Discussão sobre melhor forma de tratar dependentes químicos vai continuar sendo uma das pautas da comissão
Belisário Pena esclareceu que Comunidades Terapêuticas não fazem internação involuntária
Assistência a dependentes químicos é debatida no Legislativo

Morte em clínica reabre debate sobre internação compulsória

Em reunião, foi defendido que política de saúde a dependentes químicos seja a mesma de quem tem transtornos mentais.

05/02/2020 - 16:47

Um caso extremo, de morte de um dependente químico por entrangulamento e asfixia, no momento em que era levado até uma clínica de internação involuntária, motivou a realização de audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao uso do Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (5/2/20), reabrindo o debate sobre qual seria o melhor caminho para tratar a dependência química, principalmente nos casos onde a própria pessoa e a família encontram-se em sofrimento extremo.

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Houve algumas discordâncias entre os participantes, mas um dos pontos de consenso é de que a mesma política de saúde destinada aos portadores de transtornos mentais deve ser destinada àquelas com problemas decorrentes do álcool e outras drogas

A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), autora do requerimento pela audiência, anunciou uma série de novos requerimentos que serão votados pela comissão, com pedidos de providências a vários órgãos públicos, para que as discussões sobre drogas se aprofundem, mas saiam do plano teórico e cheguem a medidas concretas.

"Se a internação involuntária for mesmo o caminho, tem que haver uma fiscalização mais rigorosa, claro", afirmou o deputado Delegado Heli Grilo (PSL). O deputado Gustavo Mitre (PSC) também se manifestou bastante preocupado com a questão do tratamento dos dependentes químicos e pediu o esforço de todos para ajudar as famílias que tanto têm sofrido com esse problema.

Tragédia - A advogada Flávia Barbosa de Oliveira, que perdeu o irmão Marcelo Barbosa, em maio de 2019, foi quem trouxe o caso ao Legislativo. A família, na tentativa de impedir a morte do rapaz, contratou uma clínica particular e permitiu que ele fosse levado para a internação involuntária, no município de Candeias (Centro-Oeste de Minas).

Segundo Flávia Barbosa, a clínica tinha uma propaganda convincente, e os parentes só desconfiaram que se tratava de uma situação irregular quando quatro homens chegaram, num veículo velho, para buscar Marcelo. "Não eram profissionais de saúde, não sedaram meu irmão, como nos disseram que fariam. Ele foi conduzido de forma brutal e totalmente inadequada".

A família acredita que o rapaz já chegou morto ao local, que ficava a 120 Km de sua residência. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) indicou, além do estrangulamento e asfixia, outras marcas de espancamento. Após o ocorrido, os responsáveis pela clínica e os envolvidos na morte foram presos preventivamente, e a clínica fechada. Mas a luta da família continua, segundo Flávia Barbosa, para evitar que outros casos como esses continuem acontecendo em outros locais.

Comunidades terapêuticas não fazem internações compulsórias

A clínica localizada no munícipio de Candeias tinha alvará de funcionamento, mas não recebia nenhuma fiscalização há mais de um ano, de acordo com a advogada. Após o fechamento do local, inúmeros outros casos de maus tratos, ameaças e irregularidades foram denunciados.

Após ser preso, o proprietário afirmou, em seu depoimento, que possuia treinamento especializado pela Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract). Mas o delegado regional da Febract, Belisário Gomes Pena, presente à audiência, garantiu que a entidade não treina ninguém para trabalhar com internação involuntária. "O que as comunidades fazem é acolher aqueles que querem ajuda para sair da dependência. Não recebemos ninguém levado à força, e a pessoa só permanece ali enquanto quiser", esclareceu.

O problema é que algumas pessoas inescrupulosas usariam o nome de comunidade terapêutica para funcionar ilegalmente como clínica de internação involuntária, de acordo com Belisário Gomes.

A representante da Subsecretaria de Políticas sobre Drogas do Estado, Patrícia Magalhães, afirmou que a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, à qual pertence a subsecretaria, está fazendo um levantamento criterioso de todos os locais que acolhem dependentes químicos em Minas, as chamadas comunidades terapêuticas, já devidamente cadastradas ou não, para estabelecer novas diretrizes de acompanhamento e fiscalização das instituições. 

Patrícia Magalhães, no entanto, ressaltou que as clínicas de internação involuntária não são comunidades terapêuticas e devem ser fiscalizadas pelo serviço de saúde do Estado. "Inclusive os pacientes devem ser encaminhandos por agentes de saúde", ressaltou.

Fiscalização - A representante da Vigilância Sanitária em Serviços de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde, Valéria Avelar Andrade, confirmou que a estrutura disponível hoje para fiscalizar todas as clínicas é insuficiente.

Segundo ela, em alguns desses locais, os próprios fiscais são ameaçados ao fazerem as vistorias. "Indicamos irregularidades, emitimos laudos, mas eles continuam funcionando, não sabemos exatamente como. O problema é muito mais grave do que parece, não temos pernas para fazer tudo o que é preciso", disse Valéria Avelar.

Na opinião do presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas, Aloísio Andrade, os locais para internações involuntárias devem ser hospitais. Mas, os 10% dos leitos dos hospitais gerais, que devem ser destinados a pacientes com transtornos mentais, incluindo problemas com drogas, são insuficientes diante da realidade atual, afirmou Valéria Avelar, da Vigilância Sanitária.

Participantes contrários à internação involuntária criticam lei federal

Durante a audiência, a Lei Federal 13.840, de 2019, que altera diversos pontos do Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas (Sisnad), foi questionada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, Hélder Magno da Silva. Na prática, a lei flexibiliza as regras e facilita a internação involuntária de dependentes químicos.

"Essa lei, na nossa opinião, tem várias inconstitucionalidades. A pessoa com transtorno por álcool e drogas ainda é um sujeito, não é um objeto", disse o procurador, contrário à internação involuntária. O procurador afirmou, ainda, que já existe um estudo público, do qual o Estado tem conhecimento, apontando a situação irregular de várias clínicas. "Existe uma diferença muito grande entre acolhimento, tratamento e enclausuramento", ponderou.

O presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, criticou até mesmo o termo muitas vezes utilizado de "guerra às drogas". Na opinião dele, o que deve haver é um "enfrentamento do problema, dentro da legalidade, com fiscalização e controle social adequados".