Movimento de desativação da penitenciária, que não teria condições adequadas de funcionamento, foi defendido
Miriam Santos falou da violação de direitos e da segregação que ocorrem no sistema prisional
Ao abordar o deficit de vagas no sistema, Wilton Martins avaliou que proposta de mudança é complexa

Transformação de penitenciária fomentaria avanços em Neves

Comunidade defende mudança de presídio em universidade como forma de romper estigma e aumentar sentimento de segurança.

12/07/2022 - 22:54 - Atualizado em 13/07/2022 - 10:17

Deputadas e a comunidade de Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte) defenderam a transformação da Penitenciária José Maria Alkimin (PJMA) em uma unidade da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). Elas participaram de audiência conjunta das Comissões de Direitos Humanos e Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta terça-feira (12/7/22).

Consulte o resultado da reunião.

A coordenadora do Centro de Estudo, Pesquisa, Intervenção Ribeirão das Neves, Rosely Carlos Augusto, resumiu o sentimento dos cidadãos do município e listou argumentos em prol da mudança.

Entre eles, estaria o cumprimento da promessa do Governo de Minas de oferecer a Neves uma contrapartida após a construção do Complexo Prisional de Parceria Público Privada (PPP), com mais 3 mil vagas para detentos na cidade, em 2012. 

Outra vantagem da mudança da PJMA para Uemg seria, segundo Rosely, a construção de um sentimento de segurança e de maior pertencimento por parte da população local.

Além disso, a universidade seria um propulsor do desenvolvimento econômico e social no município, contribuindo para reduzir as desigualdades regionais e para ampliar as opções de formação para a juventude. 

Histórico

A liderança, que também representante do movimento #desativapjma, rememorou que a penitenciária foi criada em 1927, como colônia agrícola, dentro dos ideais de socialização pelo trabalho. Até os anos 1970, essa atividade funcionou bem e a unidade trocava produtos agrícolas com a comunidade. Mas a partir daí, o perfil dos detentos mudou muito, predominando uma população de área urbana das periferias das grandes cidades. 

Atualmente, o presídio, com 84 anos, já não apresenta condições adequadas de funcionamento para abrigar os 2.168 detentos e para o trabalho dos funcionários da unidade. Rosely ainda lembrou que o complexo arquitetônico do PJMA foi tombado em 2009, pelo município, que reconheceu seu valor urbanístico, arquitetônico e histórico.

Condições degradantes

Miriam Santos, presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, lembrou decisão recente do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu como inconstitucional o sistema penitenciário brasileiro. Isso porque ele funciona como num regime segregacionista para negros, deficientes e analfabetos, que são apartados do convívio social.

“No sistema prisional, ocorre violação generalizada de direitos, especialmente por causa da superlotação e precaridade das instalações, o que por si só já configura um tratamento degradante”, constatou.

Para ela, a situação na José Maria Alkimin não é diferente, pois a unidade estaria em péssimas condições. Além disso, a penitenciária não seria mais necessária, pois a maioria dos presos já teria cumprido sua pena e outro percentual grande deveria estar em outros presídios, pois não é de Ribeirão das Neves. 

Educação poderia transformar realidade

Mariana Cerqueira, empresária do comércio local, opinou que a PJMA cumpriu um papel importante na cidade, mas que esse período chegou ao fim e deve ser aberto espaço para o novo.

“Nós da cidade sempre fomos obrigados a aceitar tudo, como cadeias e lixão. Agora, nós é que mandamos: queremos a universidade para nossos filhos estudarem. O conhecimento liberta e transforma”, empolgou-se.

Já Tiago Viana, diretor do Ocupa Curumim e do Cursinho Popular Michel Le Vene, lamentou que Ribeirão das Neves, com a sétima maior população do Estado, é considerada apenas como cidade dormitório ou cidade dos presídios.

De acordo com ele, esse abandono se reflete no fato de apenas 3% dos habitantes locais conseguirem cursar a universidade. 

Ele foi um dos “privilegiados” que obteve essa façanha, mas viu vários amigos sendo mortos pela violência e pelo tráfico de drogas. “Estamos falando de jovens que poderiam se tornar cientistas, mas que todos os dias são assassinados nas periferias”, criticou.

Mudança seria ação muito complexa 

Wilton Martins, diretor de Gestão de Vagas do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen), afirmou respeitar a causa da população local, mas advertiu que a transformação em universidade seria uma ação bem complexa.

Ele lembrou que os mais de 2.100 presos da PJMA teriam que ser todos transferidos para outras unidades do Estado, que hoje já conta com um deficit de 22 mil vagas. 

“Temos hoje seis unidades prisionais em Neves, para 5.471 presos”, contabilizou, lembrando também que com a desativação da PJMA, todos os servidores teriam que ser transferidos.

Afirmou ainda que há por parte do governo uma tentativa de resgatar o perfil da PJMA com relação à vocação para o trabalho dos presos: a unidade tem oficinas de marcenaria para 506 detentos e uma escola com vagas para 180 presos. 

Por fim, disse que o governo destinou para algumas unidades mais antigas, entre elas a PJMA, cerca de R$ 70 milhões para reformas. “Pretendemos melhorar a estrutura, para que possamos atender ao que é exigido pelo tombamento”, avaliou. 

Diálogo 

Na opinião da advogada Fernanda Vieira, da Frente pelo Desencarceramento, não será possível desativar a penitenciária e mudar o regime de cumprimento de pena dos detentos da unidade sem um diálogo com o Judiciário e o Legislativo.

No segundo caso, ela informou que a Lei de Execuções Penais pode ser modificada pelo Legislativo mineiro, que tem competência concorrente com a União para legislar sobre direito penitenciário. 

É preciso começar

A vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputada Leninha (PT), anunciou que nesta quarta-feira (13) iria se reunir com o procurador-geral do MP para levar a demanda da comunidade de Neves a ele. “Entendemos as dificuldades trazidas pelo governo, mas precisamos começar esse processo”, defendeu. 

Moradora de Ribeirão das Neves e presidenta da Comissão de Direitos Humanos, a deputada Andreia de Jesus (PT) anunciou que vai provocar o Instituto Estadual do Patrimonio Histórico e Artístico (Iepha) para que agilize o tombamento da PJMA.

Vai requerer também que o Estado apresente um laudo sobre as condições atuais de funcionamento do presídio, para que a comissão avalie se a unidade preenche requisitos mínimos de atendimento aos detentos e aos servidores.