Participantes de audiência da Comissão de Direitos Humanos denunciaram que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil
Manifestantes percorreram corredores da Assembleia, gritando palavras de ordem
Movimentos sociais cobram reparação para a população negra

Paraisópolis prova que direitos humanos não são respeitados

No aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, audiência denuncia racismo com a conivência do Estado.

10/12/2019 - 14:50

O massacre de jovens em um baile funk na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, durante uma ação policial, e os últimos episódios de racismo divulgados na imprensa mineira são exemplos de que os direitos humanos são constantemente violados no Brasil, sacrificando, sobretudo, a população pobre, negra e de periferia, muitas vezes com o apoio, a conivência e a participação do Estado.

As denúncias foram feitas em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta terça-feira (10/12/19), data em que se comemora o 71º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na ocasião, convidados relataram que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil e conclamaram os jovens a resistir e enfrentar o racismo, “para que não ocorram outros Paraisópolis”.

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“O massacre de Paraisópolis é mais um capítulo do genocídio negro brasileiro”, denunciou a coordenadora nacional de Formação Política do Movimento Negro Unificado (MNU), professora Ângela Maria da Silva Gomes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fazendo coro com a deputada Andréia de Jesus (Psol), autora do requerimento para a realização da reunião junto com a presidenta da comissão, deputada Leninha (PT).

Além do assassinato de jovens negros nas favelas, periferias e em aglomerados, a parlamentar e os convidados apontaram ainda a exploração sexual da mulher de origem africana, as precárias condições de moradia e a violência do sistema carcerário, superlotado de pobres e negros, como constantes violações de direitos no Brasil.

A esse cenário se somam os ataques aos terreiros de religiões de matriz africana, bem como a violência simbólica nos meios de comunicação, nas escolas e nos livros didáticos, que privilegiam a supremacia branca, a cultura e a história europeia, em detrimento da África e dos demais continentes.

“Somos agentes dos direitos humanos que protegem o território da ação do próprio Estado. Somos um povo que não foi reconhecido como cidadão e mantém a marca da escravização. O racismo, hoje, é demonstrado publicamente”, protestou a deputada Andréia de Jesus, manifestando a sua “indignação contra os últimos episódios de racismo”, como o caso de Natália Dupin, em Belo Horizonte, que se negou a ser atendida por um taxista e por policiais negros.

“O racismo é um instrumento de manutenção de privilégios e de um estado de opressão, que legitima a ação de mulheres como essa”, lamentou a parlamentar, que apontou também o episódio envolvendo o comunicador Sílvio Santos, que se recusou a conceder o primeiro prêmio a uma cantora negra, em um concurso de calouras.

Andréia de Jesus informou que a comissão vai apresentar requerimento propondo moção de apoio aos familiares dos jovens mortos em Paraisópolis.

Mais de 70% da população carcerária é negra

O rapper Flávio da Silva Paiva, o “Russo”, destacou que a média de vida de uma mulher trans, hoje, é de apenas 35 anos e que mais de 70% da população carcerária brasileira é negra. “É vergonhoso. Direitos humanos deveriam ser pauta prioritária em qualquer governo. Não vamos ficar calados nem abaixar a cabeça, nossa luta vai continuar viva”, disse. Ele e a escritora, poeta e professora Geovana de Sousa comoveram os participantes da audiência com seus poemas de denúncia e resistência.

Fabrício Tadeu de Paula, mobilizador social do Fórum das Juventudes da Grande Belo Horizonte, denunciou que um jovem negro morre a cada 23 minutos no Brasil, a maioria por ação violenta da polícia.

Militante do movimento de mulheres e em defesa da moradia popular, Edinea Aparecida de Souza denunciou “o sistema perverso que encarcera os filhos da gente e nos coloca para morar em locais cada vez mais segregados”. Ela pediu ajuda da comissão para garantir a manutenção do programa Minha Casa Minha Vida, informando que, após quase dez anos depois da sua implantação, muitas famílias, em razão do crescente desemprego, estariam ameaçadas de perder o direito às moradias adquiridas, pela dificuldade de pagar prestações, mesmo sendo de valores baixos. 

Maria Teresa dos Santos, da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, denunciou as constantes violações de direito contra a população carcerária. Segundo ela, os agentes penitenciários também estão sofrendo com péssimas condições de trabalho, sem assistência do Estado. “Em outubro, um agente prisional se suicidou dentro da guarita de presídio em Vespasiano (RMBH)”, denunciou. Ela pediu a intervenção da comissão junto ao governo pela manutenção do Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, localizado no mesmo município.

Projeto cria política estadual de reparação às vítimas de violência

Encerrada a audiência, a deputada Andréia de Jesus e convidados formalizaram a entrega de um projeto de lei (PL) propondo a instituição da Política Estadual de Reparação às Vítimas de Violência em Minas Gerais.

A proposição tem por objetivo contribuir para a reparação de direitos humanos de pessoas afetadas direta e indiretamente pela violência. Gritando palavras de ordem, os manifestantes percorreram corredores internos da Assembleia até o setor de Protocolo onde oficializaram a entrega do documento.

“Marielle perguntou, eu também vou perguntar: quantos mais têm que morrer pra essa guerra acabar?”, protestavam os manifestantes, que também pediam “reparação já” e gritavam: “nossos mortos têm voz, nossos mortos têm mãe”.

Entre os manifestantes estava Débora Maria da Silva, representante do grupo Mães de Maio, de São Paulo, composto por mulheres que perderam seus filhos em ações violentas. Ela defende a instituição em vários estados, inclusive Minas Gerais, da Semana Estadual em Defesa da Pessoa Vítima de Violência, entre os dias 12 e 19 de maio, como já existe em São Paulo.