O criminologista participou de painel sobre a descriminalização das drogas sob a ótica da segurança
Baldan defendeu a descriminalização do cultivo para uso próprio e a legalização controlada
Segundo Raquel, a repressão às drogas via justiça tem aprofundado as desigualdades

Modelo atual contra drogas fracassou, afirma especialista

A favor da descriminalização, criminologista vê utopia ao alertar que situação brasileira favorece crime organizado.

17/11/2017 - 16:26

O modelo de guerra às drogas adotado no Brasil fracassou ao abarrotar as cadeias, consumir milhões em recursos, favorecer o surgimento do crime organizado e fomentar a violência e a morte. E ainda desumanizou o processo penal e o próprio cumprimento da pena. Esse foi o cenário apresentado na manhã desta sexta-feira (17/11/17) pelo diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim), Édson Luís Baldan, que defendeu uma consulta à população brasileira sobre a descriminalização das drogas.

Professor de Criminologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Baldan participou do Encontro Internacional Descriminalização das Drogas, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ao longo na desta sexta-feira (17/11/17). Os debates prosseguem durante toda a tarde, com a análise de experiências internacionais sobre o assunto.

“Diante desse quadro, creio que é necessário abandonar a utopia de um mundo limpo e livre das drogas”, prosseguiu o palestrante, que participou da mesa que abordou o tema sob a ótica da segurança pública.

Baldan expôs que a fracassada política de guerra às drogas adotada no Brasil foi inspirada em modelo importado dos Estados Unidos, de base moralista. Ele afirmou que esse modelo já foi saturado em sua própria origem, tendo sido flexibilizado de alguma forma em 26 dos 50 estados norte-americanos, tendo fracassado também em países como México e Colômbia.

O especialista defendeu uma flexibilização também no Brasil, com a descriminalização do cultivo para uso próprio e a legalização controlada da produção e da comercialização. Ele ponderou que, ao contrário do que dizem aqueles contrários a esses tipos de medidas, isso não significaria a venda de drogas em camelôs, e sim uma regulamentação.

“É certo que hoje o Brasil tem um crime organizado que agradece o apoio à criminalização da droga. E, se nada for feito, em breve ele poderá desencadear no País o terrorismo doméstico contra aqueles que ousarem enfrentá-lo”, alertou o especialista.

Militarização - O professor creditou seu ponto de vista ao cenário atual do País e também a 26 anos trabalhados como delegado de polícia. Como exemplo de que o modelo estaria exaurido no Brasil, ele disse que a militarização em estados como São Paulo provocou o distanciamento das necessidades da comunidade, levando o cidadão a buscar a justiça paralela e produzindo o terreno fértil para o surgimento de organizações como o PCC.

Ele registrou que o PCC surgiu há 25 anos, depois do massacre de 111 presos no Carandiru. "A violação de direitos é que levou a essa facção criminosa. Hoje São Paulo registra 75% menos mortes do que há 10 anos, mas isso porque desapareceram das estatísticas as mortes por drogas", frisou o professor.

Essa queda, segundo ele, deve-se ao próprio PCC, que teria chegado à sofisticação de ditar as regras e não mais permitir que se mate o devedor do tráfico ou o viciado, impondo a ordem com tribunais paralelos do crime para suas penas e negociações. "E o Estado vai perdendo espaço", advertiu.

Criminalização gera desigualdades de gênero

Na mesma mesa, a advogada Raquel da Cruz Lima defendeu um chamado aos municípios, para que dividam um campo ainda restrito em grande parte aos estados e à União e ajudem na construção de uma nova política sobre drogas para o País. Para Raquel, esse novo modelo deveria aperfeiçoar serviços como de acolhimento, assistência social e saúde.

Afirmando que a repressão às drogas via justiça tem aprofundado desigualdades, sobretudo aquelas de gênero, Raquel apontou que está havendo um aumento vertiginoso de encarceramento de mulheres no mundo. Segundo ela, o Brasil ocupa a quarta posição no ranking dos países que mais têm aprisionado mulheres.

Segundo dados apresentados por ela, o número de mulheres presas no Brasil registrado entre 2001 e 2014 foi seis vezes maior do que o de homens no mesmo período, estando 60% do total das prisões de ambos relacionados a delitos envolvendo drogas.

Coordenadora do programa Justiça Sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, a advogada se dedica a estudos e ações relacionados à desigualdade de gênero, sobretudo junto a mulheres presas ou egressas.

Para Raquel, nesse cenário de repressão, a mulher enfrentaria a discriminação de gênero em várias dimensões, entre elas na própria Justiça, ao serem abordadas de forma moralista por juízes ou recebendo penas menos brandas em relação aos homens que estão na mesma situação.

Perfil - O perfil das mulheres presas e egressas no País, segundo ela, tem em comum histórias marcadas por violência sexual e doméstica, a responsabilidade principal pelo cuidado dos filhos, a pouca escolaridade, a dificuldade de geração de renda e o empobrecimento também pela discriminação da própria Justiça.

Afirmando que a descriminalização das drogas é um debate complexo e necessário, Raquel reconheceu avanços a partir do tratamento diferenciado dado ao usuário e ao traficante, dando ao primeiro medidas penais alternativas, como a prestação de serviços comunitários.

Contudo, alertou para dificuldades no encaminhamento, já que poucas instituições aceitariam receber essas pessoas. "Sem conseguir liquidar seu compromisso com a justiça, cidadãos nessa situação se veem numa situação cruel, não conseguem quitar suas obrigações eleitorais e nem ter acesso a benefícios e serviços", expôs ela.

Mesmo aqueles obrigados a frequentar programas de narcóticos anônimos como pena alternativa teriam que comprovar frequência, uma determinação que a advogada classificou de incompreensível tendo em vista justamente o anonimato desses grupos.