Audiência discutiu benefícios de política que não tem como princípio a abstinência, mas sim a diminuição das consequências do uso de drogas
Servidor da PBH defendeu legalizar e regulamentar as drogas

Direitos de usuários de drogas precisam ser garantidos

Participantes de audiência defendem política de redução de danos, que teria sido desmontada pelo governo federal.

12/12/2019 - 18:19

Ética e cuidado com a garantia de direitos: foram esses os parâmetros defendidos pelos profissionais que atuam no atendimento a usuários de drogas que participaram de audiência pública na manha desta quinta-feira (12/12/19). A reunião, realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), tratou dos 30 anos da adoção da Política de Redução de Danos no Brasil.

Caracterizada pelo atendimento de usuários de drogas numa perspectiva que não tem como princípio primordial a abstinência, mas sim a diminuição das consequências do uso de entorpecentes, a política é amplamente utilizada no mundo. Assim, coloca-se como princípio o direito universal à saúde, que não exclui pessoas que usam drogas. 

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião

A abordagem baseada na abstinência, para Domiciano Siqueira, consultor na área de direitos humanos ligados ao uso de drogas e exclusão social, é inviável na medida em que exige do usuário que se prive totalmente da droga para ingressar nos programas. Ou seja, a abstinência não é tratada como fim do tratamento, mas como premissa para ingressar nele.

Segundo ele, esse cenário é resultado de um conceito sobre o uso de drogas que está baseado em três olhares. O primeiro é o da doença, que deve ser tratada na ala psiquiátrica; o segundo é o do pecado, que se resolve com a conversão; e o terceiro é o do delito, que determina a prisão como solução.

Para ele, nenhum deles é adequado, na medida em que não permitem aos usuários uma existência: ou ele se afasta do uso, ou está condenado – seja ao hospital, ao inferno ou à prisão. Nesse sentido, a psicóloga Thais Souza, referência técnica do Centro de Referência em Saúde Mental (Cersam) AD (Álcool e outras Drogas) da Pampulha, afirmou que é preciso retirar o sujeito que usa drogas do lugar da ilegalidade, para garantir que ele ocupe posições que vão além da de usuário e que permitam sua circulação por espaços que não só os médicos.

Depoimentos - Ex-usuários de drogas que atualmente trabalham com redução de danos estiveram presentes na reunião e atestaram o sucesso da abordagem. Ana Bittencourt e Alex Teixeira contaram que, por anos, usaram entorpecentes e passaram por vários tratamentos que propunham a abstinência imediata. Só conseguiram, entretanto, mudar essa trajetória quando foram abordados por redutores de danos.

Convidados consideram retrocessos nova política de drogas 

Os presentes lembraram que a Política de Redução de Danos, que existe no Brasil há 30 anos e tem como marco inicial a distribuição de seringas em 1989 entre usuários de drogas injetáveis com o objetivo de reduzir a transmissão de HIV/Aids no município de Santos (SP), está agora ameaçada. Este ano, o presidente Jair Bolsonaro tirou, por decreto, a redução de danos da nova política de drogas.

Viviane Almeida, referência técnica da Diretoria de Saúde Mental Álcool e Outras Drogas da Secretaria de Estado de Saúde, disse que, em Minas Gerais, resolução de 2015, que trata tanto da redução de danos quanto da reforma psiquiátrica, ainda norteia as ações do governo estadual. Ainda assim, ela afirmou que o retrocesso das decisões federais já são sentidas em Minas Gerais, tendo em vista que o incentivo a equipamentos com características manicomiais tem levado à sua expansão. Os novos critérios de financiamento da saúde básica, também determinadas pelo governo federal, devem afetar a rede de atendimento mineira.

Apesar disso, ela ressaltou que o atual governo estadual mantém seu posicionamento e tem como um dos principais desafios levar a política de redução de danos a todos os municípios, já que, conforme informou, nas cidades menores essa abordagem ainda não é uma realidade. Viviane de Almeida também salientou que a expansão dos consultórios de rua e dos Capes AD são prioridade.  

Legalização - Também o coordenador de saúde mental da Prefeitura de Belo Horizonte, Fernando Siqueira, lembrou que a abordagem ainda faz parte da atuação municipal. Para ele, os 30 anos da introdução da política no Brasil ainda não permite comemorações. “O ápice será legalizar e regulamentar todas as drogas”, disse, ao salientar que, a partir daí, será possível discutir não apenas políticas inclusivas para “aqueles que, em algum momento, usam drogas para aliviar seu mal-estar”, mas também, por exemplo, falar de usos medicinais das várias substâncias.

Os presentes aplaudiram as colocações e reforçaram que é importante que a política de drogas seja antiproibicionista e antimanicomial. A representante do Movimento Social do Fórum Mineiro de Saúde Mental, Soraia Ângelo, destacou que a “guerra às drogas” não é contra as drogas, mas contra os usuários pobres. “Ou alguém acha que as drogas que justificam a repressão no baile funk de Paraisópolis não estão no Rock’n’Rio?”, questionou.

A deputada Andréia de Jesus (Psol), autora do requerimento que deu origem à reunião, também apoiou a legalização e a política de redução de danos. Ela relatou que a ALMG está discutindo as leis orçamentárias para os próximos anos e que vai lutar para incluir recursos para essa política nas normas.