolvidos a situação das famílias que residem perto das redes de alta tensão da Cemig. Essa foi a principal diretriz extraída da reunião que a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou nesta quinta-feira (14/7/22).

Solicitada pela presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus (PT), a audiência pública reuniu dezenas de moradores do Morro do Papagaio e de outras comunidades que enfrentam o mesmo problema, muitos ameaçadas de despejo, uma vez que suas ações já foram concluídas. No caso do Morro do Papagaio, a rede está em cima de dezenas de casas entre as ruas São Joaquim e São Tomaz de Aquino.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Os representantes da Defensoria e Ministério Públicos de Minas Gerais qualificaram que o conflito tem natureza coletiva e, por isso, não caberiam as ações individuais, no que foram apoiados pelas comunidades.

Já o representante da Cemig afirmou que a empresa fiscaliza essas áreas, que não podem ser ocupadas por razões de segurança, notificando os moradores. Se algum ocupante da área se recusar a sair do local, a Cemig entra com ação judicial contra ele, individualmente, pois ela entende que a exposição ao risco de cada morador é diferente conforme o lugar onde habita.

O defensor público Aylton Magalhães defendeu que a discussão da remoção dessas pessoas do lugar onde moram deve ser tratada coletivamente. De acordo com ele, desde 2015, o Código de Processo Civil prevê que sucessivas ações com o mesmo objeto devem ser transformadas numa só ação coletiva e que a Defensoria e o Ministério Públicos são os responsáveis por fazer esse trabalho.

A promotora de justiça Cláudia Amaral, da Promotoria de Direitos Humanos do MPMG, endossou a fala do defensor concordando com a natureza coletiva do conflito. “Nossa atuação só ocorre se a ação é coletivizada. Como já havia sentenças mandando retirar pessoas, tivemos o desafio de dar um tom coletivo à questão, chamando as partes para sentar à mesa de negociação”, registrou.

Na sua avaliação, a situação desses moradores, que tem violado seu direito de morar, é desoladora. “Precisamos de um tom adequado nesse conflito, que pode trazer danos irreparáveis a essas pessoas”, conclamou.

Investimento da PBH

Os dois operadores do direito concordaram que a Cemig não age corretamente ao desconsiderar todo o investimento feito pela Prefeitura de Belo Horizonte no Morro do Papagaio.

Em outro momento da reunião o engenheiro da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), Luiz Roberto Delgado, havia informado que a PBH investiu, desde 2012, R$ 140 milhões nesse aglomerado.

De acordo com Delgado, o poder público municipal vem atuando em parceria com outras entidades para reduzir o número de remoção de famílias nessa região. Nesse busca, a PBH construiu toda a infraestrutura para que a Cemig passasse sua rede elétrica subterrânea, tendo como objetivo manter as famílias em seu local de origem.

Além disso, foram abertas novas vias, permitindo a estruturação de todo o sistema viário, e construídos um parque ecológico e 600 unidades habitacionais.

Para Defensoria e MP, moradores da comunidade devem permanecer no local

Todos esses investimentos realizados no local deram argumento ao defensor e à promotora para defender a permanência dos moradores no Morro do Papagaio.

O defensor Aylton Magalhães afirmou que a Cemig, ao se negar a colocar a rede subterrânea pode ser acusada de improbidade administrativa, uma vez que estaria desconsiderando o grande investimento feito pela PBH. A deputada Andréia de Jesus concordou com os dois e propôs que, caso a Cemig não dê sequência ao processo, deverá ser acionada judicialmente. 

A promotora Cláudia Amaral, por sua vez, destacou que o poder municipal cumpriu todos os requisitos e a Cemig não fez a parte dela, preferindo entrar com uma enxurrada de ações de reintegração de posse.

O defensor ainda lembrou que a lei processual estabelece que, se houver uma forma alternativa para evitar a remoção de pessoas, ela deve ser adotada, e é o que acontece no Morro do Papagaio. 

