Participantes de audiência pediram atenção a novos itens do contrato, como o transporte de passageiros
Fernando Simões explicou que, com o aumento de demanda, caberá um novo valor de outorga
Jairo Misson apresentou pontos questionados em relatório preliminar do TCU
Renovação antecipada de concessão é criticada na ALMG

TCU cobra esclarecimentos sobre renovação da Vitória a Minas

Novo contrato com a Vale está orçado em R$ 8,8 bilhões, com um terço destinado a uma ferrovia no Centro-Oeste do Brasil.

12/03/2020 - 19:36

Cinco indagações preliminares do Tribunal de Contas da União (TCU) travam, neste momento, o processo de prorrogação antecipada da concessão da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) à companhia Vale. São dúvidas relativas a cálculos de demandas e valores de ativos e tarifas, entre outros pontos do estudo da renovação, e que poderiam impactar o preço do novo contrato.

Os dados foram apresentados, nesta quinta-feira (12/3/20), pelo secretário de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária do TCU, Jairo Misson Cordeiro, que participou de audiência da Comissão Extraordinária Pró-Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Segundo ele, as respostas às indagações devem ser recebidas até o dia 23 deste mês.

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O primeiro ponto diz respeito ao cálculo da base de ativos da EFVM. Esse item prevê uma indenização à Vale, estimada em R$ 4,5 bilhões, por 15 mil itens que a empresa listou. A equipe técnica do TCU aponta assimetria nas informações e falta de condições da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para aferir o levantamento.

Jairo acrescenta que, ao contrário de outras linhas, que foram arrendadas às concessionárias, a EFVM foi vendida junto com a Vale. “É como se estivéssemos reestatizando tudo, mas sem a previsão de reversão ao poder público. Isso precisa ser apresentado com mais transparência porque, ao final, a sociedade é que vai pagar”, pontuou.

Segundo Jairo, falta uma regulamentação na ANTT sobre quais itens são indenizáveis. Isso porque, até 2017, a Agência vedava que despesas de manutenção fossem consideradas investimentos, mas a partir daí, com a revogação da norma, há um vácuo na legislação. Vários itens da base de ativos – em tese, imobilizados – têm a característica de substituição, pela análise do TCU.

Vale – Fernando Simões Paes, diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) representou a Vale na audiência e trouxe contrapontos ao TCU. Ele admitiu assimetrias na base de ativos, mas pontuou que ela é auditada por grandes empresas, já que a Vale tem ações na Bolsa de Valores.

O superintendente da Infraestrutura e Serviços de Transportes Ferroviários de Cargas da ANTT, Jean Mafra dos Reis, completou que um decreto da União extingue o arrendamento de bens para facilitar a fiscalização, que deixaria de ser feita item a item.

O arrendamento seria, então, medido em capacidade de operação. Assim, ao final do contrato, a empresa devolveria a mesma capacidade. A situação da Vale, que é diferente, estaria sendo igualada à das demais concessionárias

Outro ponto citado pelo TCU diz respeito ao estudo de demanda da EFVM, feito pela própria Vale. Os gráficos apontam estabilidade nos últimos anos, o que gerou dúvidas no tribunal, já que a China, principal destino do minério de ferro, vem registrando crescimento anual de aproximadamente 10%. A demanda, assim, poderia estar subestimada.

Fernando Simões salientou que o contrato deverá trazer a figura da outorga variável. Assim, em caso de aumento de demanda, caberia um novo valor de outorga.

Questionamentos atingem investimento cruzado

No relatório prévio do TCU, o investimento cruzado também gera dúvidas. Por esse mecanismo, a Vale pode, por exemplo, renovar o contrato da EFVM, que cruza Minas e Espírito Santo, e destinar parte do pagamento a outro estado. Atualmente, dos R$ 8,8 bilhões de investimentos previstos, R$ 2,9 bi estão destinados a uma ferrovia no Centro-Oeste do País, a Fico.

O restante dos recursos seria investido na própria EFVM. Entre os vários itens, estão também desapropriações, projeto executivo e a resolução de conflitos urbanos, com a construção de 22 viadutos, 22 passarelas e seis passagens inferiores, entre outras obras.

A dúvida do TCU, porém, não é sobre a legalidade dessa transferência de recursos, mas sobre a operacionalização do investimento. Segundo Jairo, a ANTT e o Ministério da Infraestrutura entendem que a própria Vale vai construir a Fico. Mas para o tribunal, a obra, pública, deveria ser precedida de licitação.

Fernando Simões explicou que a obra será feita a partir de um processo executivo aprovado pelos órgãos públicos e que qualquer custo adicional, além do previsto no projeto, será arcado pela Vale. Ele também reforçou que, caso o investimento não fosse feito na Fico, os recursos correspondentes iriam para o caixa único da União.

Minas – O deputado João Leite (PSDB), presidente da comissão, voltou a defender investimentos em Minas Gerais, onde houve abandono de linhas pelas concessionárias. Segundo ele, para defender a Fico é usada a justificada de produção de 16 milhões de toneladas de grãos na região, “O Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba produzem 14 milhões de toneladas”, comparou.

Além de João Leite, assinaram o requerimento da audiência o deputado Cleitinho Azevedo (Cidadania) e a deputada Marília Campos (PT).

Técnicos defendem revisão de cálculos

O TCU questiona, ainda, o cálculo da tarifa de carga a partir de uma fórmula diferente daquela determinada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em 2008. Segundo Jairo, a ANTT fez uma média do lucro antes dos juros, dividido pela receita operacional líquida, em três concessionárias.

O secretário do TCU afirmou que valor médio da ANTT ficou bem próximo daquele calculado para a EFVM. Mas o Tribunal estaria preocupado com o valor apurado para a Ferrovia Carajás, que poderia resultar numa diferença de R$ 14 bilhões na concessão.

Por fim, o TCU questiona a taxa de desconto, que mede a atratividade do negócio. Ela se baseia em muitos dados econômicos apurados em 2015, mas que sofreram variações nos últimos anos. Para os técnicos do Tribunal, caberia uma revisão. “No caso da Vitória a Minas, a variação de 1% no índice significa uma diferença de R$ 770 milhões”, afirmou.

O representante da Vale argumentou que esse cálculo foi aprovado em audiências públicas, bem como a previsão de revisão do índice a cada três anos. A fórmula do Cade, segundo ele, geraria valores maiores que o teto tarifário da ANTT. “O critério usado é razoável e mais oneroso do que nas ferrovias americanas”, disse.

Jairo reforçou que o TCU ainda vai receber, oficialmente, as informações da Vale, da ANTT e do Ministério da Infraestrutura para concluir a análise desses pontos.

Na fase de debates, vários participantes alertaram para outras questões do contrato, como o transporte de passageiros. O secretário do TCU informou que, vencida a análise dos cinco pontos preliminares, outras questões também serão analisadas. Segundo a Vale, está prevista a ampliação do transporte de passageiros entre Belo Horizonte e Vitória nos meses de maior demanda.