Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos foi realizada nesta quarta (17)
Marcelo Klein disse que empresa está disponibilizando negociações individuais ou familiares
São Sebastião das Águas Claras, em Nova Lima, sofre com risco de rompimento de barragem

Promotor quer judicializar negociações relativas a Macacos

André Sperling afirmou que medida poderá efetivar reparação ao distrito afetado por instabilidade de barragem.

17/04/2019 - 20:35 - Atualizado em 17/04/2019 - 21:48

Uma petição será apresentada na Justiça para que toda negociação relativa aos impactos da instabilidade da Barragem B3/B4, da Mina Mar Azul, da Mineradora Vale, no distrito de São Sebastião das Águas Claras, mais conhecido como Macacos, em Nova Lima (RMBH), seja mediada por uma juíza. Essa iniciativa será tomada pelo promotor de Justiça e coordenador de Inclusão e Mobilização Social do Ministério Público, André Sperling Prado, na próxima segunda-feira (22/4/19).

Foi o que ele afirmou em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta (17). O promotor salientou que a atitude poderá garantir que sejam executadas medidas mais concretas em benefício dos moradores da localidade. Ele garantiu, inclusive, já haver recursos da empresa bloqueados que poderiam ser usados para reparar alguns danos. "Confiamos na justiça de Nova Lima para que os acordos sejam feitos de forma digna e não violadora como vem ocorrendo", disse ele ao criticar a postura da empresa na falta de atendimento das demandas dos moradores.

No último dia 16 de fevereiro, a Vale acionou a sirene de alerta e removeu parcela da população de Macacos, levando-a para hotéis e pousadas. A decisão foi tomada de acordo com Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM). No último dia 27 de março, a Barragem B3/B4 entrou em alerta máximo para o risco de rompimento, conforme orientação da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Com o risco, os moradores da comunidade viram suas vidas mudar por completo e os impactos já podem ser sentidos não só em áreas como economia e educação, mas também no estado psicológico da população. O presidente da Associação Comunitária de Macacos, Raul Gustavo Franco, enfatizou que os prejuízos no turismo têm um efeito cascata, afetando do dono da pousada a um prestador de serviço.

A produtora rural Vanice Maria dos Santos reforçou a questão. “Essas pessoas trabalhavam em pousadas e restaurantes. Atuavam como guias turísticos e como jardineiros e estão sem trabalho desde fevereiro. As contas chegam e elas não conseguem arcar”, contou. Ela falou ainda que os produtores rurais também enfrentam dificuldades para obter autorizações para a comercialização de seus produtos.

Impactos psicológicos – O presidente da associação abordou ainda impactos psicológicos na população e demandou atendimentos nesse sentido para a comunidade. Antes de a sirene tocar em fevereiro, o distrito já tinha sofrido com dois rompimentos de barragens, conforme lembrou.

“Há dois meses, a sirene tocou, acusando, inclusive, erros de procedimento. O aviso falava claramente que aquela era uma situação de risco real e que era para ir para um ponto de encontro, o que não existe. Esse tipo de dano é imensurável”, afirmou.

Sem escola, representante de mães manifesta preocupação

A representante do Movimento das Mães, Melina Neves Borges Fransciquini, enfatizou que, há dois meses, desde a evacuação na comunidade, as crianças do distrito não têm escola para frequentar. A escola municipal atende a 194 crianças ao todo.

Melina relatou problemas para a construção de nova unidade. Segundo ela, o projeto enviado para o Ministério Público não é o que seria executado. “Isso atrasa o processo porque um novo projeto terá que ser elaborado”, disse.

Outra questão diz respeito ao fato de o projeto prever a construção da escola no local da única quadra da comunidade, o que, em sua opinião, não representa o desejo da população.

Moradores reclamaram que a Vale escolheu exatamente a escola como ponto para distribuição de vouchers para compra de alimentação. Segundo eles, as filas são enormes e as pessoas se sentem inseguras de estarem num local considerado de risco. Na opinião do promotor, essa é uma estratégia perversa da mineradora. "Eles querem mostrar que vocês estão errados" - acusou. André Sperling afirmou que denunciará à justiça ações humilhantes e degradantes que a empresa impõe aos atingidos.

Parlamentares cobram reparação

Segundo a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a reunião, tão logo houve a evacuação em Macacos, ela esteve no local e se comprometeu a atuar na questão. Ela criticou o modelo de exploração minerária do País, que considera predatório, e reforçou que quem é afetado pela mineração se torna atingido para sempre. “Nenhuma reparação consegue ser integral”, enfatizou.

O deputado Bruno Engler (PSL) falou que a situação de Macacos é muito grave. “Isso prejudica muito a vida dos seus moradores, pois gera estresse, insegurança e um impacto econômico grande”, afirmou. Em sua opinião, a mineradora e seus dirigentes têm que ser responsabilizados.

Já o deputado Coronel Sandro (PSL) destacou que é preciso evitar novos rompimentos no Estado. Ele contou que apresentou um projeto que pretende mudar a Lei Robin Hood. O objetivo, conforme explicou, é remanejar recurso de 1% para municípios afetados por barragens, o que daria cerca de R$ 80 mil por mês a essas cidades por um tempo determinado.

O deputado Mauro Tramonte (PRB) enfatizou que espera que Macacos volte a prosperar no turismo e a ser o que era antes. “É triste passar por lá e ver estabelecimentos vazios”, afirmou.

Demandas – Segundo o coordenador da Defesa Civil de Nova Lima, Marcelo Marques de Santana, o órgão está acompanhando a situação dos moradores atingidos. “Todas as demandas devem ser levadas ao nosso posto e elas serão direcionadas às secretarias responsáveis”, explicou.

Em resposta a moradores, representante da Vale promete antecipar escola

Moradores de Macacos se revezaram no microfone para apresentar dezenas de dificuldades e demandas em função da atual situação do distrito. Foram relatados dramas pessoais e coletivos como desemprego, falta de moradia, limitações no uso dos vouchers para compra de suprimentos básicos e na farmácia local. Também reclamaram das rotas de fuga, da qualidade da água e do impedimento de acessos aos locais. Reivindicaram ainda que a empresa apresente planos para as outras cinco barragens que também estão em risco.

De acordo com o gerente Executivo da Vale, Marcelo Klein, a audiência foi uma oportunidade de ouvir as demandas da população de Macacos. “O diálogo é importante para priorizarmos as ações necessárias”, afirmou. 

Ele afirmou que a nova escola prevista para ser entregue em 10 de maio, pode começar a funcionar já na próxima segunda-feira (25). Também avisou que a empresa está disponibilizando negociações individuais ou familiares para "acelerar" as indenizações. Segundo o advogado da empresa, Sávio Sena, a mineradora contratou o escritório Faleck & Associados para "facilitar" as negociações.

Marcelo Klein disse que serão usadas nessas negociações tabelas construídas e aprovadas pela Defensoria Pública para atender aos atingidos pela Barragem Córrego do Feijão, de Brumadinho, que rompeu em janeiro. São apresentados valores para todo tipo de dano material, patrimonial e de lucro cessante. Os preços, no entanto, não são públicos e só podem ser conhecidos por aqueles que aceitarem a negociação.

A deputado Beatriz Cerqueira criticou a prática, que não conta com a presença de representantes do poder público. "As pessoas não estão sendo protegidas" - advertiu.

Descomissionamento - O gerente da Vale disse, ainda, que já estão sendo feitos trabalhos para o rebaixamento do nível de água superficial e de dentro da barragem, como início do processo de esvaziamento total (descomissionamento) da estrutura. Também estão sendo colocados equipamentos para evitar a entrada de água e pilhas de reforço para conter a barragem. A previsão é que o trabalho seja concluído até novembro, quando o nível de risco já terá sido reduzido.

Após essas medidas, a empresa começará a retirar os rejeitos, colocando-os em cavas e num aterro que deve durar até novembro de 2021, quando se calcula que será completado o trabalho de descomissionamento da barragem. 

Quanto às outras questões levantadas, Klein afirmou que levará ao conhecimento da empresa. O gerente foi questionado e criticado o tempo todo pelos moradores que participaram da audiência, acusado de apenas enrolar e nada decidir. "Queremos um plano de recuperação do que nos foi tirado, de como recuperar o que foi Macacos" - resumiu Beatriz Cerqueira.

Requerimento – Na reunião, foi aprovado requerimento do deputado Bruno Engler para a realização de uma audiência sobre a prevenção à automutilação e ao suicídio.

Consulte o resultado da reunião.