Outras vilas vivem situação semelhante ao Morro do Papagaio

Júlio César de Souza, presidente da Associação de Moradores do Morro do Papagaio, disse que muitas comunidades estão sofrente racismo ambiental e estrutural.

“Os bairros nobres também têm redes de alta tensão e não sofrem o mesmo tratamento que as comunidades pobres”, reclamou. Ele lembrou que mais de 300 famílias do aglomerado foram remanejadas pela Urbel justamente para que a Cemig colocasse a rede subterrânea. Essa ação gerou nos moradores o sentimento de que a situação estava resolvida, mas não foi o que se confirmou.

Luiz Aguiar, presidente da Associação de Moradores da Vila Ecológica, destacou que a comunidade existe há 30 anos dentro do Morro do Papagaio e várias casas estão com ordem de demolição, devido a ações movidas pela Cemig. Ele entoou com as demais lideranças o grito de guerra: “Cemig, tira a mão da nossa terra!”

Ana Paula Pinheiro, líder comunitária da Vila Antena, disse que sua família reside no local há 70 anos. Afirmou também que a Cemig nunca tinha informado de riscos para os moradores dali. Em 2013, foram retiradas algumas casas e outras foram notificadas.

Levei a vida toda para construir minha casa. Aí vem uma ordem de despejo, com o prazo de 30 dias para desocupar. Estou aqui pedindo socorro, porque a Cemig não tem o mínimo de respeito”, criticou.

Para Edmar Martins, líder comunitário do Conjunto Paulo Sexto, a Cemig está tentando resolver um problema antigo, mas quer fazer isso jogando as pessoas na rua. 

Cemig defende segurança ao remover famílias

Adiéliton Galvão de Freitas, gerente de Sustentabilidade da Cemig, explicou que, quando são construídas as linhas de transmissão, são criadas as faixas de servidão, onde não podem ser construídas moradias.

Por isso, a Cemig faz fiscalizações com o objetivo de garantir a segurança da população. “Desde 2007, fiscaliza essas áreas e ao verificar sua ocupação, notifica o morador. Se ele se recusa a sair, o processo é judicializado de forma individual”, informou.

Ele declarou ainda que questões de urbanização e habitação são complexas e devem ser construídas em parceria com o poder público. São firmados convênios com os municípios, prevendo obrigações para as partes. “Já houve convênios firmados a contento no Conjunto Paulo VI, no Morro das Pedras. Mas no caso do Morro do Papagaio, não se chegou à assinatura desse convênio”, detalhou.

Sobre a construção da linha subterrânea, Adiéliton Freitas destacou que isso deve ser analisado em cada localidade, dependendo inclusive do aval da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Estamos dispostos a dialogar e já mantemos um canal com o Morro do Papagaio e Ecológica”, concluiu. 

Mesa de Diálogo

Priscilla Antoniazzi Trigo falou sobre a Mesa de Diálogos e Negociação Permanente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese). Coordenadora dessa instância, que busca solucionar os conflitos por meio do diálogo entre as partes, ela disse que, no caso do Morro do Papagaio, já foi realizada uma primeira reunião, de escuta da comunidade.

E que outra será realizada no dia 4 de agosto, às 9h30, com a participação da Cemig, do MP e da Defensoria, para se chegar a uma solução.

Ao final, a promotora Cláudia Amaral considerou perversa a visão da Cemig de que a falta de assinatura do convênio entre a empresa e a PBH invalidaria o acordo entre as partes. Segundo ela, várias atas comprovam os compromissos assumidos pelos dois entes, inclusive com especificação de valores. Ela ressaltou que os moradores não tinham como presumir que o convênio era inexistente e, por isso, tinham segurança para permanecer em suas casas.

Suspensão de desapropriações

Já Cristina Fontes, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais, reivindicou a suspensão de todos os casos de desapropriação em fase de execução, por um ano, pelo menos, para viabilizar o diálogo entre as partes.

A deputada Andréia de Jesus defendeu a inclusão dessa proposta na mesa de diálogo agendada para agosto. Ela também informou que a comissão vai provocar o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para que todas as ações sejam coletivizadas.