Pesquisa da Fundação Perseu Abramo aponta que cerca de 25% das mulheres relatam ter sofrido violência no parto
Para Sônia Lansky, algumas intervenções são desnecessárias e não têm respaldo científico
Pedro afirmou que 52% dos partos no País são feitos por cesariana, apesar da OMS recomendar que índice não ultrapasse 15%.
PL da deputada Geisa Teixeira trata da implementação de medidas de informação e proteção para grávidas.
Proposta pretende reduzir casos de violência obstétrica no Estado

Informação é importante para reduzir violência obstétrica

Constatação é de convidados de audiência pública que discutiram o problema, considerado institucionalizado no Brasil.

18/04/2018 - 20:15 - Atualizado em 19/04/2018 - 11:34

A violência obstétrica, que engloba atos de ofensa física e verbal praticados por médico, equipe do hospital ou família no trato com a gestante e o bebê, foi institucionalizada no País. Para alterar esse quadro, é necessário enfrentar essa cultura que violenta o corpo da mulher por meio da informação, intervindo inclusive nos currículos das faculdades e na própria formação dos profissionais que lidam com a parturiente.

A conclusão é dos participantes da audiência promovida pelas Comissões de Saúde e Extraordinária das Mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (18/4//18). A reunião foi solicitada pela deputada Geisa Teixeira (PT) e pelo deputado Carlos Pimenta (PDT). O objetivo foi debater o Projeto de Lei (PL) 4.677/17, dessa parlamentar, que trata da implementação de medidas de informação e proteção para grávidas e parturientes.

Na avaliação da pediatra Sônia Lansky, “o parto foi patologizado e tecnologizado”. Segundo ela, esse processo de medicalização ao longo do século 20 levou à situação atual, em que cerca de 25% das mulheres relatam ter sofrido violência no parto, conforme pesquisa de 2010 da Fundação Perseu Abramo.

Outra consequência das mudanças no parto foram as várias intervenções acrescentadas, muitas vezes desnecessariamente e sem respaldo científico, de acordo com Sônia. Ela citou como exemplos: separação da mãe e do bebê na primeira hora de vida, com consequências no aleitamento; rompimento da bolsa de água; administração de ocitocina artificial, para adiantar contrações, o que pode provocar a asfixia; e corte precoce do cordão umbilical, predispondo o bebê à anemia.

Como forma de reduzir as interferências, Raquel Guimarães, do Conselho Regional de Fisioterapia, sugeriu técnicas não farmacológicas de redução da dor: massagens, melhor posicionamento da mulher, exercícios de respiração e estímulo à atividade física.

Mais da metade dos partos no Brasil são por cesariana

Embasado pela Pesquisa Nascer no Brasil, o médico Pedro Siqueira afirmou que 52% dos partos no País são realizados por cesariana, sendo que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que esse índice não ultrapasse 15% do total. Realizado em 266 maternidades que respondem por 83% dos partos do Brasil, o levantamento destaca que, no setor privado, as cesárias representam 88% do total, enquanto no setor público, 46%.

É também da OMS a definição de violência obstétrica citada por Pedro, que inclui: violência física, humilhação profunda e abusos verbais, procedimentos médicos coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização), recusa em administrar analgésicos, violações da privacidade e recusa de internação.

Uma das evidências reforçadas pelo médico é de que a episiotomia (corte na região do períneo) não deveria ser tão utilizada. Ela ocorre em 56% dos partos. 

A vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia, Cláudia Natividade, tratou de projeto de pesquisa mostrando que várias mulheres “apagavam” a violência que haviam sofrido no parto dizendo que o mais importante era o bebê ter nascido sadio. 

Como sugestões ao PL 4.677/17, Cláudia defendeu que a violência psicológica também seja abordada, além do recorte da diversidade sexual. "Há casais de lésbicas hoje em dia e, por isso, temos que retirar essa lógica heteronormativa do texto”, disse.

Mortalidade materna também preocupa

Na concepção de Regina Lopes Aguiar, da Coordenadoria de Atenção à Saúde das Mulheres e Crianças da Secretaria de Estado de Saúde, violência ainda maior é a mortalidade materna. “Essa situação é incompatível com as condições que temos hoje de recursos e de conhecimento”, lamentou. Nesse sentido, ela sugeriu incluir no PL 4.677/17 um tópico sobre o tema.

Para a defensora pública Flávia de Morais, é necessário pensar na prevenção à violência obstétrica. “Para isso, a mulher deve ter informações, para conhecer seus direitos e entender que deve ser a protagonista do momento do parto”, disse. Ela ainda julgou importante que o projeto trate da mulher em situação de abortamento e, ainda, da participação das doulas.

Sofia Feldman - Willian Rodrigues, do Conselho Regional de Enfermagem, defendeu apoio à Maternidade Sofia Feldman, referência em parto humanizado. “Para onde vai a demanda reprimida de partos se a instituição que mais realiza esse procedimento em Belo Horizonte for fechada?”, questionou.

Em pesquisa recente nas maternidades da Capital, o Sofia Feldman ficou com a menor taxa de cesarianas – 25% dos partos -, enquanto instituições particulares pontuaram mais de 80%.

Doulas - Na perspectiva de valorização do parto humanizado, Rebeca Charchar, doula e enfermeira, lembrou que, até o século 19, a experiência do parto era familiar e sexual. Depois, com a escola da medicina obstétrica, perdeu-se a naturalidade do parto e isso foi se ampliando gradualmente.

Para Rebeca, a doula busca recuperar os pressupostos presentes no parto em toda a história, mas sem negligenciar os recursos atuais. “Não há contraindicações em ter uma equipe transdiciplinar com doulas. Precisamos sair de um modelo curativo e biomédico e buscar outro, humanizado”, analisou. Ela disse ainda que a OMS recomenda que o parto deve absorver mais tempo e estar menos sujeito a intervenções.

Deputados querem aprimorar proposta

A deputada Geisa Teixeira anunciou que está levando a discussão de seu projeto a várias regiões do Estado, como forma de conscientizar as mulheres sobre a violência obstétrica. “O direito da mulher a um acompanhante foi aprovado há anos e vem sendo negado muitas vezes. Se a mulher pede a analgesia e não recebe, também é violentada. A cada quatro mulheres, uma sofre violência obstétrica. Temos que dizer não a isso!”, defendeu.

A presidente da Comissão Extraordinária das Mulheres, deputada Marília Campos (PT), defendeu a aprovação do PL 4.677/17. “Atualmente o protagonista do parto acaba sendo o médico, mas cabe à mulher definir como ele será”, ressaltou.

Relator do projeto na Comissão de Saúde, o deputado Carlos Pimenta afirmou que pretende aperfeiçoar a matéria. Ele também se comprometeu a buscar agilidade na tramitação da proposta, para que se torne lei o mais rápido possível.

O deputado federal Adelmo Carneiro Leão (PT-MG) considerou que a cesariana também é uma violência obstétrica. “Muitas vezes, é um ato de comodidade, de apressamento do nascimento", declarou. Ele acrescentou que muitas crianças nascidas por cesariana apresentam problemas graves na maturidade respiratória e no sistema imunológico.

Consulte o resultado da reunião.