Comissão se mobiliza contra flexibilização de agrotóxicos
PL retira poder de veto de órgãos que, hoje, são responsáveis por analisar e aprovar uso dessas sustâncias.
16/07/2018 - 18:08“Querem embutir em nossa cabeça que veneno não é veneno.” Com essas palavras, o presidente da Comissão de Participação Popular, deputado Doutor Jean Freire (PT), deu início à audiência pública realizada nesta segunda-feira (16/7/18) para uma mobilização contra o Projeto de Lei (PL) federal 6.299/02, em tramitação na Câmara de Deputados, que flexibiliza as regras de controle de agrotóxicos no País.
A discussão, realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), contou com a participação do deputado federal Padre João (PT-MG), autoridades do Governo do Estado e representantes de entidades da sociedade civil.
A polêmica com relação ao projeto federal começa pelo novo nome que ele dá aos agrotóxicos, que passariam a ser chamados de “defensivos fitossanitários e produtos de controle ambiental”. Para os críticos, esta é uma forma de diminuir a rejeição da opinião pública a essas substâncias, utilizando um nome menos negativo.
Outra mudança criticada é com relação à análise para liberação de um novo agrotóxico. Hoje é necessária a aprovação de três órgãos do governo: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O PL 6.299/02 retira o poder de veto desses órgãos, com exceção do Mapa, e também permite a liberação provisória de agrotóxicos, mesmo antes da conclusão da análise oficial. Também elimina a autonomia de estados e municípios para legislar sobre o assunto.
Outro item mal visto é a flexibilização de uma regra atual que protege contra os riscos para a saúde humana. É proibido o registro de agrotóxicos que tenham características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas, que causem distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor.
O projeto em tramitação determina que só continua proibido o registro de produtos com essas características se houver risco inaceitável comprovado cientificamente, sem esclarecer como seria isso.
Multinacionais que produzem agrotóxicos serão beneficiadas
Tanto o deputado Padre João quanto o representante da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Rodrigo Carvalho Fernandes, disseram acreditar que a facilitação do uso de agrotóxicos prejudica até mesmo os interesses dos produtores rurais. Isso porque aumenta a resistência, dentro e fora do País, a produtos agrícolas que podem estar contaminados por substâncias que, muitas vezes, são proibidas no exterior.
“O compromisso de quem defende esse projeto não é com os ruralistas, é com as multinacionais que produzem esses venenos”, afirmou Padre João. Ele defende que a melhor resposta a essas propostas nocivas seria o PL 6.670/16, da Comissão de Legislação Participativa, da Câmara de Deputados.
O projeto elogiado por Padre João institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, mas ainda depende da análise de uma comissão especial, enquanto o PL 6.299/02 já está pronto para votação em Plenário. “Enquanto as pessoas estavam atentas à Copa do Mundo, a Câmara fez andar esse projeto”, lamentou Doutor Jean Freire.
Integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Bruno Rodrigo Silva Diogo afirmou que o Brasil é hoje estratégico para as multinacionais de agrotóxicos, por ser o maior consumidor mundial do produto.
“A venda de agroquímicos rende bilhões, só no Brasil, e 80% desse lucro fica com seis grandes grupos transnacionais”, afirmou Bruno. Esses grupos, segundo ele, são a Monsanto, Dupont, Bayer, Syngenta, Basf e Dow Agrosciences.
Participantes destacam viabilidade da alternativa agroecológica
O presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea-MG), Élido Bonomo, ressaltou ser falsa a ideia de que altos níveis de produtividade sejam possíveis apenas com a utilização de venenos agrícolas.
Para ele, isso só favorece o controle de poucas empresas mundiais sobre a agricultura, por meio do fornecimento de sementes modificadas de um lado e agrotóxicos de outro.
Para reforçar a ideia de que há alternativas ao uso de defensivos agrícolas, a pesquisadora Madelaine Venzon fez uma apresentação de técnicas relacionadas à agroecologia que são divulgadas ou desenvolvidas pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Ela defendeu o investimento nesse tipo de pesquisa.
A coordenadora do Comitê Local Contra o Pacote dos Venenos, Neide Pacheco, disse que a entidade recém criada pretende articular um protesto em Belo Horizonte, contra a aprovação do PL 6.299/02.
Durante a reunião na Assembleia, foi destacado ainda o papel que os agrotóxicos têm no aumento da incidência de doenças renais e de câncer de estômago. Foi esse o argumento da representante do Conselho Federal de Nutricionistas, Elisabeth Chiari, para que o órgão se oponha ao PL 6.299/02. Alerta semelhante foi feito pela coordenadora do Grupo de Estudos da Saúde do Trabalhador Rural da UFMG, Eliane Novato Silva.