Atingidos por barragens em diferentes regiões do Estado estiveram presentes na audiência
Rogério Giannetti defende pesquisas independentes, para comprovar relação entre atividade minerária e dano às comunidades
Comunidades atingidas por barragens reivindicam a contratação de assessorias técnicas

Direitos de atingidos por barragens têm sido violados

Em audiência pública, convidados denunciaram em especial a negação do direito à assessoria técnica independente.

25/05/2022 - 15:27 - Atualizado em 25/05/2022 - 16:35

As Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), que devem prestar serviços às comunidades atingidas por barragens de mineração, foram fruto de lutas de movimentos sociais, conquistadas em especial a partir do rompimento da barragem da Vale em Mariana (Central) no ano de 2015. Convidados a debater o tema, porém, atingidos contaram que esse direito não tem sido efetivado e a instância sofre questionamentos e cerceamentos em suas atuações, vindos em especial das mineradoras.

As denúncias foram feitas em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na manhã desta quarta-feira (25/5/22). Essas assessorias devem ser escolhidas pelas comunidades atingidas e pagas pelas empresas responsáveis pelos danos. Entre as suas funções, estão prestar informações confiáveis aos atingidos e atuar na construção de acordos que visem a reparação integral dos atingidos.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Como explicou Thiago Alves, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, as assessorias “surgiram de demanda da luta de base, do movimento social, e depois foram incorporadas à política estadual”.

Essa incorporação se deu, inicialmente, em acordo firmado em 2017 entre a Vale e os atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana. Depois, elas foram incluídas também em acordo judicial em 2019 com os atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho (RMBH) naquele ano.

A Lei 23.795, de 2021, que contém a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab), incorpora essa ferramenta e a torna obrigatória para todos os empreendimentos.

A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) ainda não foi aprovada, mas o Projeto de Lei 2.788/ 19, já aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, também prevê as assessorias. Os convidados da audiência pública, porém, denunciaram que esse direito não tem sido respeitado.

Assessorias técnicas têm sido barradas ou limitadas pelas mineradoras

A Bacia do Rio Doce, que sofreu os efeitos do rompimento da barragem de Mariana, deveria ter as assessorias técnicas desde acordo firmado em 2017, mas a maioria dos municípios e comunidades ainda não conta com esse apoio, segundo Thiago Alves, do Movimento dos Atingidos por Barragens. “Enquanto isso, as empresas têm equipes grandes em campo para defender os seus interesses. Precisamos das assessorias independentes para termos um mínimo de paridade nessa relação”, disse.

Mesmo nos locais onde as assessorias já estão em funcionamento, há ameaças à sua atuação. Segundo Rogério Giannetti da Rocha, representante das Comissões de Atingidos da Região 3 da Bacia do Paraopeba, as empresas têm ameaçado reduzir o orçamento destinados às ATIs, o que deve impedir, por exemplo, a realização de estudos técnicos. Segundo ele, há a justificativa de que as mineradoras já pagam pelos estudos diretamente, mas o convidado reforçou que há desconfiança em relação às pesquisas feitas diretamente pelas empresas.

Citando estudo da ATI que atua em seu território, Rogério Giannetti disse que foram encontrados metais pesados, como manganês, em 73% das análises de águas subterrâneas, o que faz dessas águas impróprias para o consumo. Os estudos de água feitos pela empresa, que deve defender os interesses da sua contratante, não apontam os mesmos resultados.

Assim, ele defende a manutenção do orçamento e reforça a importância da continuidade das pesquisas independentes como forma de se possibilitar a comprovação das relações de causa e efeito entre atividades das mineradoras e danos aos atingidos. 

A falta de autonomia das ATIs em relação às empresas também foi apontada por alguns dos participantes. Segundo Elizete Pires da Sena, moradora da Comunidade do Passa Sete, quando a assessoria técnica produz um material de divulgação que cita o empreendimento, por exemplo, é a mineradora que aprova ou não esse material.

O professor e historiador Carlos Mitraud concordou com o colega e citou situação em que mineradora chegou a censurar jornal produzido por uma assessoria, obrigando-a, antes da distribuição, a colar algumas páginas de forma a impedir sua leitura.

Convidados destacam que é preciso equilibrar as forças

Eliana Marques Barros, atingida de comunidade do Choro, destacou que as empresas não prestam as informações devidas à população e as assessorias técnicas são essenciais para suprir essa necessidade. Segundo Kenya Donato, liderança indígena do Tronco de Sr. Gervásio e Dona Antônia, a assessoria técnica ajuda as comunidades a ter clareza do que está acontecendo e, assim, tomar decisões mais informadas.

O que se espera, como explicou Isis Menezes Táboas, coordenadora-geral da ATI Aedas/Brumadinho, é que as assessorias ajudem a tornar a linguagem técnica das mineradoras mais acessível aos atingidos e, por outro lado, garantam que as demandas elaboradas pelas comunidades sejam levadas às empresas e consideradas na construção dos acordos.

Recursos judiciais têm ajudado a adiar a garantia a assessorias

A conivência dos órgãos da Justiça com a negação do direito à ATI foi também denunciada pelos presentes. “A empresa recorre em várias instâncias e faz isso porque sabe que em algum ponto terão respaldo”, disse Mônica dos Santos, moradora de Bento Rodrigues.

Essa estratégia, como ela destacou, não só dificulta as negociações como adia a reparação. Sua comunidade, destruída no rompimento da barragem de 2015, ainda não teve nenhum morador reassentado. “Desde então, 85 pessoas já morreram enquanto esperavam restituição”, afirmou. 

A situação acabou confirmada pelo procurador Edmundo Antônio Dias Netto Junior. Segundo ele, a razão pela qual a maioria das comunidades da Bacia do Rio Doce ainda não contam, apesar do acordo de 2017, com as assessorias técnicas é uma decisão judicial. Como explicou, um juiz federal homologou apenas parcialmente o acordo e incluiu a limitação de que as ATIs não poderiam ter vinculações religiosas, ideológicas ou políticas.

Como as assessorias, escolhidas pelas comunidades, são advindas dos movimentos sociais, tal limitação acaba se tornando impeditiva, já que elas nascem da própria luta política, conforme o convidado. De acordo com ele, o Ministério Público Federal recorreu da decisão, mas a questão ainda não foi revertida.

Para a defensora pública Carolina Morishita, falta regulamentação para a atividade. Embora seja necessário respeitar as peculiaridades de cada caso, inclusive das formas de organização de cada comunidade, ela acredita que é necessário uma regulamentação para atuações mínimas, como a garantia de espaços formais de participação dos atingidos. 

A deputada Leninha (PT), autora do requerimento que deu origem à reunião, falou sobre a conivência do governo estadual, comandado por Romeu Zema (Novo), com os crimes das mineradoras, na medida em que não permite a participação dos atingidos na construção dos acordos de reparação. “Precisamos de um modelo de desenvolvimento que nos permita viver com dignidade e segurança”, disse. O deputado Marquinho Lemos (PT) também esteve presente e lamentou que as injustiças geradas pelas atividades mineradoras sigam persistentes em Minas Gerais.