Representantes da fiscalização, da indústria e dos produtores participaram da audiência pública

Novas regras do leite recebem apoio, mas com reservas

Em reunião na Megaleite, Comissão de Agropecuária ouve laticínios, fiscalização e pecuaristas sobre instruções do Mapa.

19/06/2019 - 20:40

Apesar do apoio da indústria de laticínios e dos órgãos fiscalizadores, os produtores rurais veem com reserva as instruções normativas 76 e 77, de 2018, do Ministério da  Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). As duas normas, que preveem critérios para os processos de pro­­­­dução do leite, foram debatidas em audiência públia da Comissão de Agropecuária e Agroindústria da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Requerida pelo presidente da comissão, deputado Coronel Henrique (PSL), a reunião foi realizada no Parque de Exposições da Gameleira, na Capital, durante a Megaleite 2019, maior evento da pecuária leiteira do País.

IN 76 fixa as características de qualidade que devem apresentar o leite em diversas formas: cru refrigerado, pasteurizado e pasteurizado tipo A. Já a IN 77 estabelece critérios e procedimentos para produção, acondicionamento, conservação, transporte, seleção e recepção do leite cru em estabelecimentos registrados no serviço de inspeção.

Patrícia Marina Azevedo, fiscal do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), explicou que a IN 77 trata da produção do leite na fazenda até sua recepção no laticínio. Já a IN 76 se restringe à atuação da indústria, após receber esse alimento.

Ela passou os principais parâmetros que o produtor e o beneficiador do leite terão que seguir após a adoção das normas. A temperatura do leite ao chegar à indústria não deverá exceder 7 graus, por exemplo. Excepcionalmente, o leite poderá ser recebido com temperatura até 9 graus. No laticínio, o produto terá que ser conservado a 4 graus.

Outro critério importante a ser observado é o limite de 900 mil UFC/ml para contagem bacteriana nos silos (reservatórios) das indústrias. UFC são as unidades formadoras de colônias (de bactérias) em cada mililitro (ml) de leite. A fiscal esclareceu que, se o produtor apresentar três médias geométricas fora desse padrão por três meses, a indústria deverá interromper a coleta de leite dessa propriedade.

A partir daí, o laticínio terá que verificar a situação do fornecedor e propor correções. Somente depois de cinco meses o laticínio será impedido de coletar daquele produtor. Para voltar a entregar, o pecuarista deverá apresentar apenas uma nova amostra dentro dos padrões.

Boas práticas - Outro ponto importante das novas medidas abordado pelo médico veterinário e consultor Ronaldo Macedo foi o plano de qualificação que cada indústria terá que propor aos seus fornecedores. “O Mapa está dando oportunidade para o produtor e a indústria conversarem”, elogiou. Esse plano prevê a inserção de 16 boas práticas agropecuárias, entre elas o monitoramento da qualidade da água e técnicas para armazenar alimentos.

Para Fábio Lacerda, representante da seção estadual do Mapa, a adoção da nova normatização é uma  grande oportunidade. “Chegou a hora de dar ao produtor de leite esse reconhecimento, que vai se mostrar na melhoria da qualidade do leite”, avaliou.

Com pensamento semelhante, o diretor-geral do IMA, Thales Fernandes, acredita que a busca por maior qualidade é um caminho sem volta. “Nós já produzimos em grande quantidade, com 9 milhões de litros anuais em Minas. Precisamos melhorar a qualidade para podermos exportar”, reforçou. Ele acrescentou que a inspeção vai se aproximar mais das indústrias, apoiando-as na implantação dos planos de melhorias.

O vice-presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios de Minas Gerais (Silemg), José Antônio Bernardes, também elogiou o Mapa pela edição das normativas. “As instruções anteriores tinham caráter mais punitivo. Agora, têm finalidade instrutiva, pois a própria indústria tem que se policiar”, salientou.

Problemas de infraestrutura podem comprometer as normas

Nem todos os participantes da audiência concordaram, contudo, sobre os benefícios trazidos pelas instruções normativas do Mapa. Na opinião de Rodrigo Sant'Anna Alvim, vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg), não são as normas que resolvem os problemas, e sim políticas públicas adequadas. Ele avalia que, com as condições precárias das estradas vicinais e do fornecimento de energia elétrica no meio rural, fica impossível atender ao que preveem as duas medidas.

Alvim relatou ter ouvido de um especialista que não seria viável atingir o índice de 900 mil UFC/ml. “Mais uma vez, cria-se uma norma que é impossível de cumprir e que, por isso, passa a ser desacreditada”, criticou.

Ele também informou que entregou à titular do Mapa, a ministra Tereza Cristina, um relatório com as demandas do setor leiteiro, entre as quais, a preocupação com a saúde dos animais, incluindo a necessidade de se erradicar doenças do rebanho, como a brucelose e a tuberculose. “Se não erradicarmos essas doenças, mesmo atingindo os índices dos normativos, não estaremos aptos a exportar leite”, reconheceu.

Rodrigo Alvim também reivindicou assistência técnica para os pequenos produtores. “Temos 80% dos pecuaristas brasileiros na economia familiar, produzindo até 50 litros de leite por dia, que não sabem nada a respeito dessas normas. Se isso não for resolvido, não chegaremos a lugar nenhum, alertou.

Também Guilherme Resende, produtor de leite em Governador Valadares (Vale do Rio Doce), considerou que o produtor está muito pouco envolvido nesse processo de adequação às novas instruções. “Tem que funcionar o tripé formado pelo produtor, a indústria e os órgãos fiscalizadores”, opinou.

Geradores - Ele também se queixou da falta constante de luz em sua fazenda. “A minha bomba quebrou três vezes este ano porque há constantes quedas de energia. Com tudo isso, eu tenho um gerador lá, mas sei que muitos produtores rurais não têm”, reclamou, reivindicando uma linha de financiamento  para geradores elétricos.

A professora Mônica Cerqueira, da UFMG, mesmo considerando avanços possíveis com a edição das normas, foi mais uma a defender a melhoria da infraestrutura no País, em energia e estradas. “Isso não é uma desculpa do homem do campo, é uma realidade e o problema tem que ser resolvido”, constatou. 

Diálogo - Por fim, o deputado Coronel Henrique avaliou que o objetivo da audiência foi atendido, pois foram ouvidos todos os envolvidos na cadeia produtiva leiteira. “Temos que atuar juntos, sempre abertos ao diálogo.  Estamos todos no mesmo barco, pensando no bem maior, que é atender aos 22 milhões de mineiros”, concluiu. 

Consulte o resultado da reunião.