Mulheres querem ampliar luta contra reforma da Previdência
Relatos em audiência pública também reforçam preocupação com trabalhadoras rurais e necessidade de maior mobilização.
04/04/2019 - 16:08 - Atualizado em 04/04/2019 - 16:55Na opinião da maioria das presentes à audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (4/4/19), a proposta de reforma da Previdência apresentada pela equipe do presidente Jair Bolsonaro é tão ruim que não dá nem para ser modificada. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 já está sendo discutida na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF).
Todas acreditam que as mulheres serão as mais prejudicadas, caso a reforma seja aprovada. Mulheres negras e trabalhadoras rurais seriam ainda mais afetadas. "Todos saem perdendo, não existe um segmento entre os mais pobres que seja beneficiado com essa reforma", disse a deputada Marília Campos (PT), autora do requerimento que deu origem à audiência, juntamente com a deputada Leninha (PT).
O sistema de capitalização privada, proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, foi considerado "nefasto" para as mulheres, que ainda recebem salários mais baixos que os dos homens e teriam pouca ou nenhuma capacidade de poupar ao longo da vida.
A fixação da idade mínima em 62 anos para as mulheres e o aumento no tempo mínimo de contribuição, de 15 para 20 anos, para trabalhadores filiados ao INSS (e 25 anos para servidores públicos) também preocupa muito as participantes.
Entre outros prejuízos, a deputada Leninha afirmou que o desmonte da Previdência também afetará a economia dos pequenos municípios, onde a renda dos aposentados é parte importante do dinheiro que circula na cidade. Para ela, é preciso incentivar a pressão popular junto aos senadores e deputados federais para que barrem a reforma.
Várias participantes destacaram que é necessário aumentar a mobilização das mulheres em torno do assunto e sugeriram outros encontros em locais públicos, para explicar à população os pontos da reforma que muitos ainda desconhecem ou não compreendem.
A deputada Delegada Sheila, que é do PSL, mesmo partido do presidente Bolsonaro, concorda que a reforma é um assunto muito importante e delicado e afeta em cheio as mulheres. "Não sou contra a reforma, mas temos que discutir o assunto com cautela", afirmou.
Fim da lógica da solidariedade e do compartilhamento de recursos
Logo no início da audiência, a deputada Andréia de Jesus (Psol) classificou a proposta de reforma da Previdência como volta à escravidão. "Querem nos obrigar a trabalhar novamente até a morte. E essa escravidão virá legalizada por essa reforma", disse, emocionada. Para ela, "a Previdência é que ampara negros, mulheres e pobres”, uma vez que foi construída sobre a lógica da solidariedade e do compartilhamento de recursos.
Um a um, os argumentos do governo federal para apresentação da proposta foram sendo contestados. Para a deputada Andréia de Jesus, não há deficit na Previdência, e os cálculos mostrados na propaganda da reforma seriam enganosos. Na opinião de Marília Campos, se for aprovado o modelo de capitalização privada, a exemplo do que foi feito no Chile, até o Poder Público será prejudicado e somente os bancos é que vão lucrar.
A advogada e professora da PUC Minas, especialista em Direito Previdenciário, Isabella Monteiro Gomes, afirmou que todo o sistema de proteção social construído pela Constituição de 1988 será desmontado se a reforma for aprovada. Na prática, segundo ela, a seguridade social já vem sendo desconstitucionalizada nos últimos anos.
Daí uma outra preocupação da advogada e também das deputadas: após essa reforma, novas mudanças ainda mais prejudiciais poderão ser feitas por meio de projetos de lei complementar, que são muito mais fáceis de serem aprovados.
Trabalhadora rural desafia legisladores a passar "um mês na roça"
A economista e técnica do Dieese em Minas Gerais, Maria de Fátima Lage Guerra, trouxe dados de uma nota técnica sobre a reforma da Previdência, divulgada pelo órgão, com dados relativos ao final de 2018. As informações comprovam que as mulheres ainda recebem cerca de 78% do salário dos homens (nas mesmas funções e com a mesma escolaridade) e, consequentemente, recebem também as menores aposentadorias.
De acordo o Dieese, as mulheres exercem a maioria dos empregos informais no Brasil. E mais de 80% das que estão na informalidade não têm contribuição para a Previdência. "Se fizermos aí o recorte de raça ou das diferentes regiões do País, a situação das mulheres fica ainda pior", afirmou.
A coordenadora geral da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil, Lucimar de Lourdes Gonçalves, fez um desabafo e contou um pouco da rotina de uma trabalhadora rural, que tem que cuidar da casa, da lavoura, dos animais e dos filhos ao mesmo tempo, das 4 horas da manhã até as 10 horas da noite.
De pé diante da plateia, ela repetiu um desafio: "eu convido os senhores deputados de Brasília a virem passar um mês na roça, acompanhando o trabalho de uma mulher, de cedo até de noite. Fiquem um mês com a gente, depois vocês voltem para os seus gabinetes e vão discutir novamente a reforma". A trabalhadora acredita que quem conhece a realidade da zona rural não apóia uma proposta de reforma como essa.
Requerimentos - A Comissão aprovou ainda requerimentos para novas audiências públicas sobre os seguintes assuntos:
- Os impactos da reforma da Previdência na vida das mulheres, no município de Brumadinho (da deputada Marília Campos)
- Ações de enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de mulheres e crianças no Estado (da deputada Ana Paula Siqueira)
- Os 13 anos de vigência da Lei Federal 11.340, de 2006, a Lei Maria da Penha (da deputada Ana Paula Siqueira)
As deputadas Leninha, Andréia de Jesus e Marília Campos também assinam requerimento para que seja realizada audiência pública conjunta com a Comissão de Direitos Humanos para debater o fortalecimento da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher.