Comissão recebeu representantes de movimentos sociais, preocupados com as mudanças na administração pública propostas pelo governo
Elizabeth Jacometti garantiu continuidade de ações e defendeu que a política acontece quando há dedicação
Representantes de povos e comunidades tradicionais acompanharam a reunião e apresentaram demandas

Para movimentos, reforma vai precarizar direitos humanos

Secretária detalha organograma e garante continuidade de políticas, mas enxugamento da estrutura preocupa.

28/03/2019 - 16:24 - Atualizado em 28/03/2019 - 16:48

Representantes de movimentos sociais criticaram, nesta quinta-feira (28/3/19), a reforma administrativa proposta pelo governo do Estado para as áreas de direitos humanos e de cultura. Na avaliação deles, o Executivo estaria propondo um “estado mínimo” em setores que lutam há anos por mais reconhecimento.

O assunto foi discutido em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), com a presença da secretária de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Elizabeth Jucá Jacometti.

O intuito da gestora foi o de tranquilizar os movimentos, ao garantir que nenhuma política pública para a área de direitos humanos terá descontinuidade. Para isso, ela detalhou como ficará a estrutura administrativa de sua pasta uma vez aprovado o Projeto de Lei (PL) 367/19, do governador, que tramita na ALMG em regime de urgência.

Entre outras modificações, o projeto extingue a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, que passaria a integrar a Subsecretaria de Direitos Humanos da Secretaria de Desenvolvimento Social, estando vinculadas a elas duas superintendências: de Direitos Humanos e de Participação e Diálogos Sociais.

“O texto do projeto pode não ter dado clareza sobre como será a nova estrutura, mas vamos manter todas as políticas em todo o Estado. Os direitos humanos não terão status de secretaria, mas com afinco, dedicação e propósito, a política acontece”, defendeu a secretária.

A Superintendência de Recursos Humanos ficará responsável por 12 pontos, entre programas e ações como a proteção de crianças e adolescentes ameaçados de morte, de defensores dos direitos humanos e de vítimas e testemunhas.

A segunda superintendência, pela proposta, fica responsável por dar suporte aos conselhos, comissões e comitês e pelas políticas de minorias, como povos e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência e a população em situação de rua.

Temor - Em vez de tranquilizar, o detalhamento da estrutura de direitos humanos proposta pelo governo trouxe preocupação.

A deputada Rosângela Reis (Pode) manifestou seu temor com o que avaliou como "excesso de matéria" sob a responsabilidade de uma estrutura mínima. “Alguma política deve ficar prejudicada”, ponderou, ao destacar que as políticas públicas precisam chegar ao interior.

Sobre o contraponto da deputada, a secretária afirmou que tem se discutido a possibilidade de a subsecretaria vir a atuar por meio de coordenadorias distribuídas por políticas, além do apoio técnico, financeiro e de monitoramento que se pretende dar aos municípios na execução de várias das ações.

Defesa – Por sua vez, os deputados Coronel Sandro e Bruno Engler, ambos do PSL, defenderam a reforma. “O governo atual não tem responsabilidade sobre o anterior, quando o Estado foi administrado sem responsabilidade fiscal e com uma máquina inchada”, criticou Coronel Sandro, para quem não há saída para a crise que não passe por cortes.

Bruno Engler pontuou que a reforma vem sendo debatida na Casa, mas que sua necessidade não deve ser questionada. “O povo elegeu este governo para fazer as reformas e diminuir o tamanho do Estado”, frisou.

Movimentos temem retrocesso

“O governo não está gerenciando uma empresa privada”, criticou a diretora do Instituto Pauline, Diva Moreira, ao analisar que, desde 1995, a sociedade ouve a mesma justificativa de déficit público sempre que se quer promover o corte de políticas relevantes.

“Políticas públicas não são descartáveis, elas são fruto de anos e anos de resistência”, afirmou a defensora pública Júnia Carvalho, para quem, além do desmantelamento de políticas, estaria havendo a criminalização de movimentos que defendem os direitos humanos.

“Historicamente, somos um País marcado pelo racismo e pelo patriarcalismo, sem falar em duas décadas de violenta ditadura militar”, advertiu, por outro lado, Edson Teles, professor de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo. No seu entender, o que estaria em jogo é manter a existência de vidas tratadas como descartáveis ao longo da história.

O professor, que também milita na defesa de familiares de vítimas da ditadura militar, ainda denunciou a criminalização de militantes dos direitos humanos.

A deputada Andréia de Jesus (Psol), que pediu a audiência, anunciou que a comissão deverá encaminhar nota de repúdio à Presidência da República pelo fato de o presidente Jair Bolsonaro ter orientado às Forças Armadas que comemorem nos quartéis o 31 de março, dia em que, em 1964, os militares tomaram o poder no País.

Ela também informou que requerimentos darão encaminhamento a questões discutidas na audiência, como a reivindicação de que o governo implemente o Conselho Estadual da População LGBT e dê maior visibilidade às políticas voltadas para essa população na nova estrutura do Estado.

Cultura é apontada como direito ameaçado

A vereadora Cida Falabella (Psol) e a militante Ângela Gomes, do Sindicato dos Professores de Minas Gerais, alertaram para cortes em áreas que já funcionariam com poucos recursos. “No governo anterior, tinha-se equidade orçamentária para políticas para mulheres, indígenas, a população negra e de igualdade racial. Agora, o Estado vai servir às elites”, avaliou Ângela.

Pesquisador da Fundação João Pinheiro, Bernardo Mata Machado questionou a economicidade divulgada pelo governo para justificar a fusão das Secretarias de Cultura e de Turismo, como prevê a reforma.

Segundo ele, as despesas geradas pelas duas pastas não chegam a 0,2% do Orçamento do Estado. “Essa fusão é um retrocesso”, sentenciou.

Também manifestou temores semelhantes de desmonte o antropólogo Eni Karajá, que denunciou, na esfera federal, o desmonte da Funai.

“O governo anterior iniciou um processo de reparação a populações historicamente excluídas. No novo organograma, não há uma política para a população negra, que é maioria em Minas, e nem para ciganos e indígenas”, apontou Yone Gonzaga, ex-superintendente de políticas afirmativas da gestão de Fernando Pimentel.

Consulte o resultado da reunião.